E
stou próximo de deixar o Panamá rumo à Colômbia, encerrando minha trajetória pela América do Norte e Central. Após cinco meses de estrada o que mais me chamou atenção foi a explosão do número de surfistas, locais e visitantes, na absoluta maioria dos países percorridos. Honduras, por não ter ondas, e Guatemala, por não possuir um pico de renome, sendo a exceção. Não estou falando somente de lugares que já eram muito conhecidos, e frequentados, por surfistas, mas também de boa parte daquelas ondas nas quais ainda era possível encontrar refúgio do crowd e surfar com poucas pessoas na água. Não mais!
Texto Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE
Fotos Adrian Kojin
Importante esclarecer que minha comparação não é baseada no número de surfistas que encontrei há 35 anos, quando cumpri esse mesmo roteiro, e muitas vezes surfei sozinho por falta de ter alguém para dividir as ondas. Estou tomando como referência impressões muito mais recentes, minhas ou de amigos, que estiveram nesses países pouco tempo antes da pandemia. Eu mesmo me encontrava nos Estados Unidos, mais especificamente no sul da Califórnia, quando o primeiro caso de Covid-19 foi anunciado, em novembro de 2019. Ao regressar pra lá, pouco mais de dois anos depois, o que eu mais escutei foram amigos locais desesperados com a explosão do crowd.
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Ocupado com os preparativos da viagem, não surfei tanto quanto gostaria na Califórnia, mas nas vezes em que fui à praia pude constatar a razão de tanta revolta, principalmente direcionada aos surfistas iniciantes a bordo de suas softboards, aquelas pranchas de espuma macia, que tornam o aprendizado muito mais seguro. Tentei pegar ondas, sem muito sucesso, em Trestles e Malibu, dois dos picos mais icônicos da costa californiana e que sempre tiveram fama de ser super lotados. Mas dessa vez tinha muito mais gente do que eu jamais havia visto em anos morando e/ou visitando a Califórnia.
Afirmar sem ter números concretos para mostrar enfraquece qualquer argumento. Eu não saberia dizer exatamente se o aumento do crowd se deu por surfistas novatos que tiveram tempo livre na pandemia e resolveram praticar uma atividade ao ar livre, como muitos afirmam. Pode ser também que um bom número de quarentões, cinquentões, ou sufistas ainda mais velhos, tenham decidido voltar a praticar o esporte da sua saudosa juventude. Sem dúvida o enorme avanço da performance feminina em todos tipos de ondas também contribuiu para que elas ganhassem cada vez mais espaço num universo predominantemente machista, e contribuíssem para uma quantidade maior de cabeças no outside.
Esses podem ser alguns dos motivos, e foi certamente a combinação deles, e mais outros não citados, que levaram à explosão do crowd. E esse fenômeno não se restringiu à Califórnia, talvez o principal núcleo exportador de surfistas para o resto do planeta. O movimento teve alcance mundial, como comprovam os picos do México e América Central que visitei e nos quais me deparei com uma verdadeira Babilônia, sendo possível ouvir conversações no mar em – além dos até então predominantes, inglês, espanhol e português – francês, italiano, hebraico, alemão, russo, norueguês, entre vários outros idiomas.
O que eu conhecei de professor de surfe e fotógrafo de surfe também não foi brincadeira. Aliás, eles andam juntos, pois os dois maiores desejos de um surfista iniciante são: em primeiro lugar, ficar em pé na prancha, e em segundo, ter o momento registrado. O terceiro eu diria que é postar a foto ou vídeo no Instagram. Que por sinal também tem uma boa parcela de responsabilidade pelo aumento do crowd. Tanto como instigador, quanto viabilizador. Mas esse é assunto para outra hora.
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Quem leu até aqui e conhece um pouco da minha trajetória deve estar me chamando de cínico nesse momento. Como posso estar reclamando do crowd se por mais de duas décadas trabalhei em revistas de surfe que contribuíam a cada nova edição para tornar o surfe mais conhecido e aumentar o número de praticantes? Além de publicar matérias expondo esses mesmos picos que hoje lamento não poder mais surfar sem crowd. Não vou negar, sei que tenho uma parcela de responsabilidade. Mas tenho minha consciência tranquila, pois sempre que pude desacelerar um processo que sabia inevitável – se não fosse eu seria outro à frente da revista – fiz o possível nesse sentido.
Agora, me pergunte se eu sei onde é possível surfar sozinho no México e na América Central e vou te dizer que não. Mas, desculpe, não posso deixar que venha comigo.
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