Após 15 dias ao lado da equipe brasileira de ondas gigantes em Nazaré, nossa correspondente narra a preparação para o primeiro grande swell da temporada
Por Amanda Ribas
Ainda estava escuro quando ouvimos os primeiros estrondos. Na beira da praia dava para escutar as ondas gigantes quebrando. Eram elas, tão temidas e ao mesmo tempo tão esperadas. No ar, dava para sentir uma mistura de sentimentos: adrenalina, ansiedade, vontade, coragem, pressão, medo? Mas mais do que tudo isso dava para sentir duas coisas: foco na missão de pegar as maiores ondas possíveis e felicidade, mais do que olhares apreensivos, eu via sorrisos estampados no rosto desses gigantes que enfrentam montanhas de água salgada. “A expectativa é pegar uma bomba, a gente tá aqui pra isso. Pegar as maiores ondas do mundo e se divertir”, comenta Kalani Lattanzi, waterman que surfa Nazaré de peito, softboard, bodyboard, tow-in e o que mais aparecer! Porque é isso que os move. Eles são caçadores de ondas gigantes e esperam o ano todo por esse momento.
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O que para muitos é assustador para eles é o sonho. Todos os dias de treino, todos os sufocos, são para esse dia épico. Quando milhares de pessoas vão até essa vilazinha que há tempo atrás era movimentada apenas no verão, para ver as maiores ondas do mundo. É realmente um espetáculo como poucos. A onda quebrando sozinha já é surreal, mas quando você chega no caminho para o farol e vê que tem um surfista dropando aquela avalanche de água salgada dá pra ter uma dimensão do tamanho da onda e da coragem deles!
Foram quase 15 dias acompanhando a rotina dos surfistas brasileiros em Nazaré, e para mim o que fica de mais marcante é o quão apaixonados eles são por essa onda e por esse lugar. Deve ser porque Nazaré tem um quê de surreal mesmo. Como pode uma vilazinha de casas brancas com senhorinhas portuguesas andando pra lá e pra cá receber as maiores ondas do mundo?
Para Michelle Des Bouillons, big surfer e apaixonada pela cidade, Nazaré é um combinação de sentimentos contraditórios, e isso a faz ser tão especial. “Sinto uma tensão o tempo inteiro aqui, acho que por causa da energia que vem do mar e da adrenalina que ela causa, mas ao mesmo tempo me sinto muito acolhida, os locais nos recebem muito bem, nos deixam confortáveis pra encarar o desafio de surfar essas ondas. Fico aqui 3 meses e não quero ir embora”, diz a surfista que tem sido destaque pela coragem em entrar em mares pesados.
Caio Vaz, bicampeão mundial de SUP, descreveu Nazaré como um pico místico: “toda história da formação da onda, do canhão e os símbolos daqui são muito fortes como o farol, os pescadores e a estátua do veado que aumentam o misticismo do lugar”.
Muito mais do que um pico de surf, é um lugar único, onde a natureza e o homem se desafiam o tempo todo em um cenário de tirar o fôlego. E falando em tirar o fôlego, todo dia de ondas gigantes exige preparo, concentração e organização para garantir a segurança dos atletas.
Para Pedro Scooby, que passou um dos maiores perrengues dessa temporada, sufocos fazem parte do surf em Nazaré. “É a onda mais perigosa do mundo. Não tem como passar ileso quando você leva essas bombas de 20 metros na cabeça, sorte que a gente tem uma equipe muito preparada. Mas a sensação é de ter nascido de novo”, conta o surfista que passou por um acidente e quase morreu ali mesmo, mas apenas uma semana depois já estava na água para pegar o primeiro swell perfeito da temporada.
São muitos dias memoráveis na história do surf em Nazaré, e a temporada atual já colocou um nesse rol. Foi na quarta-feira, 20 de novembro de 2019, quando um swell épico chegou com tudo, em um dia de sol e vento terral, formando a combinação perfeita que todos esperavam.
Para Carlos Burle, pioneiro brasileiro, campeão mundial e ícone do surf em condições extremas redor do globo, essa foi uma das ondulações mais perfeitas que ele já viu por lá. Tanto que quando percebeu que a previsão estava se confirmando voou um dia antes para Portugal para se juntar ao time de brasileiros e não perder esse dia histórico. É que Nazaré, além de mística, também é misteriosa e brinca com as previsões, que mudam do dia para a noite. Como bem disse Maya Gabeira, recordista mundial de ondas grandes e especialista nessa onda: “Nazaré é uma surpresa. Só acordando e vendo pra ter certeza. Tudo muda muito rápido e quando a gente viu que estava como previsto deu um alívio , nem acreditamos que a máquina tava ligada!”
Foi um show de surf, com cenas inacreditáveis e a presença em peso do público, que aplaudia e vibrava a cada onda e a cada resgate. Para Everaldo Pato, “Nazaré é o Coliseu moderno”. E a comparação faz jus ao que presenciamos por lá. Surfistas e pilotos se transformam ora em gladiadores entrando em uma arena para enfrentar a fera, ora em bailarinos que dançam em perfeita sintonia com essas ondas de tamanho imensurável.
Ian Cosenza, surfista e piloto de jetski, protagonizou um dos momentos mais marcantes do dia, o resgate de seu parceiro Lucas Chumbo. “Esse resgate foi uma combinação de sorte, falta de juízo e perícia. Lembro do Lucas falando pra desistir porque não ia conseguir subir no sled e eu falei segura que dá sim! Acelerei a máquina ao máximo e conseguimos fugir no limite”. Foi um momento tenso e perigoso, mas que comprova a experiência em tomar decisões rápidas em momentos críticos e todo o trabalho em equipe por trás do surf de tow- in.
Ninguém vai esquecer o dia em que esses heróis domaram feras do tamanho de prédios, e anjos resgataram amigos em meio a avalanches de espuma.
Mas como disse Alemão de Maresias, big rider e um dos pilotos de jet mais experientes: “é só o começo! Tem muito show pela frente!”
E é isso mesmo, a temporada de ondas gigantes está apenas começando e vai até março de 2020. Fique de olho e não perca as ondas do time brazuca que está representando por lá!
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