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WSL: Pega ladrão! Ou não?

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“Amigo, o julgamento é um problema no surf desde 1976, quando teve o primeiro evento da IPS. E assim foi na ASP, e agora é na WSL. Antes, eram os americanos que reclamavam. Depois os havaianos, agora são os brasileiros e já já os australianos”

Tem tempo que não escrevo sobre surf. Muito tempo. Para a enorme garotada, que nunca escutou falar na minha pessoa, meu nome é Alexandre Rezende mas conhecido nos meus áureos tempos de competição e jornalismo especializado como Alex Guaraná.

Já fiz praticamente tudo dentro desse esporte que atualmente virou febre no Brasil depois da medalha de ouro do potiguar Ítalo Ferreira e dos feitos globais de Gabriel Medina, Adriano de Souza e Filipe Toledo. Fui campeão carioca amador (nos tempos em que os amadores davam couro em muitos profissionais) e tive uma curta carreira entre a elite que disputava o Circuito Brasileiro na década de 90.

Achava que não tinha o bastante para seguir como desportista e acabei me tornando o terror dos competidores: jornalista. Fui estagiário, designer, editor assistente, editor, editor chefe, produtor de programa de TV aberta e depois fechada, assessor de imprensa de etapa do Circuito Mundial, vice-presidente de organização de surf até que resolvi deixar tudo de lado e seguir o caminho destinado a mim me tornando um empresário e um chato burocrata ligado a finanças, fiscal, RH e jurídico.

Mas o amor pelo surf competição nunca deixou de estar presente no meu coração afinal, foram 25 anos de energia e paixão numa atividade que no início era vista pelos meus pais como mais uma brincadeira infantil de um adolescente.

Pois essa atividade ganhou corpo e se tornou fonte de debate acalorado em bares e botequins país a fora, com dezenas de milhares de entendidos em notas, surfistas, pranchas e quaisquer que sejam o assunto ligado as ondas. Teria o surf se tornado uma versão menor do futebol, onde existem 200 milhões de técnicos? Parece que sim.

Lendo a surpreendente notícia da saída do CEO da WSL Eric Logan, durante a etapa brasileira, não consegui deixar de pensar na questão envolvendo a apaixonada mensagem de Gabriel Medina sobre os resultados do Surf Ranch na mítica piscina de ondas de Kelly Slater e a resposta pouco inteligente de Logan em relação ao tema.

Gabriel, no direito de expor sua opinião sobre um assunto que é relevante desde sempre, reclamou basicamente dos critérios de julgamento que para ele, estão prejudicando suas notas já que, dono de um estilo de surfar mais acrobático e moderno, estaria sendo lesado com a maior valorização das manobras tradicionais, prejudicando assim o famoso Brazilian Storm. Bem, esse desabafo foi compartilhado e lacrado por outros surfistas tupiniquins, alguns de renome e seus staffs.

Mundial de El Salvador 2023
Gabriel Medina voando alto nas ondas de La Bocana. Foto: Sean Evans / ISA

Vejamos em fatos se isso condiz com a realidade. Quantos campeonatos mundiais os brasileiros venceram desde 2018? TODOS! Quantas etapas os brasileiros venceram desde 2018 até o presente momento? 28 vitórias em 47 etapas, aproveitamento de 60%. Quantos brasileiros estão entre os 5 primeiros do atual ranking mundial? TRÊS! Quem lidera o Tour? Toledo. Não me parece que os surfistas do Brasil estejam sendo prejudicados olhando a frieza dos números.

Quando Gabriel expõe, após uma dolorida derrota para “um surfe muito simples”, com “transições incompletas e” sem “PROGRESSÃO e VARIEDADE”, muitos, bem, quase todos, torcedores, fãs ou fanáticos, como queira chamar, já elaboram a teoria do “estamos sendo roubados!” Misturam-se nessa alegação uma infinidade de pessoas, algumas com bastante mídia e poder de influência tornando essa opinião uma “verdade”, coisa que ninguém pode provar de fato. As redes sociais apenas fazem o seu melhor, que é criar haters e discussões tolas onde 99% das pessoas não tem a menor idéia do que estão comentando.

Amigo, o julgamento é um problema no surf desde 1976, quando teve o primeiro evento da IPS. E assim foi na ASP, e agora é na WSL. Antes, eram os americanos que reclamavam. Depois os havaianos, agora são os brasileiros e já já os australianos. E isso nunca vai mudar. Sabe por quê? Porque quem define os vencedores são 5 seres humanos com seus gostos, opiniões e emoções na hora de digitar suas notas.

No início do Circuito Mundial, os vencedores eram declarados como no boxe, com cada juiz contando 1 ponto para seu escolhido. O placar era de 5 x 0, 4 x 1 ou 3 X 2. Por diversas vezes a pontuação do perdedor era maior do que a do vencedor, principalmente quando o resultado era 3 x 2. Acabou-se mudando para a soma dos pontos contando as 4 melhores notas na bateria. Obviamente não agradou e mudou-se para as 3 melhores, até que se chegou no consenso de que as duas melhores médias seriam computadas cortando-se a maior e menor nota de cada onda dos 5 juízes para se chegar nessa média. E pasmem, já existe estudo querendo mudar isso. Tudo para fazer algo mais “justo”. Em análises subjetivas, que são definidas por critérios e esses critérios avaliados por gostos individuais e distintos, as vezes não teremos unanimidade. E tudo bem!

Não tenho a menor ideia de como se chega num critério padrão de julgamento quando as ondas, que são as plataformas de performance, são tão distintas e peculiares. Cada pico tem manobras mais fáceis e difíceis de serem executadas por causa de suas bancadas, vento, maré e isso deveria ser a pedra fundamental para qualquer critério. Além disso, tem a emoção ao ver uma platéia urrando nas areias o que também acaba interferindo na nota, pois os juízes, acima de tudo, são humanos e tem sentimentos.

Ethan Ewing nas direitas de J-Bay. “Para mim está claro que desde o ano passado o surf de borda está sendo valorizado em relação as outras temporadas”. Foto: Alan Van Gysen / World Surf League)

A carta aberta de Gabriel deveria servir para que a comunicação entre os Top e a liga privada que toca o surf profissional fosse mais bem conduzida. Acho que esse é o principal ponto. Quando um dos maiores expoentes do esporte chega ao cúmulo de um desabafo desse em redes sociais é sinal de que falta mais entendimento entre os executivos da WSL, o corpo técnico e os surfistas. Não acho que os atletas ainda tenham capacidade para entender um negócio tão complexo como uma Liga, da qual o dono é um americano que tenta transformá-la numa Major League Soccer ou quem sabe um dia, num décimo do que é a NFL. Mas eles podem com certeza ajudar bastante na parte técnica, pois ninguém melhor do que um bom surfista para dizer se tal manobra é difícil ou não em tais condições. Para mim está claro que desde o ano passado o surf de borda está sendo valorizado em relação as outras temporadas. Você pode concordar ou não, mas é assim que está sendo. Que tentem mudar isso no diálogo ou que se adaptem.

Não existe ladrão julgando num palanque da WSL. Até porque desacredito que juízes brasileiros fariam isso com seus compatriotas. É feio acusar alguém sem provas. Mas que falta esclarecimento e transparência, disso não há dúvidas. E se o surf quiser se transformar em algo maior, as coisas têm que ser mais claras e profissionais. Senão, mesmo com premiação relativamente boa e divulgação na Globo, continuará sendo aquele sonho infantil que meus pais achavam que eu tinha.

Alex Guaraná
Alex Guaraná
Carioca e flamenguista roxo, mandou sua primeira manobra na Barra da Tijuca, em 1980, aos 13 anos de idade. Após uma bem sucedida carreira de competidor amador, passou a atuar como jornalista especializado. Primeiro nos jornais Staff e Now. Na sequência, trabalhou com Ricardo Bocão e Antônio Ricardo no programa Realce, pioneiro em esportes de ação na TV brasileira. Após um período como dirigente, e outro como assessor de imprensa do Circuito Mundial no Brasil, assumiu o posto de editor-chefe da Revista Fluir, onde ficou até 2007. Desde então se tornou comentarista esporádico, e agora fixo aqui na Hardcore, do esporte que conhece como poucos.

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