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Você surfa pela sensação ou pelo resultado?

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Você já parou para pensar no que realmente busca quando vai surfar? À primeira vista, a resposta pode parecer simples, mas há camadas mais profundas nesse questionamento que merecem ser exploradas. O antropólogo britânico Tim Ingold discute brilhantemente em sua obra “The Perception of the Environment” que os sentidos humanos estão intimamente ligados ao nosso modo de viver e interagir com o ambiente. O surfe, como poucos esportes, é uma representação intensa dessa experiência, nos colocando em contato direto com as forças da natureza.

O mar é um ambiente exótico para o ser humano. Diferente da terra firme onde pisamos com segurança, a água exige mais de nossos sentidos e de nossa habilidade de adaptação. Ao surfar, enfrentamos correntes, ventos, ondulações e a variação de temperatura, além da presença de animais marinhos transitando por aquele espaço. Cada sessão de surfe é única, com uma série de variáveis que mudam constantemente. É esse dinamismo que ativa nossa percepção, nos faz estar presentes e vivos. Como Tim Ingold define em sua obra sobre os sentidos, “Nosso envolvimento no mundo é contínuo, fluido e constantemente modelado pelas forças ao nosso redor, que moldam tanto nossa percepção quanto nosso modo de agir”. No surfe, sentimos isso de forma intensa, à medida que nos adaptamos a essas mudanças em tempo real, conectando corpo e mente ao ambiente de maneira profundamente sensorial – e isso se transborda para nossa vida cotidiana.

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O surfe não é o único esporte que nos conecta com o ambiente, mas, poucos são tão intensos quanto ele. A cada remada, a cada espera pela próxima onda, somos lembrados de que o mar é vivo, que ele tem seu próprio ritmo e que, por alguns momentos, temos a sorte de poder dançar com ele. É uma sensação que palavras dificilmente descrevem.

Ainda assim, essa experiência sensorial não é a única faceta desse esporte, especialmente hoje. A cultura popular, com uma boa ajuda da indústria cultural estadunidense, transformou o surfe em um fenômeno global. As competições, os contratos milionários, a tecnologia avançada das pranchas, as câmeras de alta resolução capturando cada manobra para as redes sociais — tudo isso faz parte do surfe contemporâneo. E, quanto mais cresce, mais ele parece se afastar de seus aspectos sensoriais, movendo-se em direção ao resultado.

Não que haja algo errado nisso. Afinal, competir, vencer e ser reconhecido são motivações legítimas. Quem pode negar a emoção de uma manobra bem executada ou de um campeonato conquistado? Mas quando o foco está apenas no resultado, acredito que algo se perde. Talvez o exemplo mais claro disso sejam as piscinas de onda, onde as variáveis naturais desaparecem e a única coisa que resta é a execução técnica. Basta sentar e esperar pela onda perfeitamente calculada.

Não digo isso com um juízo de valor. As pessoas devem surfar pelos motivos que lhes fazem sentido. Tenho amigos que entraram no surfe apenas em busca de resultados, e para muitos deles, era a única opção. Oriundos de famílias de baixa renda, esses amigos encontraram nas competições uma chance de melhorar suas vidas. Um deles, por exemplo, foi um excelente competidor nos anos 1990. Para ele, alcançar bons resultados em competições era uma questão de sobrevivência. Hoje, com uma vida mais estável, ele administra uma escolinha de surfe e finalmente tem a oportunidade de desfrutar do surfe de sensações. Sem a pressão de vencer, pode agora se dar ao luxo de simplesmente admirar uma onda quebrando durante um pôr do sol alaranjado.

Minha trajetória não foi muito diferente. Quando era mais jovem, eu também estava obcecado pelo surfe de resultado. Cada sessão era uma chance de provar algo — para mim mesmo e para os outros. Mas, hoje, entendo que as sensações que o surfe me proporciona são mais valiosas. Alcançar um resultado é bom, mas se sentir vivo é muito melhor.

Você não concorda comigo? Sem problemas. Cada um tem seus motivos e suas motivações. Para uns, o surfe é um caminho para a glória; para outros, uma forma de se reconectar consigo mesmo – e pode ser as duas coisas juntas também. Seja pela sensação ou pelo resultado, o importante é estar lá, no mar, vivendo o momento.

Luciano Meneghello
Luciano Meneghello
Nascido e criado em Santos (SP) e atualmente vivendo em Floripa, Luciano Meneghello começou a surfar no início dos anos 1980 e testemunhou o desembarque da primeira canoa havaiana no Brasil, a Lanakila, no porto de sua cidade. Atuando no jornalismo, foi um dos fundadores da revista Fluir Standup e do site SupClub. Colaborou também com diversos veículos do segmento, como revista Alma Surf, Go Outside, site Waves, entre outros. Em 2020 publicou seu primeiro livro "Raiz, uma viagem pelas origens do surfe, canoa polinésia, stand up paddle e prone paddleboard". Atualmente está se graduando em antropologia pela UFSC, é o responsável pelo portal Aloha Spirit Mídia, e editor executivo da Hardcore.

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