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Pan-American Soul 2022: Reencontro no Tsunami

Desde minha entrada em território mexicano, há mais de 40 dias, tenho sido muito bem recebido em todos os lugares pelos quais passei. Houve apenas uma exceção, que gerou um conflito lamentável, mas que vou deixar para contar mais a frente. Não representa o que estamos experimentando, eu e meu filho Keone, que está participando desse trecho da viagem desde Mazatlan. Quero ressaltar aqui o lado positivo e, em especial, uma surpresa que a estrada me ofereceu 35 anos depois. Já fazia parte do meu plano rever pessoas que conheci em 1987/88, durante minha primeira passagem por esse mesmo roteiro, mas por essa feliz ocorrência eu realmente não esperava.

 

texto e fotos por Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE 

A passagem com Adrian – sim, além de tudo que vou contar aqui, ele é também meu xará – é das melhores que vivi na viagem até agora, por mais de um motivo. A história começou quando ele me enviou uma mensagem no Instagram, pelo privado, passando o número de seu celular e dizendo que há muitos anos sabia de um brasileiro viajando a América Latina de moto e surfando. Disse também que tinha amigos em Floripa e eu respondi que logo nos veríamos. Como sai de Rio Nexpa antes do planejado (como conto na coluna anterior), liguei do caminho, já quase chegando em Zihuatanejo, onde pretendíamos passar a próxima noite.

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Ele me atendeu de uma lancha posicionada no canal de Las Gatas, o pico cinco estrelas da cidade, onde estava rolando uma das melhores sessões do ano. Disse para irmos para a Casa Yoya Surf House que ele chegaria dentro de pouco tempo. Nos encontramos na frente do restaurante Banana’s, do seu irmão, atrás do qual ficam os três confortáveis quartos que Adrian aluga. Muito simpático, ele nos fez um preço camarada e decidimos ficar por ali mesmo. E foi no amplo terraço em frente aos quartos, que ele me surpreendeu ao relembrar como havia me conhecido em 1987, durante minha passagem de moto por Zihuatanejo, quando ele era apenas um moleque de 13/14 anos.

Eu não lembro do encontro especificamente, mas naquela época eu viajava apenas com um mapa, sem os recursos online de orientação de hoje e muitas vezes era obrigado a parar na beira da estrada e checar com alguém se estava no rumo certo. Particularmente eu gostava de trocar ideia com a molecada com a qual ia cruzando, que sempre rodeava a moto com muita curiosidade e um monte de perguntas. Com uma riqueza de detalhes impressionante, de quem realmente ficou marcado pelo momento, Adrian descreveu como foi sua visão daquele motociclista vestido como um astronauta e carregando uma prancha de surfe na garupa que parou para pedir uma informação. Ele estava com um grupo de amigos num campinho de futebol/praça, ao lado da Rodovia Panamericana, quando me aproximei, diminuí a velocidade e parei indagando qual era o caminho para Puerto Escondido.

Adrian estava começando a surfar quando o encontro ocorreu e algum tempo depois veria minha foto nas páginas de uma revista Surfer trazida por um surfista gringo frequentador de Zihuatanejo. O que ele não imaginava, e muito menos eu, é que três décadas passadas, um dia nos reencontraríamos para ir surfar juntos. O que aconteceu no dia seguinte.

O melhor momento do swell havia sido no dia anterior, mas havíamos chegado muito tarde para surfar Las Gatas, um pico de acesso um tanto complicado. Tem que ir de barco ou estacionar o carro a mais ou menos um quilômetro de distância e pegar uma trilha pelas pedras. Checamos Las Gatas do alto do morro, mas, apesar da ondulação ter baixado, o mesmo não havia ocorrido com o crowd. Talvez pelo contrário, com todo mundo escutando como havia estado bom, o line up se via lotado.

São muitos os picos pouco conhecidos nas redondezas de Zihuatanejo

Seguimos para a vizinha Ixtapa, onde pegamos boas direitas ao lado de um molhe de pedras que protege a entrada de barcos na marina local. Adrian garantiu que na época certa do ano, com o fundo de areia arrumado, era igual a Backdoor. O potencial era notável, ficou aquela vontade de voltar um dia para conferir.

Nessa tarde, enquanto estávamos na água, ou talvez no carro voltando pra Zihua, já na estrada, um terremoto 7.7 sacudiu a região. Não sentimos nada, mas Adrian começou a receber relatos de amigos por celular, um deles sobre como o mar estava recuando. Saímos do lugar onde havíamos parado para almoçar direto para a praia ali perto, querendo testemunhar o fenômeno. Não pudemos notar muita diferença, ainda que num determinado momento tenha nos parecido que uma série de ondas no interior da baía normalmente calma era resultado de um mini tsunami.

De olho nas ondas previstas para entrar em Puerto Escondido em um par de dias, decidimos que iríamos seguir viagem no dia seguinte. Mas antes queríamos ter o gostinho de surfar as esquerdas de Las Gatas. Adrian tinha um treino de basquete da filha para prestigiar e não poderia nos acompanhar. Fomos sozinhos já um pouco perto demais do final de tarde. Depois da caminhada pelas pedras, remamos em direção à outra ponta da praia, onde a curva da costeira repleta de coqueiros delineia o trajeto da onda sobre um fundo raso de pedras.

O pico era muito bonito e, em razão do horário, não estava mais tão cheio. Notamos na nossa chegada que muita gente saía do mar para ter tempo suficiente de percorrer a trilha ainda no claro. Coisa que não iríamos poder fazer. Keone logo pegou uma boa, da série, que sobrou passando mais aberta de onde 4 ou 5 locais estavam sentados aguardando. Eu me posicionei mais abaixo e também consegui pegar uma sem ter que esperar muito. Mas o mais legal foi que tive o incentivo de um dos locais, que gritou me ajudando no posicionamento.

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Quando voltei ao outside, passamos a bater papo, com o local querendo saber de onde éramos e descrevendo os tubos que haviam quebrado naquele mesmo lugar na tarde passada. Sua atitude foi de plena gentileza com aqueles dois forasteiros que ele nunca havia visto antes. A cada série nos orientava onde a onda iria quebrar e o momento de remar forte. Claro que nas ondas que ele escolhia para ir, eu nem fazia moção de tentar. Eram dele e pronto. Numa delas ele foi embora, sem que nem pudéssemos nos despedir ou pegar seu nome.

Voltamos remando no escuro, fazendo o trajeto ao longo das pedras pelo mar. Ao chegar na van e checar o celular vimos a mensagem enviada por Adrian, um aviso do governo para que ninguém fosse ao mar naquela tarde devido ao perigo de um tsunami. Logo ligamos para Adrian avisando que estava tudo bem com a gente, e marcando o jantar de despedida. Durante o tempo que passamos com Adrian, ele nos levou para conhecer o charmoso centro da cidade, onde mora desde a infância, e foi nos apresentando a cada um de seus amigos, sempre contando como havia me conhecido 35 anos atrás. Nessa noite, antes de sairmos para jantar, Adrian deu mais uma demonstração de sua imensa hospitalidade nos presenteando, a mim e meu filho. Eu ganhei um handplane para surfe de peito, feita por ele. Keone levou um shape de skate feito em madeira de cedro muito bonito.

Na manhã seguinte nos despedimos, já planejando um novo reencontro, que não demorasse tanto para acontecer. Pouco depois de deixar Zihuatanejo, na estrada, recebi de Adrian uma mensagem com a foto de uma onda espetacular e o convite: “Regresa y vamos por aqui. Top secret, pls.” Quase dei meia volta.

** Sobre os próximos dias em Puerto Escondido: sei o que aponta a previsão do Surfline – na próxima terça-feira (4/10) vai chegar a 15 pés. E a semana inteira vai bombar acima de 8. O problema tem sido que o as condições do fundo e as tormentas que têm acompanhado os swells nas últimas semanas, segundo os locais, têm deixado o mar complicado. Sempre saem bons tubos, mas a grande maioria das ondas fecham. Ainda que isso já seja uma característica de Puerto Escondido. Torcer para um dia mágico.

Acompanhe a rota pelo @panamericansoul2022.

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** Nesta seção, o Editor Especial da HARDCORE, Adrian Kojin, traz com exclusividade os diários da sua road trip “Pan-American Soul 2022”, da Califórnia até o Brasil. 

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