“Não há como definir o que senti assistindo a meu irmão imbicar com minha prancha.”
Por Edinho Leite
Deixe-me explicar. Estávamos em 1972/73 ou 74 e, na minha inocência, aquela prancha, Longa Surfboards, era para o resto da vida.
No canto do rio de Juquehy (esquerda da praia) as ondas eram bem tubulares. Meu irmão dropou de peito, sem escalas, do lipe até a areia. Sim, era bem raso. A coitada, da prancha, e ele vararam juntos a base como um mergulhão em busca do almoço. Mesmo de longe, pude sentir a tragédia.
Ainda não havia o conceito de quiver. Era uma só e olhe lá. Só entenderia isso depois das matérias, nas revistas Surfer ou Surfing, compradas no aeroporto internacional de São Paulo, onde ia algumas vezes com meus pais. Ali estava Terry Fitzgerald, com seu novo conceito de arsenal de pranchas, no Havaí. Informação era escassa, assim como verba para obtê-la. Isso também implicava na impossibilidade de outra prancha encomendada até sei lá quando.
Minha monoquilha, pin, ainda não tinha cordinha. A prancha chegou até a beirinha. Tremendo, peguei e olhei aquela linha branca no fundo amarelo mostarda. Deu taquicardia. Estava trincada de uma borda à outra. Nunca havia visto ou ouvido falar de algo parecido. Pura ignorância. Entrei no mar e tentei, com uma raiva profunda, terminar o serviço, partir de vez. Mandava hang fives. As pranchas eram grandes e tinham design para isso. Não partiu.
Saindo, deitado na espuma, com uma leve esperança dela chegar ao fim da viagem, o bico virou na minha cara. Agora partiu. Desolado, fui fotografado, coisa rara para nós naquela época. Fiquei puto com meu irmão. Só hoje, depois de centenas de pranchas, sei que… Acontece.
O que não lembro é como surfei nos dias seguintes, antes de voltar a Santos. Só sei que o bloco EPS exposto, fraturado e separado, não me dava alternativa. A prancha tomou flechadas, machado e faca arremessados. Virou tiro ao alvo, num frenesi louco para ver se o mar subia. Que dor, mas foi uma experiência. Um maremoto de sentimentos.
Experiência. É disso que se trata a vida. O surf. Afinal, nada dura para sempre. Nem sua prancha predileta, nem sua ligação com ela. Menos ainda você ou seus sentimentos. Como as ondas.