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10 Perguntas para Jadson André

por Steven Allain

É fácil imaginar que ser surfista profissional é a coisa mais divertida do mundo. Ser pago para surfar e de quebra conhecer o planeta é, no fundo, o sonho de todo surfista, certo? Mais ou menos… Quando o ato de deslizar sobre as ondas vira seu ganha-pão, a relação com o surf muda. Vira trabalho. Nem os prós escapam de metas e pressão por resultados. Nesse cenário, onde a classificação significa renovação de patrocínio e a garantia de sustento da família, a diversão fica em último plano. Por isso vemos tantos surfistas profissionais sérios e até carrancudos na reta final do WT no Hawaii. Jadson André chegou ao Hawaii essa temporada nessa exata situação: precisava de resultados fortes para se garantir na elite. Mas Jadson sempre manteve o sorriso aberto. Seu bom humor e alto astral, talvez o traço mais marcante de sua personalidade, é o que faz dele uma unanimidade no Tour: todo mundo adora o Jadson. E foi com essa energia positiva que ele garantiu sua vaga na elite de 2017, aos 46 do 2º tempo, com semifinais em Haleiwa e Sunset. De quebra, pegou o melhor tubo registrado em Sunset – a provável Wave of The Winter desse ano – e ainda esteve na briga pela Tríplice Coroa Havaiana.

Numa conversa repleta de risadas, Jadson falou com a HARDCORE no Hawaii logo após garantir seu lugar no WT 2017.

Como foi garantir sua vaga em Sunset, no penúltimo evento do ano?

Cara, foi difícil, eu ficava pensando o tempo todo: “Estou fora do WT, eu já estou sem patrocínio principal, vou perder a minha maior fonte de renda, que são os eventos do WT”. E minha mente não parava, porque eu nunca tinha conseguido um resultado bom em Sunset, sabe? Ao mesmo tempo, eu nunca competi a Tríplice Coroa tão intensamente como eu competi dessa vez. Então cheguei em Sunset me sentindo bem e com a missão de conseguir a vaga.


Nunca competiu tão intensamente por quê?

Porque já eram os últimos eventos do ano. Nos outros anos, eu já estava quase garantido e não levava a Tríplice Coroa muito a sério, até os brasileiros chegarem aqui e ganharem a parada. Porque como eu falei, nos outros anos eu já chegava bem, tanto no WQS, como no WT. Então eu não levava o bagulho tão a sério, óbvio que eu queria passar, queria ganhar dinheiro, queria chegar à final, queria chegar junto, mas esse ano, realmente, o approach foi diferente.

Acha que situações de pressão fazem você surfar melhor?

Olha, para falar a verdade, eu sempre falo que quando eu não tenho pressão, surfo melhor. Mas esses dias, depois de muita gente me perguntar isso, eu parei para pensar e vi que todas as vezes que eu tive pressão, consegui surfar melhor, consegui resultados incríveis.

Então parece que quando a pressão aperta eu consigo me dar melhor, consigo fazer as coisas acontecerem. Eu juro que nunca quero estar sob pressão, eu nunca quero estar nesse perrengue, porque é ruim, mas, das vezes que precisei mostrar desempenho, ainda mais em lugares assim, com essas ondas, eu consegui me destacar.

No freesurf em Sunset, Jadson André pegou um tubo histórico e entrou para o Wave Of The Winter, da Surfline. Na etapa do QS no pico, repetiu a dose, teve excelente performance, alcancou as semis e se garantiu na elite em 2017. Foto: WSL

Você está sem patrocinador principal – como fica? Como paga as contas?

O Circuito Mundial, o WT, paga bem. Eu tenho o patrocínio da Red Nose e da Oakley, e o que eu ganho desses patrocinadores é para me bancar, é para eu pagar a minha passagem, é para eu pagar a minha hospedagem, pagar as minhas contas no Brasil. O dinheiro que sobra é o dinheiro da premiação. Por isso, se eu ficasse fora do WT, a chance de arrumar um patrocínio principal seria muito pequena e ainda corria o risco de eu perder os que tenho atualmente.

Sou um cara que cuido da minha família desde quando eu tinha 15 anos. Então era muita coisa envolvida e isso me deu muita força na hora, me deu muita vontade de querer fazer o negócio, entendeu? Imagina: fora do WT, sem patrocínio, sem grana para poder correr o circuito? Meu Deus, não quero nem pensar…


No vídeo acima, Jadson André na “Wave Of The Winter”, em Sunset, 2 de dezembro.

Você é visto como o cara divertido do Tour – todo mundo te adora. Acha que isso influencia também a maneira como os adversários te veem?

Primeiramente, eu fico feliz por saber que a galera gosta de mim. Realmente, esse é meu estilo de ser, desde que eu me entendo como pessoa, sempre fui assim. Eu sou uma pessoa verdadeira, eu sou uma pessoa que mostra seus sentimentos, que se tiver que falar alguma coisa, eu vou falar, tanto no lado profissional como no lado pessoal.

Enfim, os gringos realmente, de uns anos para cá, começaram a criar um carinho bem legal por mim, mas acho que isso não chega a entrar na mente dos adversários, não. Como posso dizer? Não acredito que eles me achem um adversário mais forte, muito menos mais fraco, pelo fato de eu ser uma pessoa mais tranquila. Ao contrário, me acho uma pessoa de boa até colocar a lycra. Depois que coloco a lycra, quero arrancar a cabeça dos meus adversários, porque ali é meu ganha pão, ali é de onde vem 100% da minha sobrevivência. Então acho que isso não influencia na hora que o bicho começa a pegar.

Se em Sunset Jadson botou para dentro, no Pipe Masters ele decolou sem o peso nos ombros de brigar por vaga na elite por meio do ranking do WT. Foto: WSL

Você está sempre feliz, curtindo o que faz. O quão importante é isso?

O que mais amo fazer na minha vida é surfar e competir. Sou uma pessoa super competitiva e quero ganhar, quero me dar bem nos eventos, quero conseguir alcançar todos os meus objetivos, quero continuar ajudando a minha família. Quando falo a minha família, refiro-me a meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã, meu sobrinho. Tenho uma namorada incrível já há três anos, mas não tenho uma família e filhos, entendeu? E nos momentos difíceis, se eu não estiver feliz, acho que não consigo segurar a pressão. Tenho 26 anos, não sou o cara mais novo do mundo, mas não sou velho e já estou há sete anos no circuito. Já aprendi muita coisa e se não conseguir manter a calma, a tranquilidade e não conseguir dividir as coisas, você será atropelado, não só na vida profissional, mas na vida pessoal também.

Esse ano foi bem difícil para mim, porque me machuquei logo na segunda etapa e treinei muito no começo do ano, eu me preparei muito psicologicamente para querer chegar nos Top 10, esse era o meu maior objetivo esse ano. Então sabia que teria um ano difícil e já me preparei psicologicamente para essa quebraceira de pau que seria no fim do ano. Eu não sabia que seria tão difícil como foi, mas estava preparado para isso. Se tivesse me desesperado, estressado, perdido o foco e deixasse de ficar feliz, como sou, acho que não teria conseguido fazer esse final de ano que, para mim, foi a maior vitória da minha vida.

Ter chegado aqui no Hawaii e ter conseguido fazer duas semifinais e ter me garantido em mais um ano na elite foi uma das minhas maiores conquistas. Uma coisa que quero deixar bem claro aqui é que não faço tudo por dinheiro, mas um atleta que vive na elite, que corre o Circuito Mundial, ainda mais eu que corro o WQS e o WCT, não tendo patrocinador principal, pesa muito mesmo a questão financeira. É por isso que eu falo: a minha maior fonte de renda são os eventos e, outra coisa, eu tenho o sonho de vencer o Pipe Masters.

Você chegou no Tour antes da Brazilian Storm – mas não pode ser considerado um veterano. Onde você se vê nessa geração? Qual é o seu papel?

Uma coisa a gente não tem dúvida: o Adriano é, como muita gente fala, o Capitão Nascimento da parada. O Adriano é um cara mais fechado, está sempre muito focado nas coisas dele e isso talvez possa ser o meu ponto fraco.

Foto: Henrique Pinguim

É que eu realmente me preocupo com as outras pessoas do circuito, principalmente com os brasileiros. Sempre procuro dar conselhos, sempre procuro chegar nas pessoas. O ano inteiro eu chegava no Alex Ribeiro e falava: “e aí, moleque, qual vai ser? Vamo pra cima!”. Porque o via meio acanhado, sem aquele sangue nos olhos e o cara estava disputando comigo.

Mas realmente não me incomodo nem um pouco de chegar e tentar dar um toque, tentar animar o cara. Então me vejo assim, essa é a minha diferença, não estou me comparando com o Adriano, pelo amor de Deus, não tem nem o que comparar, o cara é campeão do mundo e está no circuito há mais de dez anos, então ele realmente é o cara. Mas nessa função de líder, eu acho que tenho um peso um pouco maior do que o Adriano, pelo fato de eu me preocupar muito com os outros atletas, entendeu?

Quem são seus maiores parceiros de Tour?

Sou amigo de todo mundo no WT, todos mesmo. Não tem um que eu não tenha uma relação muito boa. Com todos, absolutamente todos, a minha relação é incrível. Tenho mais afinidade com os brasileiros. Se tiver que ficar num quarto com qualquer pessoa, não me incomodo nem um pouco. Sou muito amigo do Mick, do Josh Kerr, do Joel Parkinson. Dos brasileiros, então, nem se fala.

Tenho um carinho diferenciado pelo Ítalo, né? Porque eu o vi crescer, vi o moleque chegando junto e um fato interessante é que, no ano passado, o C.J. Hobgood chegou para mim e falou: “caramba, hein, o Ítalo? Eu lembro de você em 2010 mostrando os vídeos dele pra galera e a galera tipo ‘ah, legal’, mas você falava que o cara ia chegar”. Se for para falar de alguém que eu tenha um carinho especial é o Ítalo, mas sou irmão do Adriano, do Gabriel, do Filipe, do Miguel.

E quem são suas pedras no sapato?

Duas pessoas que eu acho que nenhum atleta do circuito quer competir contra são o Mick Fanning e o Adriano. Esses dois caras são muito casca-grossa. São os dois atletas mais difíceis de vencer no circuito. Eles são muito constantes, são muito inteligentes, é difícil eles errarem. Eu acho que só ganhei do Mick uma vez na minha vida. Quando eu corro contra o Adriano a gente sempre quebra o pau, é bateria somando 18 contra 19, ou bateria que um ganha somando oito e o outro somando seis. Mas a gente está sempre se pegando no circuito.

Quem mais te impressionou em 2016?

Não sei dizer. Sempre achei o Matt Wilkinson um surfista extraordinário. O backside do maluquinho é fenomenal. Então ele ter vencido Gold Coast e Bells, para mim, não foi nenhuma surpresa, porque ele tem um surf de chegar lá e fazer o que fez. O John John ter sido campeão do mundo não foi nenhuma surpresa, porque a gente sabia que mais cedo ou mais tarde o moleque ia conseguir. Então, não teve uma pessoa que eu falei: “nossa, que bizarro!”. O Sebastian Zietz, esse moleque tem surf para ser campeão do mundo. Então ele ter vencido Margaret River também não foi uma grande surpresa. Foi surpresa porque ele é um cara super irregular, mas lá ele conseguiu quebrar. Se tivesse que apostar em alguém, eu diria o “Sebasito”.

[Nota do Editor: Não tinha como limitar essa entrevista com o top Jadson André em 10 perguntas, que é ótimo de papo e tem muito a acrescentar ao surf brasileiro]

Bônus:

O julgamento foi um assunto que deu o que falar em 2016. Acha que foi tendencioso para alguém?

Acho que não. O surf é um esporte muito subjetivo. Tanto que quando você está assistindo uma bateria com os seus amigos um fala: “essa onda foi muito melhor!” e o outro fala: “tá louco?”. É mais ou menos isso que acontece mesmo, pelo surf ser um esporte subjetivo, então, é difícil. E, cara, sempre terão aquelas baterias que o cara deveria ganhar e perde. E, às vezes, a emoção, o calor do momento toma conta, principalmente para nós, brasileiros, que somos muito apaixonados, somos muito intensos. O negócio, às vezes, é que a gente fica cego e não consegue aceitar aquilo, mas sempre falo: “tenho a minha opinião e espero que não esteja errado, que é a de que os caras não têm motivo de querer favorecer ou prejudicar ninguém”.

Penso assim, porque não tem um motivo, acredito que não. Posso falar do meu caso, aquela bateria contra o Julian [no Rip Curl Pro Portugal de 2016, no round 3], por exemplo, que realmente acho que ele não virou naquela onda, na última onda dele. Fiquei louco por ter perdido, aquela bateria poderia ter custado o meu ano. Chorei por mais de quatro horas. Vim para casa e não conseguia parar de chorar. Mas depois que passa tudo, eu, a minha pessoa Jadson, penso: “cara, eu espero que não tenha, porque os caras não têm um motivo para fazer isso”. Ainda mais que coloco o meu na reta e falo que fui o cara no circuito que mais teve baterias com resultados controversos. Posso falar que sou o cara no Circuito Mundial que, nesses seis, sete anos, teve mais baterias assim.

Se fosse ficar pensando nessas coisas, não ia conseguir alcançar meus objetivos. Talvez algumas baterias ali que devia ter perdido, eu ganhei, então acho que isso sempre vai existir e a galera tem que aprender a lidar com isso. É a questão do equilíbrio, força de vontade para se superar e querer ser melhor a cada dia. Chorar, reclamar, brigar, querer criar coisas negativas não vai ajudar, porque já aconteceu. Todo mundo erra e isso é normal do ser humano. A vida que segue e vamos tentar melhorar.

O Kelly já anunciou que vem com tudo em 2017 para conquistar seu 12o caneco e que será seu último ano. Acredita?

É mentira, vai parar coisa nenhuma. Não vai, ele não consegue. Você olha no olho daquele careca e vê que ele não consegue. A parada o consome, é aquilo que deixa o cara vivo. Ele não vai parar, irmão, não vai parar (risos).

Da galera que entra no Tour 2017, quem vai se dar bem de cara?

Olha, cara, ano que vem será bem interessante essa disputa do Rookie of the Year. No ano que vem estará mais difícil do que esse ano, porque esses moleques que entraram agora, o Leonardo, o Ethan, o meu favorito dos rookies, sem dúvidas, é o Connor O’Leary – eles são muito bons. Sempre achei esse moleque (Connor) um baita surfista. Para um goofy se dar bem no Circuito Mundial, precisa ter um backside incrível, e esse moleque tem um backside fenomenal. O Joan Duru merece estar no Circuito.

Nas cascas-grossas (Fiji, Teahupo’o e Pipe), sem dúvida o Ian Gouveia vai se destacar mais que os outros, na minha opinião, porque é faixa-preta nessas ondas. Então vai ser uma disputa incrível, acirrada, mas se for para dar um palpite, continuo com um dos meus favoritos no circuito QS, que é o Connor.

O que poderia melhorar no Tour?

O circuito deveria ser mais equilibrado em relação às ondas. Acho muito nítida a vantagem que os regulars têm no Circuito Mundial, porque Gold Coast é uma direita e é muito mais fácil surfar aquela onda de frontside do que de backside. Teahupo’o é uma esquerda, mas é muito mais fácil ficar deep de backside do que de frontside. Bells Beach é uma onda que favorece muito mais o regular do que o goofy, porque o goofy para tirar nota em Bells vai ter que pegar aquela onda “x”, o regular não, ele vai conseguir fazer um score em uma ondinha um pouco mais gorda. Em Pipeline, o regular consegue ficar muito mais deep e a onda para Backdoor é muito mais fácil de ser surfada frontside do que de backside. Se fosse para pedir alguma coisa para os caras, seria: “coloca uma esquerdinha para a gente dar umas piruetas também” (risos).

Hawaii – sonho ou pesadelo?

O Hawaii para mim é trabalho. Mas se você perguntar: “você prefere ir para onde: Tahiti ou Hawaii?”, eu não pensaria duas vezes: “vou para o Tahiti”.

Quem, dos brazucas, é o mais sinistro?

O mais sinistro é o Capitão Nascimento – o Mineiro é foda. Eu já falei várias vezes que, se o Adriano tivesse o talento que o John John tem, o Kelly Slater ficava no chinelo.

E dos gringos?

Mick Fanning. O Mick é o mais sinistro dos caras, disparado.

Se você pudesse dar um conselho a si mesmo, sete anos atrás, qual seria?

Um conselho para mim sete anos atrás (risos)? Talvez que eu procurasse entender mais o Circuito Mundial. Procurar entender mais a questão de foco profissional, assistir aos campeonatos focado, tentar entender o critério de julgamento.

Se fosse para me dar um conselho dez anos atrás eu faria o que faço hoje: ser um pouco mais profissional, porque é difícil para um moleque de 19 anos estar vivendo um sonho e nesse sonho ele estar focado.

O que pouca gente sabe sobre você?

Uma coisa que talvez pouca gente saiba, é que eu sou um fenômeno no poker (risos). HC

Texto publicado na HARDCORE #325

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