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Nem clássico, nem progressivo: Retrogressivo

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O clássico com uma pitada de progressividade, ou o progressivo com uma boa dose do clássico?

A eterna questão que divide opiniões entre os longboarders, ganhou um novo capítulo, com a inclusão da categoria Progressivo, na 3° etapa do circuito brasileiro.

A principal alegação, que partiu de alguns atletas, é bem pertinente. Nossos beach breaks são implacáveis para o surf clássico, basta ver o que aconteceu em Saquarema durante a etapa passada. Mesmo nos menores dias, ondas curtas e balançadas dificultaram a boa performance dos logs. E quando o mar subiu, a maioria sucumbiu. 

O critério para competições oficiais, em todo o mundo, é o da linha tradicional californiana – também conhecido como clássico. Funciona para condições limpas, de preferência point breaks com ondas pequenas, longas e perfeitas, como foi em Paracuru, no primeiro campeonato do ano. 

Outra alegação vem de parte dos espectadores. Dizem que assistir baterias sequentes no critério atual é maçante, que os movimentos ficam repetitivos e os surfistas com performances parecidas. São opiniões… e cada um tem a sua.

A minha é que foi acertado terem recolocado o longboard na linha horizontal, coisa de uns 10 anos atrás, porque até então, o noseriding vinha sendo descartável. Uma onda bem trabalhada apenas na verticalidade, ou com curvas fortes de borda, já bastava para conseguir notas altas. 

Abrir mão do noseriding tem um efeito devastador na formação de um longboarder, que usa uma prancha feita para ser pisada em toda sua extensão. É na movimentação constante que os pontos de aceleração e desaceleração são explorados, assim se consegue leveza e fluidez, sem precisar forçar a barra.

O exemplo do Phil Rajzman é legal. Quando decidiram interromper a progressividade, em vez de reclamar, ele mergulhou na causa. Sua escola são as cavadas ondas do Postinho, mas aprimorou sua linha alta com um trabalho de pés dinâmico. E mesmo quando pegava as pranchas de alta performance, conseguia leveza na linha progressiva. Melhorou em todos os aspectos, inclusive no hang ten.

Gostei do que me disse o Kleber Souto – adepto de pranchas progressivas: “Eu surfo de longboard pelo leque de opção gigantesco que ele te dá. Cresci vendo os caras fazendo de tudo. Se tem uma coisa bonita no longboard é uma transição de manobra. Puxar um cutback, bater na espuma e já transitar com uma manobra de nose”. 

Outro cara formado na escola progressiva, que se fez valer dessa imposição do critério clássico foi o Gabriel Nascimento. Se reinventou com um surf leve e fluído, apesar de ser alto e pesado. Seja qual for a condição do mar, nunca abre mão de explorar toda a área da prancha.

Gabriel Nascimento, acima e abaixo, soube encontrar o equilíbrio perfeito entre o clássico e o progressivo. Fotos: Allan Gandra / @allangandraphotography.

Quando o Phil, ou o Gabriel atacam uma junção, eles não precisam de força. A explosão acontece pelo embalo do próprio peso. É muito mais técnica. Rabeta é drive, meio da prancha é ponto de aceleração e o noseriding é o ápice. Ou seja, quando o surfista domina com excelência a transição contínua entre esses pontos, ele tem tudo o que um longboarder precisa… leveza, fluidez, plasticidade e claro, o estilo! E o tipo de prancha passa a ser um mero detalhe.

Surfar só na rabeta compromete tudo isso. É possível conseguir aceleração lá atrás, desde que a onda tenha pressão suficiente, mas nunca será através da inércia. A não ser que seja o Marcelo Freitas, que é uma rara exceção.

No evento-teste para a categoria Progressivo, o mar baixou e as finais aconteceram no quebra coco, já na praia, sem espaço para bicos. Foi uma circunstância atípica da Macumba. Mas nas fases iniciais tinha espaço de sobra, com sessões para longos noseridings, que foram ignoradas à espera da junção ou do lip. Ficava nitidamente uma linha de surf interrompida.

Se o circuito brasileiro vai acontecer em condições diversas de ondas, o critério precisa se adaptar. Atletas com diferentes tipos de equipamento, e o corpo técnico deixando que o mar defina o critério a cada dia de disputa. Clássico 100%, progressivo ou algum tipo de critério combinado. 

Mas nunca abdicando do noseriding. E nem da linha alta… e nem da leveza, da dinâmica dos pés, da fluidez e da plasticidade. O ataque precisa ser uma consequência disso tudo. Progressividade, aplicada dessa forma, é bem vinda e, em qualquer critério, deveria ser vista como um bônus. No free surf vale tudo, mas as competições têm a obrigação de nortear os rumos da evolução.

O longboard morreu e renasceu através da progressividade. O ano de 1966 foi um dos principais marcos da Shortboard Revolution, quando Bob McTavish, Nat Young e George Greenough projetaram a Magic Sam, uma 9’4″ feita especialmente para o Nat vencer o campeonato mundial de San Diego. Era uma prancha menor e mais arrojada. Enquanto David Nuuhiwa era o favorito para o título, notoriamente o melhor noserider da época, Nat desbancou seu favoritismo com uma linha mais arrojada. Depois disso houve um hiato de quase 10 anos, até o ressurgimento com caras como Herbie Fletcher e seu slogan “A emoção está de volta”. O próprio McTavish, Donald Takayama e tantos outros aderiram à retomada, fabricando pranchas cada vez mais de alta performance.

A progressividade tomou conta desde então, por 40 anos, até o regresso da linha horizontal. O resto da história todo mundo já sabe. 

No dicionário, retrogressivo significa: que volta a um estado anterior; degenerativo.

Voltar ao que já foi não preocupa, mas é preciso atenção para não virar de fato, degenerativo.

O clássico com uma pitada de progressividade, ou o progressivo com uma boa dose do clássico?

Temos as experiências a nosso favor. Se não matar barata, já está bom!

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Jaime Viudes
Jaime Viudes
Longboarder reconhecido por seu estilo refinado, Jaime Viudes disputou durante 15 temporadas os Circuitos Brasileiro e Mundial. Foi bicampeão paulista, campeão do Pernambuco Longboard International e 3° melhor noserider do mundo em 2006, além de ter conquistado importantes vitórias em âmbito nacional. Nascido em Santos, cresceu em Itanhaém e mora no Guarujá há 25 anos. Começou como colunista na Revista Hardcore, passando também pela Fluir, Camera Surf e Waves. Idealizador dos eventos Longboarding Experience e do filme Lisergia Clássica, também atuou na produção de conteúdo do programa 9 Pés, do canal Off.

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