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Sobre Medina X Cole, o leitor opina: “Paramos de gostar de surf, gostamos de ganhar”. 

Desde a fatídica bateria entre Gabriel Medina e Cole Houshmand, no round 32 do Rip Curl Pro Bells Beach, na qual o brasileiro foi eliminado pelo californiano, uma enorme polêmica tem mobilizado a mídia e as redes sociais. Mas é sempre bom nessas horas escutar pontos de vista diferentes, para dar uma arejada na discussão. O leitor Fabiano Augusto Correa, o Etê, que também é jornalista, enviou um texto no qual questiona, entre outras coisas: "Como migramos de fazer a maior festa para os gringos quando chegavam ao Rio de Janeiro, para ameaças de morte e promessas de cerco às cabines de juízes?"  Confira abaixo.

Por Fabiano Augusto Correa*

Segundo a história do nosso esporte, a primeira competição de surf aconteceu há menos de 100 anos atrás, em 1928, na Califórnia. Já o surf, a arte, tem alguns milhares de anos. De acordo com a matéria “Quantos surfistas existem no mundo?”, publicada no site SurferToday, o número mais referido é de aproximadamente 23 milhões de surfistas no mundo, e provavelmente, 99,99% deles, jamais estarão em uma bateria. Surf competitivo também é surf, mas surf não é só surf competitivo. As reações depois da última derrota do Gabriel Medina realmente deviam acender um alerta na comunidade. Todos têm direito de reclamar, principalmente pedir uma reforma no sistema de julgamento, mais clareza nas regras e mais transparência nas notas.

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Mas não é isso que está acontecendo. Vimos um surto coletivo de ódio misturado com teorias da conspiração que gerou uma das maiores mobilizações na comunidade nesta década. A verdade é que por mais que a avaliação dos juízes evolua, ou eles contratem seres humanos com chips e olhos biônicos, ou até criem um programa de AI que consiga medir meticulosamente cada movimento, o resultado final jamais vai ser objetivo. 

Surf é técnica, é explosão, é velocidade, mas não podemos esquecer, é arte. Como vamos comparar um Picasso com um Van Gogh de forma exata? Sempre vai ser subjetivo.Temos uma legião de órfãos do 7×1 que não conseguem admitir que a Brazilian Storm não é eterna, e principalmente, como falou Caio Ibelli em uma entrevista recente, não parece que vai se renovar de imediato.

O país não aproveitou o boom para investir na base, fortalecer nosso circuito Junior, ou criar um programa escolar de surf no litoral, como é feito na Austrália e nos EUA. Sim tivemos muitas melhoras na Confederação, mas ainda é muita pouca ação do estado e da inciativa privada. 

O surf não forma só atleta, forma cidadão. Acharam que iria haver uma renovação natural, não houve. Preferiram deixar meia dúzia de pessoas milionárias, e as colocaram como salvadoras de uma nação, inclusive de todas as mazelas da mesma fora d’água.  Esta mesma legião de fanáticos, muitos deles que jamais pisaram em uma prancha, se mostram surpresos com o número de atletas sofrendo com estresse e abandonando o tour. 

Não gostam de surf, gostam de ver brasileiro vencendo. Não importa se o Ítalo pegou o melhor tubo, o Yago fez uma linha linda ou o Gabriel voltou de um aéreo insano, se não terminaram bem no topo do pódio, logo são descartados por aqueles que precisavam saciar alguma carência pessoal ou síndrome de inferioridade. 

Obvio que minha opinião está na parte mais vazia do barco. Por estas linhas, já devo ter recebido algumas centenas de xingamentos de haters e puxa sacos dos gringos. Mas essa narrativa não é nova, vem sendo repetida em milhares de horas de diversos podcasts, reels e posts em todas redes sociais. 

As mesmas pessoas estão falando por dez anos que estamos sendo roubados, por horas a fio, sem jamais mostrar alguma prova, ou pelo menos uma análise de números. Para deixar mais claro, não estou falando de comparação onda a onda, o que mostra realmente erros, ou de um julgamento errado dos juízes, mas a acusação é que essa prática só acontece com brasileiros e existe uma conspiração da WSL por trás desses julgamentos. Talvez não exista uma análise de números, porque se olharmos os resultados, pode ser que a reposta já venha sem precisarmos de uma calculadora. 

O Brasil tem literalmente dominado o Circuito Mundial como poucos países fizeram até hoje. Ganhamos sete títulos nos últimos nove anos, a única medalha de ouro olímpico masculina do esporte. Vencemos todas as vezes o Tour depois da mudança do formato, que pode não agradar a muitos, mas para esta mesma legião é mais uma tática da WSL para acabar com os brasileiros, mesmo a final sendo realizada onde vencemos todas as vezes.

 Aí surge mais uma teoria sem fundamento nenhum. Se não bastasse terem que fazer o papel de ultra desportistas, ganhar todas as etapas e representar o Brasil custe o que custar, aos nossos atletas também é dada uma posição de herói, que tem que lutar contra os tentáculos poderosos da WSL e sair com o caneco. No momento, antes do corte da WSL, nossos atletas não figuram no topo do ranking. Mas jamais levantan-se a possiblidade que estejam cansados de anos a fio de treinamento pesado e viagens, ou até de que atletas de outras nacionalidades possam estar surfando melhor. Não, segundo os mesmos, é uma tentativa da WSL de frear a Brazillian Storm.

Uma leva de atletas talentosos raramente são contemporâneos, a Austrália teve Mick e Joel, os EUA e o Havaíi, Kelly e Andy, e nós tivemos a Brazilian Storm, um feito único na história do surf. Eu os vejo ainda ganhando muita coisa, mas essa geração é a seleção de 70 do futebol para os fãs de surf. Temos que aceitar e apreciar este fato. 

Com a falta de brasileiros no Top 10, essa agressividade está mais latente do que nunca. Ameaças são extremamente comuns não só nos comentários, mas também nas caixas de mensagens dos juízes e atletas de outras nações. Como migramos de fazer a maior festa para os gringos quando chegavam ao Rio de Janeiro, para ameaças de morte e promessas de cerco às cabines de juízes? 

Reduziram uma das artes mais bonitas do mundo ao surf competitivo. Precisamos relembrar porque nos apaixonamos por este estilo de vida em primeiro lugar. Somos brasileiros e sempre vamos amar contemplar histórias de superação de um garoto que nasceu em uma vila de pescadores no Rio Grande do Norte e foi campeão olímpico. 

Somos brasileiros, e amamos torcer pelos nossos atletas em absolutamente todos os esportes, assim como amamos nossas havaianas, e nosso arroz e feijão. Mas além de brasileiros, somos surfistas. Não vamos esquecer que fomos agraciados com a grandeza deste estilo de vida que vai bem além de deslizar e fazer manobras nas ondas. Nós somos brasileiros, mas podemos ter a melhor onda de nossas vidas a milhares de quilômetros de distância. Nós somos brasileiros, mas não podemos nos limitar a pertencer apenas a uma linha imaginária criada pelo homem. Nós somos surfistas, nós pertencemos ao oceano. 

* Fabiano Augusto Correa tem 44 anos e surfa desde os 8 anos de idade. Mora na Praia do Rosa, em Santa Catarina, desde 2015, onde surfa diariamente. Trabalha como jornalista, mas focado em blogs de empresas. Escreve sobre música, surf, MMA, e produz roteiros para podcasts de storytelling. Suas paixões são o surf e o rap.



 

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