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Pan-American Soul 2022: Família Miramar

Quando estamos longe de casa é que damos o verdadeiro valor à família. Fica aquela saudade da sensação de acolhimento que te deixa completamente à vontade, que faz com que você sinta o quanto é bom estar rodeado por pessoas que querem o seu bem de verdade. Por isso, foi tão boa minha passagem pelo Miramar Surf Camp, em Puerto Sandino, na Nicarágua. Caio de Medeiros, um dos proprietários, fez o convite inicial, quando eu ainda me encontrava na Califórnia.

 

Texto e fotos históricas da Nicarágua de Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE
Foto de abre: Rafa, um dos três sócios brasileiros do Miramar Surf Camp, na sala de casa, em Puerto Sandino.
Todas fotos de ação de @danielavilac 


Ele escreveu em sua mensagem que as portas do surf camp estavam abertas para mim e que seria “irado poder ouvir as histórias deste descobrimento”, referindo-se à possibilidade de eu ter sido o primeiro a surfar a onda de Puerto Sandino, em 1988. Passados dois meses, quando estava deixando El Salvador, escrevi perguntando se o convite ainda estava de pé. Foi a coisa mais acertada que fiz.

 

A onda de Miramar, bem em frente ao surf camp, talvez seja a mais constante das várias opções.


Fui recebido com se já fosse de casa. Logo conheci os outros dois sócios brasileiros, os capixabas, Rafael Sterza, o Rafa, e Leandro Vargas, o Leleu, só sorrisos e boas vindas. Fiquei sabendo que o surf camp estava quase vazio, mas iria lotar nos próximos dias, com a chegada de um grupo de 15 pessoas, entre alunas, maridos/namorados e professores da Gaia Surfe Feminino, Escola de Surfe Para Mulheres, baseada na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Também estavam previstos uma turma de 6 canadenses, mais dois brasileiros, um alemão e um inglês.

 

Perfeição também no beach break de Salinas, ali do lado.

 

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Não poderia dizer se é sempre assim, mas ao menos durante minha estadia a convivência entre pessoas de origem tão diferente se deu em plena harmonia. Não foi uma reunião tensa, como a daquelas famílias que discutem por qualquer coisa, mas sim na linha das que dão risada o tempo todo. Especialmente curti a experiência de dividir o line up de Puerto Sandino com a mulherada da Gaia, surfistas tão dedicadas, evoluindo a cada onda, espalhando uma tremenda vibração positiva.

 

 

Bacana demais ver o incentivo mútuo, com todas vibrando muito quando uma delas completava uma onda até lá embaixo, promovendo uma gritaria geral em aprovação. Focadas, esforçadas, seguindo atentamente as orientações dos professores, elas só voltavam ao barco do surf camp quando se sentiam exaustas. E na navegação de volta iam comentando felizes da vida os melhores momentos, assim como os sustos, caldos, contusões. E já planejando a próxima sessão.


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De noite ainda rolava uma análise da performance delas, com revisão via vídeo do que havia acontecido na água. E foi para participar dessa atividade, dando uma palavra a elas sobre meu trabalho como jornalista de surfe, que recebi o convite de Luiz “Guga” Oliveira, um dos sócios/professor da Gaia. Acabou que resolvemos deixar para a noite seguinte, incorporando os outros hóspedes ao evento. Eu havia localizado no meu computador as imagens escaneadas dos slides com os quais registrei minha primeira passagem por Puerto Sandino, 35 anos antes, e pensamos que seria interessante para todos escutar a história.

O relato detalhado está no meu livro Alma Panamericana, e foi publicado também algumas vezes em matérias para revistas de surfe gringas e brasileiras. Inclusive, em 2005, regressei a Puerto Sandino na companhia dos surfistas profissionais Edgar Bischoff, Daison Pereira e Thiago Bianchini, para gravar um programa sobre o tema para a ESPN Brasil. Foi um momento mágico, que me proporcionou muitas emoções. Parecidas com o que eu estava sentindo agora junto à galera do Miramar Surf Camp.

 

Em 1988 a Nicarágua ainda se encontrava em plena guerra civil, com o regime marxista do governo Sandinista sob o constante ataque dos “Contras”, uma coalizão de grupos rebeldes de ultra direita. Contando com o suporte do governo dos Estados Unidos, que fornecia armas, suprimentos e dinheiro, os Contras operavam seus ataques terroristas a partir de bases nos países vizinhos, Honduras, ao norte, e Costa Rica, ao sul. Foi nesse cenário de intenso conflito que cheguei a Puerto Sandino em janeiro de 1988 e avistei do alto de uma colina ondas perfeitas quebrando vazias.


O pico ficava no estuário de um rio caudaloso, que desembocava no mar bem ao lado de uma usina elétrica com duas enormes chaminés expelindo o resíduo do óleo queimado. Naquela direção a vista não era muito atraente, ainda mais com a lancha do exército posicionada na boca do estuário com uma enorme metralhadora fixada no deck. Toda aquela área se tratava de zona de segurança nacional, protegida por uma base militar. Logicamente que o sargento na guarita negou energicamente meu pedido de ter acesso à praia. O que fez com que eu fosse dormir num centro comunitário chamado El Velero, a poucos quilômetros dali, plenamente frustrado.

 

 

De madrugada, com insônia por não conseguir tirar as ondas que testemunhara dos meus pensamentos, decidi que iria surfar sem autorização mesmo. Cedinho montei na moto, com minha prancha acomodada no rack, e dirigi de volta a Puerto Sandino. Desci por uma trilha de gado até a beira do rio, escondi a moto atrás de uns arbustos e pulei na água. Remei vigorosamente até a outra margem, sai correndo o mais veloz que conseguia pela faixa de areia que me separava do mar e me atirei nesse para mais uma longa remada até o outside.

A recompensa veio na forma de direitas solitárias e perfeitas, quebrando com constância para meu total deleite. Surfei por pouco mais de uma hora, na adrenalina de que a qualquer momento houvesse alguma movimentação dos militares no sentido de capturar aquele maluco deslizando sobre as ondas proibidas. Nunca fiquei sabendo se fui avistado e ignorado, ou se simplesmente passei desapercebido. Quando julguei que já estava abusando da sorte, peguei uma última onda até a areia e refiz o trajeto da vinda na mesma velocidade acelerada. De novo montado na moto, desapareci dali por uma estradinha de terra.

Foi realmente especial dividir essa história e as imagens correspondentes com a Família Miramar, que vibrou junto a cada slide projetado no telão armado na área do restaurante do surf camp. Em 1988 eu nunca poderia imaginar que o pico que surfei iria se tornar de renome mundial, atraindo surfistas de todo o planeta. Nem que as ondas quebrassem majoritariamente para a esquerda, já que surfei um dia em que as direitas predominavam, muito provavelmente resultado de uma potente, ainda que bem mais rara, ondulação de oeste que coincidiu com minha passagem por ali.

Nos dias seguintes foram muitas as sessões de surfe em “família”. Sempre com todo mundo voltando para o Miramar realizado. Teve também uma sessão de surfe no vulcão Cerro Negro, mas nessa acabaram indo só os canadenses, os dois brasileiros de São Paulo e o alemão. Experiência incrível, que merece uma coluna só para ela, a próxima. E que vai ficar também para ser bem contada no documentário que estou produzindo durante a viagem. Quem um dia tiver a chance, recomendo geral, não vai se esquecer nunca.


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Fica aqui meu agradecimento sincero pela maneira como fui recebido no Miramar Surf Camp. A operação é nota mil. A equipe de uma gentileza ímpar, da cozinha, passando pelas arrumadeiras, até os garotões que servem o restaurante, não esquecendo os pilotos das pangas, só escutei elogios de todos os hóspedes para eles. Dá orgulho ver brasileiros à frente de uma empreitada bacana como essa.

Pra finalizar, não posso deixar de elogiar o trabalho do Dani, nosso fotógrafo incansável. Do primeiro barco, às 5h30 da manhã, ao último na água, sem nunca perder as preciosas fotos de ninguém. Quem quiser conhecer mais o trabalho dele, e quem sabe comprar um quadro de fine art para a sala ou quarto de casa, é só buscar no @danielavilac.

Família Miramar, logo que puder voltarei!

Acompanhe a rota pelo @panamericansoul2022.

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** Nesta seção, o Editor Especial da HARDCORE, Adrian Kojin, traz com exclusividade os diários da sua road trip “Pan-American Soul 2022”, da Califórnia até o Brasil. 

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