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Filipe “Pottz” Toledo

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“Mas o que Martin Potter tem a ver com Filipe Toledo? Para mim, tudo, porque são dois surfistas que não vi igual em termos de performance em ondas hot dog”

Por Alex Guaraná 

Muitos que podem estar me lendo aqui não têm a menor ideia de quem foi “Pottz”. Os fãs do surf da década de 80 certamente lembrarão do inglês Martin Potter, que cresceu na África do Sul e correu o Circuito Mundial com a bandeira da Grã-Bretanha. Pois “Pottz” era o apelido de Potter, que para muitos, revolucionou o surf nas décadas de 80/90, junto com Occy e Curren.

Campeão mundial em 89, esse assombroso surfista já há alguns anos deixava todos de queixo caído com suas performances eletrizantes, fazendo manobras inovadoras, sensacionais, sem se importar muito com o sempre polêmico critério de julgamento. Lembro bem de uma final do Alternativa Pro, uma das etapas brasileiras do Tour, na Barra da Tijuca, no ano do seu título, onde Potter enfrentou o australiano Dave Macaulay.

Na hora da decisão, existiam basicamente dois tipos de onda: uma esquerda longa e manobrável junto a uma vala e uma direita para dentro da bancada mais curta e buraco.

O critério nessa época era: quanto mais manobras você fazia maior seria sua pontuação. E ninguém fazia isso melhor que Macaulay.

O problema é que Potter resolveu tirar alguns coelhos da cartola, levando a praia a loucura, com um aéreo (manobra muito pouco vista no Brasil ao vivo naqueles tempos) e um rock’n roll (manobra onde o surfista fazia o movimento de dar uma batida no lip mas deixava a prancha deslizar de forma vertical, sacudindo a rabeta como se estivesse dando um tchau). Não lembro as notas, mas mesmo Macaulay recebendo pontuação maior, foi a performance de ‘Pottz” que ficou na memória das pessoas presentes na praia. Ele perdeu, mas venceu!

Mas o que Martin Potter tem a ver com Filipe Toledo? Para mim, tudo, porque são dois surfistas que não vi igual em termos de performance em ondas hot dog. Nem Kelly, nem Andy, nem ninguém. E, por coincidência, ambos são taxados de surfistas que não conseguem manter o nível em ondas mais pesadas. Pode até existir uma ou outra imagem bacana de Potter no Havaí, mas o fato é que ele realmente nunca se destacou vencendo em Sunset, Pipe ou Haleiwa, que eram os picos mais sinistros do Circuito naqueles tempos, logicamente no Havaí.

Discordo em relação a essa opinião de muitos sobre Toledo. Obviamente ele não é um surfista de ondas grandes, assim como a imensa maioria dos Top 32 da WSL. Poucos ali dá para dizer que são excelentes em ondas mais potentes. Podem até surfar bem e tudo, mas visivelmente não ficam confortáveis, o que é bem plausível, já que não treinam tanto em condições tão exigentes. E vejo Filipe no rol de surfistas que evoluiu bastante em ondas acima de 6 pés, e sua vitória em Sunset esse ano é prova cabal disso. Não se vence ali se não souber dominar o oceano. Para mim, o problema de Filipinho é sua técnica de entubar de backside em ondas mais pesadas. E isso é perfeitamente solucionável, desde que você queira arriscar o pescoço.

Dropar de backside em ondas muito tubulares requer muita potência na remada e principalmente go for it, pois um décimo de segundo perdido pode ocasionar uma bela vaca. A pressão que Toledo recebe para que obtenha um nível alto de performance em picos como Teahupoo não o ajuda em nada, ainda mais olhando pra baixo na hora de dropar e vendo cabeças afiadas de coral a espreita para triturá-lo. A repetição nos treinos e o foco em ondas desse tipo é o único caminho para um surfista superar seus medos.

Assistindo a ótima live com Ricardo Toledo, pai de Felipe, no programa Por Dentro do Tour, comandada por Marcelo Andrade, Felipe Zobaran e Marcelo Bôscoli, foi bem legal ver a honestidade como Ricardinho (bicampeão brasileiro profissional em 1991 e 1995) tratou do tema no bate papo entre eles. Não escondeu que Filipe tem receio de se machucar em Teahupoo e mais receio ainda em surfar Pipeline. E isso não é demérito algum, para ele nem nenhum outro surfista. São ondas muito perigosas e num erro pode-se findar uma vida, uma carreira, um sonho. Pai de um casal e com uma família unida, linda e cheia de energia, ele tem muito mais a perder do que ganhar se arriscando por aí. Não estou dizendo que é certo ou errado esse medo, apenas que é compreensível e a escolha é apenas dele.

Filipe já está na história do surf como campeão mundial. Pode ganhar mais páginas com o bi daqui a alguns dias. Pode também resolver focar e fazer um planejamento psicológico, físico e prático, para se aperfeiçoar no palco das Olímpiadas de 2024. E nem sabemos como as condições em Teahupoo estarão nos dias do evento, por que se tem uma coisa imprevisível é a natureza, principalmente o oceano. Tem chance de o mar ficar micro e ele sair executando aéreos de backside levando um monte de nota 10. Ah, é caído, talvez, mas não para quem ganhar. Afinal de contas, ali, o que vale é uma medalha.

Cada pessoa tem sua maneira de pensar e objetivos na vida. Isso tudo é pessoal e não tem como alguém julgar. Minha linha de raciocínio é simples. Ser campeão mundial é muito mais difícil do que ser campeão olímpico, tanto que diversas zebras surgem nos Jogos. Porém uma coisa é inquestionável, ser o dono de uma medalha de ouro olímpica te leva a um status que pouquíssimos atletas chegam. E ter a chance de almejar isso, também é uma dádiva concedida a poucos no mundo.

Filipe tem todo o direito de escolher como vai se preparar para Teahupoo. E não tem obrigação com nada e ninguém, apenas com sua consciência. Falta técnica, prática e superação. E a oportunidade de aprender com essa data em seu calendário pode ajudá-lo a se tornar um surfista ainda mais dominante. Não tenho medo algum de falar que Filipe Toledo já é há três anos o cara que mais tira a palavra “Uau” da minha boca com seu approach potente, vertical, inovador e estiloso. Uma vez dominando suas emoções em certos momentos críticos de picos mais difíceis, ele não só estará se credenciando para manter uma hegemonia na sua profissão como evoluirá na condição de ser humano, pois os obstáculos que aparecem na nossa trajetória estão aí para serem ultrapassados, seja superando nossas fobias, assim como subindo os degraus da vida. É difícil? Sim, mas são essas vitórias que distinguem o melhor do ótimo.

 

Alex Guaraná
Alex Guaraná
Carioca e flamenguista roxo, mandou sua primeira manobra na Barra da Tijuca, em 1980, aos 13 anos de idade. Após uma bem sucedida carreira de competidor amador, passou a atuar como jornalista especializado. Primeiro nos jornais Staff e Now. Na sequência, trabalhou com Ricardo Bocão e Antônio Ricardo no programa Realce, pioneiro em esportes de ação na TV brasileira. Após um período como dirigente, e outro como assessor de imprensa do Circuito Mundial no Brasil, assumiu o posto de editor-chefe da Revista Fluir, onde ficou até 2007. Desde então se tornou comentarista esporádico, e agora fixo aqui na Hardcore, do esporte que conhece como poucos.

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