Passei doze dias de “Pura Vida” em Pavones. Como já contei na coluna anterior (Felicidade Alheia), fui muito bem recepcionado lá pelo lendário brasileiro residente no pico, Antônio Mendes Brito. O que eu não mencionei, e agora me toquei que vale um texto para tratar somente disso, foram as conversas inspiradoras que tivemos.
Texto e fotos Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE
Nossos bate papos, tão longos e prazerosos quanto as ondas do pico, invariavelmente me conduziam a uma viagem no tempo e espaço, com Brito revelando uma incrível jornada da perspectiva de quem não só testemunhou, mas tomou parte também, de alguns dos momentos seminais do surfe brazuca.
Conectar o passado com o presente permite um entendimento do caminho percorrido que nos ensina muitas lições. Brito certamente aprendeu bastante em seus 67 anos muito bem vividos e dedicados em grande parte ao surfe (a música é sua outra grande paixão). Foram muitos os sonhos realizados e Brito tem uma vontade grande de passar exatamente essa mensagem, de que “quem acredita e corre atrás chega lá”, para a molecada que ele muitas vezes vê desmotivada por aí.
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Brito certamente chegou onde queria. Assim mesmo continua constantemente perseguindo novos objetivos. Acabou de comprar uma prancha de foil e uma asa, para dar início ao aprendizado de uma nova atividade no seu lugar favorito, o mar. Não duvido nada que na próxima vez que eu o encontrar ele já vai estar dominando essa arte, impulsionado pelo vento e ondulações oceânicas.
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Faz um bom tempo que venho trocando ideias com o Brito sobre a possiblidade de colaborar na elaboração de um livro no qual ele narre sua fascinante trajetória. O objetivo seria justamente passar seus aprendizados adiante para as novas gerações.
Foi nesses dias juntos em Pavones, prosando sobre o eventual conteúdo, que Brito rememorou alguns dos episódios mais marcantes da sua vida de surfista. Desde quando, ainda moleque, em 1968, ao lado do amigo Thyola, fabricou na garagem de casa uma prancha do zero, movido pela combinação mágica de curiosidade e vontade.
Ninguém ensinou Brito a shapear, ele simplesmente deu formato ao seu primeiro bloco de poliuretano a partir de suposições. Que acabaram funcionando surpreendentemente bem.
Como aliás ele detalhou em texto de autoria própria publicado aqui mesmo, na Hardcore, em 1996.
Intitulada “Voltando à ativa com shapes de balsa”, a matéria explica o início de mais uma aventura, a da fabricação de pranchas a partir de madeira de balsa. Para que o leitor entenda como tudo começou, Brito volta no surgimento das pioneiras pranchas Moby, que iriam lhe proporcionar dinheiro suficiente para sua primeira viagem internacional, ao Peru, em 1972.
Por se tratar de uma coluna apenas, e não do livro que espero consigamos tornar realidade proximamente, não vou poder me alongar demais aqui, reproduzindo tudo que conversamos. Mas vale destacar que essa rota que estou percorrendo pela segunda vez, ligando a Califórnia ao Brasil, Brito cumpriu nos idos de 1974. Por terra também, mas de ônibus e carona e no sentido inverso, com a prancha debaixo do braço. Treze anos antes de eu subir na minha moto em 1987 e botar pra baixo no mapa, ele já tinha botado pra cima.
Estamos falando de quase meio século atrás, quando Pavones ainda nem havia sido descoberta. E por muito pouco não foi Brito o autor da façanha, já que ele chegou na Costa Rica naquele ano exatamente com isso em mente, encontrar uma nova Chicama. Só que ele desejava que fosse num lugar de água quente com coqueiros na praia.
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Como o acesso a Pavones ainda era feito apenas por mar, através de uma balsa semanal saindo de Golfito, Brito não conseguiu chegar ao pico em suas explorações por terra. O surfista americano tornado traficante internacional Dan Fowley, seguindo a dica de um amigo, avistaria a onda, a bordo de um avião fretado especialmente para essa missão, dois anos depois.
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Não ter descoberto Pavones não impediu Brito de ser um dos surfistas que mais aproveitou essa onda espetacular. E muitas outras ao redor do planeta. Algumas que nunca ninguém nem ouviu falar, perdidas em ilhas que ele costuma visitar sem mínimo alarde. Sagaz como poucos, Brito nunca se deixou seduzir pela busca de fama, poder ou acumulação material. Ser dono de seu próprio tempo foi a riqueza que Brito sempre almejou. E conquistou.
Ao me despedir no dia em que parti de Pavones, mais uma vez deixamos apalavrado que assim que for possível iremos começar o trabalho no seu livro. Fui embora já pensando em voltar para, entre uma sessão de surfe e outra, de gravador ligado, retomar meu aprendizado com o Mestre Brito.
Acompanhe a rota pelo @panamericansoul2022.
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