Jefson Silva é local da praia de Camburi, no litoral norte de São Paulo, e um dos mais carismáticos longboarders do Brasil. Só por isso já valeria uma demorada conversa com ele, mas por ser tricampeão brasileiro (2014/2019/2021) e campeão panamericano (2022) acabamos estendendo ainda mais a resenha.
Encontrei a figura por acaso, em Itanhaém-SP. Conseguimos fazer uma sessão de surf quase noturno na companhia do local Jonas Lima, que nos convidou para jantar no seu restaurante. Sem ter nada combinado, liguei o gravador assim que sentamos para comer.
Jaime Viudes – Fica esperto, o gravador está ligado…
Jefson Silva – Cuidado com isso aí hein tio Jaime!
JV – E aí Jejé, fala um pouco da sua carreira e do seu atual momento.
JS – Tenho três brasileiros e um Panamericano, fui 5° do mundo em 2015 e venci o tradicional Salinas Surf Festival (ESP) quatro vezes. Atualmente sinto que estou na minha melhor fase técnica. Depois do Rio de Janeiro continuo líder do ranking brasileiro. Tem sido como planejei desde o ano passado. Coloquei o título brasileiro como objetivo para 2024 e graças a Deus está dando certo. Tenho duas vitórias e uma terceira colocação e também tive um bom resultado no sul-americano. Com o ritmo de competição que eu estou, quero chegar em Balneário Camboriú e concretizar o título nesta última etapa.
A parceria com o shaper português Luís Filipe “Lufi” Bento foi fundamental na consolidação do surf de Jefson Silva. Na foto com seu modelo favorito, “The One”. Foto: Giulia Panzetti
JV – E quem você vê como o seu principal rival, ou quem pode te atrapalhar para conquistar o título?
JS – O Diguinho. A gente sempre se cruzou nas baterias dos circuitos brasileiro e mundial. Então o Rodrigo Sphaier é um cara que eleva o meu nível, é difícil de ser batido. Ele é técnico, frio e tem muita energia. Sabe explodir numa bateria de uma hora para outra, mas também sabe ser extremamente calmo. Agora, atrapalhar tem um monte. A molecada do nordeste, se o mar estiver bom para andar no bico, costuma dar muito trabalho.
JV – E ele veio da progressividade, mas se adaptou bem ao critério clássico…
JS – Ele é um expert em longboard, se você der um triquilha ou um clássico, ele vai surfar exatamente como a prancha pede, é completo, como posso explicar… Ele sabe explorar as características de cada prancha, sem perder a sua própria identidade.
JV – Ele entendeu que o longboard funciona na linha alta, que é como a gente estava falando. Ali você tem tudo, leveza, fluidez, plasticidade e inércia.
JS – Isso tio Jaime, e consequentemente melhora o estilo. O Diguinho está sempre surfando na parte crítica. Dificilmente você vai ver ele na parte mole da onda, e isso faz ele ser quem ele é, diferenciado. Ele entrega para os juízes o que esperam dele. Por isso que é um especialista em fazer high scores.
JV – E falando em Diguinho, ele venceu a categoria Progressivo nessa etapa da Macumba. Essa categoria veio como um experimento apenas ou a intenção dos caras é consolidá-la?
JS – Não acredito que vá ficar. Eu até gostaria que ficasse, mas não sei se vai ganhar tanta força diante de toda essa cena do longboard tradicional. Seria uma atração a mais dentro do circuito, mas realmente eu não sei. Seria legal ter os dois lados da moeda.
JV – Mas se consolidasse, seria um retrocesso?
JS – Pausa… Acredito que sim. Como estávamos conversando, eu acho difícil pela questão da venda da modalidade como um produto. Já conversei sobre isso com os maiores nomes do longboard mundial, inclusive vários campeões mundiais concordam que o clássico é mais comercial, ou seja, que vai trazer mais engajamento para a modalidade. O Joel Tudor explicou no evento que ele fez na Macumba ano passado essa questão. Por isso o Duct Tape deu tão certo. Porque querendo ou não, o diferencial do longboard é justamente o lado clássico. Até por isso o progressivo perdeu espaço. Para mim até seria bom, porque usei bastante triquilha.
JV – Sim, você nasceu para o longboard no auge da escola progressiva. Mas sempre foi reconhecido como um excelente noserider, e por isso parece que não teve dificuldades em se adaptar ao critério atual. Mas essa pegada mais arrojada que você trouxe para o seu surf clássico está virando referência, uma escola do surf clássico brasileiro. Eu vejo uma galera colocando muita borda dentro do surf clássico, como o próprio Diguinho, a Kate Brandi, a Atalanta…
JS – É isso mesmo, eu vim do 2+1, mas por ser leve eu sempre tive fluidez, mesmo com pranchas progressivas. Então não tive tanta dificuldade. E eu fiquei animado porque eu não era tão bom na rabeta quanto o Phil, você, o Sphaier, Mulinha. Eu não tinha força, nem a técnica de vocês. Então quando mudou para o clássico, vi que o jogo mudou a meu favor. Foi uma adaptação intensa com outros tipos de pranchas. Fiz um trabalho grande com o Lufi, muito preocupado com pranchas. Dei sorte de ter conhecido o Lufi. Então eu fico feliz em saber que tem uma galera que está se espelhando em mim, porque quando eu olho para trás, lembro de todo trabalho e dedicação para chegar onde cheguei.
Jefson Silva sempre busca estar no lugar certo. Da onda e da prancha. Foto: Aleko Stergiou
JV – E a nova geração, quem você olha e percebe algo diferente?
JS – O Daniel Batista. Ele passa no hang ten onde a maioria ainda está ajeitando a prancha. A espuma para ele não é obstáculo, ele atravessa a sessão espumada como se fosse uma parede lisa…
JV – Desculpa interromper, eu gosto das curvas dele, principalmente quando puxa para dentro e retoma a direção usando o knee turn, me lembrando o seu próprio surf.
JS – Engraçado você falar isso, porque me fez lembrar de uma situação que a avó dele falou uma vez, que ele assistia muito meus vídeos no Instagram. Antes de começar a competir, ele ficava olhando meu Instagram, então deve ter mesmo uma influência do meu surf. Ele também sempre tira dúvida comigo, pede minha opinião sobre o que eu acho que ele pode melhorar. Ele vai ser um moleque que vai colocar o surf num nível que poucos vão chegar.
JV – Tive pouco contato com ele, mas parece ter bastante personalidade, sem falar no DNA né?
JS – Tem, apesar da pouca idade, dentro e fora d’água. Ele sabe o que quer e tem autoconfiança. E pô, coloca DNA nisso… pai, mãe, tio, todos bons surfistas. O surf é uma coisa natural dele.
JV – E a Gabi, sua namorada, além do sup agora está entrando no longboard. Estou falando isso porque percebo as abordagens dela. Vejo ela aliando a progressividade do sup com o surf de longboard. Isso já é uma vantagem, competitivamente falando.
JS – Ela começou por brincadeira, pegando as minhas pranchas. Mas ela não botava muita fé, apesar de eu sempre incentivar. Então ela começou a surfar de longboard com a minha 9´10, que é bem clássica. Como você bem disse, ela já tinha o surf de borda do sup e essa prancha ensinou ela a essência do longboard. Deu um casamento bom, se ela se dedicar vai ficar completa, como o longboard moderno pede.
JV – E o casamento do Jejé e a Gabi?
JS – (Risos)… Então Jaime, está previsto (risos)… é inevitável né, ela é minha parceira mesmo, de verdade. A gente gosta das mesmas coisas, então deve acontecer…
JV – E o circuito mundial?
JS – Estou fora do mundial desde 2022. Esse vai ser o meu segundo ano fora, mas eu sigo tentando voltar. Ano que vem vou atrás das etapas classificatórias novamente. Depois de quase dez anos lá, eu sei que tenho meu espaço entre os melhores. Ficar de fora, assistindo pela TV me dá uma sensação estranha, porque eu me vejo lá, mas não estou.
JV – Chegou o peixe… tá bom?
JS – Olha…não foi o Jonas Lima que pescou não, mas está gostoso hein…
JV – E toalha molhada no carro dele pode?
JS – Você viu né Jaime, ele é igual o Bahia, no carro dos outros pode tudo, mas no deles não pode nem um grão de areia. Mas tá bom, se ele deixar a gente jantar de graça hoje tá valendo… pelo menos a cerveja tá gelada né…
JV – Eu janto aqui de graça direto…
JS – Bom saber, vou aparecer mais vezes (risos).
JV – Quais suas principais referências?
JS – O Carlos Bahia foi o cara que me encaminhou no longboard, principalmente no cenário competitivo. Outro cara que me ajudou muito na questão de estilo, apropriado para surfar de longboard, foi o Fuad Mansur. Ele pegava muito no meu pé, ou melhor, nos meus braços (risos)… quer dizer, eu sempre tive problema em controlar a posição dos meus braços. Isso foi fundamental para polir meu estilo.
JV – É o tal minimalismo que o Joel Tudor prega, ou como o Fuad mesmo diz, a lei do menor esforço. Quanto melhor o controle corporal, menos interferência na hidrodinâmica…
JS – Exatamente, no longboard o menos é mais. Fazer o difícil parecer fácil. Eu sei que era um defeito meu… pô, é difícil admitir, mas não adianta negar, as pessoas estão vendo né. Precisei ter humildade para corrigir esse problema, mas estou feliz com o resultado. É como ele fala, não basta estar no bico, a transição é fundamental, a forma como você foi, o que você fez lá e como você voltou.
JV – E nesse contexto, como você vê o ataque à onda utilizado dentro da linha do surf clássico? Porque o atual campeão mundial, o Kai Sallas, é um mestre em aliar isso. E o Taylor Jensen também… aliás, me arrisco dizer que o Taylor está na sua melhor fase técnica, reescrevendo o “surf clássico moderno” e deve ganhar pelo menos mais um título mundial… se não for já neste ano.
JS – Entra nisso também, a forma como você faz, porque não é sobre força, mas se você estiver surfando na inércia, com fluidez na linha alta, quando aparecer a oportunidade não vai precisar de força, é só fazer o movimento corporal que a progressividade vai sair com plasticidade e harmonia. E o Kai e o Taylor fazem isso como poucos, ou seja, estão preparados para qualquer tipo de jogo, qualquer mar e qualquer situação. Sem a linha alta o longboard perde o que ele tem de melhor.
JV – Você vem trabalhando com algum técnico?
JS – Meu técnico é o Jejé mesmo (risos), mesmo porque eu é que acabo fazendo o papel de coach com alguns atletas.
JV – Eu percebo que você acaba adotando alguns atletas e acho isso bem legal da sua parte, como o que você fez com a Luana Soares, além de estar sempre divulgando aquela molecada do nordeste nas suas redes sociais.
JS – Na verdade, eu só procuro ajudar, mostrando a direção certa, quais eventos são importantes. É aquela história de devolver para o surf um pouco do que eu recebi. Não que eu seja um coach fixo deles, mas procuro contribuir.
JV – Fala um pouco da Luana.
JS – Ela talvez tenha sido a atleta que eu mais troquei informação. Ela é jovem, mas com talento extraordinário. Conheci ela por acaso, ela veio para ficar, fez o caminho até o circuito mundial, mas não só isso, ela fez surfando bem.
JV – Eu acho ela foda, porque tem aquilo que a gente estava falando, a linha alta bem temperada com a progressividade.
JS – Ela é uma referência, mas não é só ela. Jaime, se você for no Nordeste você encontra várias como ela, mas é claro que isso que você falou é um diferencial. Porque ela é de Ubatuba né, que dá todo tipo de onda. Isso oferece uma versatilidade muito grande para ela.
JV – Principalmente quando a cobra fuma, ela sabe aliar fluidez e pressão na medida certa, segurança sem perder a leveza do surf clássico. E também acho que dá pra melhorar um pouquinho nos braços dela, mas ela ainda é muito nova.
JS – Ela é um diamante, a técnica dela é diferenciada. Tem muita medalhona que não tem o que ela tem. Fico feliz que ela já seja uma realidade, provou isso se classificando para o mundial, estando entre as três melhores da América do Sul.
JV – O legal é que é o estereótipo da surfista brasileira, e não estou falando esteticamente. O surf dela tem esses elementos de ser completo, mas o principal é que ela tem identidade própria, assim como o Augusto Olinto e a Atalanta Batista, que não parecem ser muito influenciados pela cultura logger, que vem de fora… tanto na forma de surfar como no comportamento, vestuário… Eu vejo autenticidade neles.
JS – Ela é uma fiel representante do surf brasileiro. E ela vive a verdade dela, o mundo dela.
JV – Em off a gente estava falando da Chloé, que ao contrário da Lua teve excelentes oportunidades. Foi apresentada ao maravilhoso mundo do surf muito nova, pelo pai que é um surfista das antigas. E cara… impressionante como ela aproveitou bem. Eu não consigo enxergar outra surfista a nível mundial tão completa, com todos elementos o mais encaixado possível, controle, fluidez, leveza, plasticidade, borda. Tem umas gringas que surfam bem, mas uma peca pelo controle dos braços, outra pela insegurança no footwork… Como você vê a Chloé?
JS – Ela já merecia o título mundial faz tempo. Ela vai voltar mais forte. Tem muitos títulos de peso, dois ou três vice-campeonatos mundiais, campeã do Duct Tape. Ela nasceu na progressividade também, mas até por ser mulher consegue entender melhor a suavidade do longboard, então essa união ajudou bastante ela a enfrentar a diversidade de ondas que as competições impõem. E aprendeu a surfar onda perfeita da forma certa.
JV – Vamos falar um pouco sobre prancha. O que você está usando?
JS – Tenho usado mais a The One. Essa prancha veio para revolucionar. Foi desenhada há uns cinco anos pelo Lufi para eu poder ir para o Mexi Log Fest. Ficou tão boa que eu pedi até para aumentar o tamanho dela. É a minha arma secreta… que não é mais secreta, graças ao sucesso dela (risos)… E já tem muita gente se rendendo a ela, não só no Brasil, mas em outras partes do mundo. Ela é versátil, agrega tudo isso que a gente estava falando, uma típica prancha clássica, mas se você apertar a rabeta, ela vai te atender com progressividade também. Como você sabe, o Lufi vem da escola progressiva, mas soube entender bem essa transição para linha horizontal, então mesmo nos seus modelos mais clássicos ele vai deixar abertura para o uso da progressividade. Ele nunca vai abrir mão disso.
JV – Pois é, eu cheguei a competir com o Lufi no auge do surf progressivo, mas eu nunca o vi abrir mão da leveza do surf clássico, mesmo naquele período. E hoje, fazendo o caminho inverso, não me surpreendo com isso que você falou. Tenho a impressão que essa prancha tem a alma dele.
JS – Essa prancha caiu como uma luva para o surfista brasileiro, mesmo porque o Lufi conhece muito bem o contexto daqui. Ele trabalhou com Picuruta, Paulo Kid, Bagé, Mulinha, Bahia… Ele tem muita importância no desenvolvimento do longboard competitivo aqui no Brasil. A semente foi plantada lá atrás e hoje eu e o Diguinho temos o privilégio de seguir esse trabalho. Particularmente para mim é uma conquista, porque como você sabe é um cara que viajou o mundo fazendo pranchas para alguns dos melhores longboarders do planeta. No cenário do longboard isso não é muito comum.
JV – Falamos pra caramba… tá bom ou quer falar mais alguma coisa?
JS – E aí Jonas, acabou a cerveja? Vai querer sobremesa também Jaime? (risos)
Agradecimento: Brisas Bar, Itanhaém-SP
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