26.1 C
Hale‘iwa
quarta-feira, 8 maio, 2024
26.1 C
Hale‘iwa
quarta-feira, 8 maio, 2024

E o romantismo no surf? Acabou?

-

“Quando vejo os vídeos e posts de John John Florence, na sua sensibilidade e amor pela natureza e principalmente oceano, entendo por que ele é um cara cultuado pelos verdadeiros amantes das ondas.”

Por Alex Guaraná

Semana passada, amigos postaram um texto que escrevi no site Waves há exatos 10 anos. Intitulado “Casca, o travesso.”, ele falava sobre a passagem de um parceiro de infância, Roberto “Casquinha” Medeiros e sua vida de altos e baixos, mas sempre com emoções. Eram outros tempos, quando não tinha tanta grana e glamour rolando nos eventos e as pessoas me pareciam mais autênticas.

Nesse mundo de hoje, muitos dos nossos astros do esporte parecem montagens perfeitas onde o cabelo, a barba, a roupa, enfim tudo tem que estar em sintonia com os padrões de beleza e status condizentes com o que esperam os catequisados fãs e até a própria mídia. O surf brasileiro no caso, também transcendeu a alcunha de esporte de nicho e se tornou uma máquina de conquistas para o país.

Tudo isso fez com que os expoentes tenham que ter uma série de predicados, além do talento em cima da prancha, para poderem vencer na briga por um lugar ao sol nas ferramentas de comunicação, velhas e novas, porém sempre importantes para formar uma imagem e transformar alguém num formador de opinião.

Não há mais espaço para o comportamento rebelde de grandes nomes do surf como Dadá Figueiredo, Matt Archbold ou o próprio Casquinha. Com atitudes reprováveis ou não, eles representavam um lado do surf que definia muito bem a maneira peculiar que o jovem daqueles tempos se portava e entendia o mundo. As reações, violentas por vezes, contrastavam com o “case” de surfista bom moço que a marcas da época tentavam vender para os aficionados pelo surfwear.

+ Das piscinas para o mar: a trajetória de Mo Rahma, o 1º surfista profissional dos Emirados Árabes

A arte sempre foi uma expressão desses incompreendidos. Seja na água, seja na terra. E essa virtude ajudou em muito a difundir o lado More Core Division (MCD – marca criada por Michael Tomson nos anos 90 que revolucionou a indústria do esporte) no surf. Porque o ser humano tem uma necessidade e sensibilidade em farejar o original, o verdadeiro. Não é à toa que o público muitas vezes prefira o bad boy ao mocinho. Estamos sempre em busca da autenticidade e o diferente não tem outra opção a não ser, ser ele mesmo.

Sinto falta de gente berrando “Morte aos Parasitas”, frase que ficou famosa pela boca de Dadá, que simplesmente sintetizou a falta de visão e vontade de muitos empresários do ramo nos anos 90 em investir nos atletas, que basicamente mostravam o estilo de vida, vendido por eles, para milhares de simpatizantes.

Não tenho saco de ficar assistindo as entrevistas sem graça dos surfistas nos eventos de surf atuais, nem das perguntas e respostas de sempre quando confrontados pela imprensa. Mídia training, assessor, empresário, técnico, fisioterapeuta, psicólogo, pedicure, sei lá, hoje um grande surfista tem um time para fazê-lo vencer e convencer.

Quando vejo os vídeos e posts de John John Florence, na sua sensibilidade e amor pela natureza e principalmente oceano, entendo por que ele é um cara cultuado pelos verdadeiros amantes das ondas. Sua fala mansa, pensamentos lógicos e sentimento genuíno de um havaiano que foi criado para lidar com o mar cativa qualquer um que ainda tem o surf como uma cultura, ou contracultura se for o caso.

Me parece que para o surf brasileiro ter atingido um nível tão elevado, fomos obrigados a sacrificar a alma dos nossos meninos e meninas e transformá-los em máquinas de competição onde o manual para virar um prodígio está escrito e finalizado. O surf atual é mecânico.

Adorar surfar é uma coisa. É como adorar jogar bola, ou simplesmente ler um livro. Agora sentir o oceano, na hora de esperar uma onda, ou contar pro seu amigo aquele tubo que você acha que pegou, com uma alegria de menino, como se tivesse ficado em pé pela primeira vez numa prancha, são sentimentos puros, profundos, que sempre pautaram o universo do surf, em todo o planeta.

Cada vez que vejo um coroa, de cabeça branca, usando sua bermuda, sua prancha larga e com muito volume continuo acreditando que o life style que aprendi a amar ainda pulsa. Seja também através dos filhos e netos, seja através da eterna busca da onda perfeita. Almejar ser o melhor surfista do mundo é um sonho, que será ainda mais mágico caso no coração circule um pouquinho de água salgada. Mais emoção, menos razão! Pois no final das contas, o que ficam na memória são os momentos vividos e não os títulos e tapinhas nas costas.

Alex Guaraná
Alex Guaraná
Carioca e flamenguista roxo, mandou sua primeira manobra na Barra da Tijuca, em 1980, aos 13 anos de idade. Após uma bem sucedida carreira de competidor amador, passou a atuar como jornalista especializado. Primeiro nos jornais Staff e Now. Na sequência, trabalhou com Ricardo Bocão e Antônio Ricardo no programa Realce, pioneiro em esportes de ação na TV brasileira. Após um período como dirigente, e outro como assessor de imprensa do Circuito Mundial no Brasil, assumiu o posto de editor-chefe da Revista Fluir, onde ficou até 2007. Desde então se tornou comentarista esporádico, e agora fixo aqui na Hardcore, do esporte que conhece como poucos.

Compartilhar essa Reportagem

Adrian Kojin

Alex Guaraná

Allan Menache

Edinho Leite

Jair Bortoleto

Janaina Pedroso

Kelly platônico

Luciano Meneghello

Phill Rajzman

Zé Eduardo

Thiago Consentine

Gabriel Davi Pierin

Jaine Viudes

O surf de base livre