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Pan-American Soul 2022: A prancha da filha da vizinha

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screvo essa coluna de Pan-American Soul dois dias antes do Natal. Estou em Puerto Viejo, no Caribe da Costa Rica, aguardando a chegada da minha filha Moana, que vem passar o dia 25 aqui comigo. Os últimos dez dias foram bem complicados, tanto a minha van como eu fomos parar no estaleiro. Mas já estamos recuperados, espero. Chegou a hora de curtir as festas de final de ano e tudo indica que momentos alegres estão a caminho. E foi me deixando levar por essa onda natalina que encontrei o assunto para esse texto, que vai falar de generosidade e fé. Quero dedicar essas palavras a todos que me ajudaram a chegar até aqui. Sem o apoio de vocês eu não teria nem começado. Beleza, mas o que a prancha da filha da vizinha tem a ver com isso? Calma lá que eu explico.


Texto Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE
Foto de abre: Adrian Kojin em Punta Mango

A filha, dona da prancha em questão, eu nem cheguei a conhecer. Já a mãe, uma simpática idosa de origem asiática, acho que chinesa ou coreana, chamada Myung-Hee, no dia da minha partida, mais exatamente em 21 de agosto passado, tomou uma atitude que me deixou totalmente surpreso naquele momento. E muito feliz em tantos outros que se seguiram ao longo da minha jornada. Basta dizer que foi por conta da generosidade de Myung-Hee que recuperei a confiança no meu surfe, que andava meio abalada.


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Lógico que não fiquei anunciando isso antes de me atirar na estrada. Eu precisava passar firmeza a quem estava se preocupando comigo e aos que eu estava pedindo algum tipo de apoio. Imagina eu sair dizendo que não tinha certeza de que estaria apto a surfar nos picos pelos quais iria passar. E não estou falando de lugares como Puerto Escondido, onde é normal pintar uma insegurança. Meu medo antes de partir era de não estar com um surfe à altura de ondas muito menos exigentes.

 

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Isso por três razões interligadas. A primeira, uma lesão ligamentar no joelho esquerdo, que ainda estava em recuperação. A segunda, por ter surfado muito pouco nos 6 meses que antecederam a viagem. Talvez umas 4 vezes apenas, e sempre em condições de crowd intenso, todas em Trestles, onde conseguir uma boa onda vazia é uma batalha. A terceira, por não ter encontrado uma prancha que me desse justamente a confiança necessária para triunfar nessa disputa. Em qualquer atividade esportiva, é a prática constante que permite o aprimoramento da performance. Ou no mínimo a manutenção. Eu estava sentindo a minha capacidade de surfar escoar bancada abaixo sem saber o que fazer. Faltava tempo, faltava braço, faltava prancha. A viagem estava para começar.

 

Test drive surpreendente en Trestles. A prancha que eu buscava!


Foi quando, numa dessas raras oportunidades de ir a Trestles – estava trabalhando muito e morando no deserto, longe da praia – Myung-Hee me viu do seu jardim carregando a van, e se aproximou puxando papo. Eu estava acomodando uma prancha no interior da van e ela perguntou se eu não teria interesse em experimentar as pranchas da sua filha, que havia parado de surfar. “Estão acumulando poeira na garagem, você pode usar se quiser”. Foi muito mais por educação, do que por acreditar que as pranchas da filha dela pudessem me servir, que baixei as pranchas do lugar onde estavam penduradas e as tirei de suas capas.

A menorzinha era uma pranchinha com um shape bacana até, mas obviamente inviável por ser muito pequena e ter pouca flutuação. Eu tenho 1,92 me de altura, peso 100 quilos e carrego 59 anos de idade nas costas. Só que a outra prancha não tinha nada a ver com a primeira, era uma 8 pés round pin, mais para o que chamam de “mid length model” do que uma “funboard” propriamente dita. Pra falar a verdade, achei um pouco estranha, mas a flutuação parecia adequada e minha curiosidade foi despertada. Ainda que assinada por um shaper para mim desconhecido, meio amarelada e com uns reparos por fazer, resolvi que ia levar para dar uma volta.

 

 

E não é que ela não só me facilitou pegar as ondas no meio do crowd como se provou sólida na cavada, com boa aceleração e solta em relação ao tamanho. Claro que não era uma pranchinha e tinha suas limitações na hora de manobrar. Mas a fluidez dela na onda me proporcionou uma sensação muito boa e terminei a sessão com um sorriso na cara. Peguei mais ondas e achei que mandei melhor nelas. A prancha da filha da vizinha havia definitivamente me surpreendido.

Nem lembro direito, mas acho que surfei com a prancha uma vez mais e chegou o tão esperado dia da partida. Foi quando Cory, meu anfitrião, acompanhando o destino que eu estava dando às minhas tranqueiras, que ia retirando da casa e da garagem dele, me lembrou que deveria devolver a prancha da filha da vizinha. Respondi que estava pensando em levar comigo. Ao que ele retrucou o óbvio: “vai lá na Myung-Hee e oferece de comprar”. Com que dinheiro? Estava partindo de bolso literalmente vazio, de olho na primeira nova entrada de algumas verdinhas para dali a um mês, pensando em passar os primeiros 30 dias acampado no deserto comendo atum em lata.

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Lustrei a cara de pau e fui falar com Myung-Hee. Comecei perguntando se a prancha estava à venda. Ela disse que sim. Eu falei que gostaria de fazer uma oferta, mas estava quase sem dinheiro. Ela perguntou quanto. Chutei lá embaixo, 35 dólares. Ela olhou bem séria nos meus olhos e disse, “fechado, passa pra cá”. Contei o dinheiro e entreguei na mão dela. Aí ela abriu um sorriso e me estendeu o braço de volta com o punhado de notas na mão. “Toma, compra um bom almoço pra você na viagem”.

Se existe Papai Noel eu não sei. Mas o meu esse ano chegou bem antes. Não bastasse a generosidade da Myung-Hee, meu grande amigo Cory também tinha um presente reservado para minha partida. Dois na verdade, um fogareiro novo de duas bocas, e 10 notas de cem dólares, uma em cima da outra.

Não tinha contado para ninguém, mas ia pegar a estrada só no crédito e sem uma prancha na qual confiar. Para não falar na minha van, com 22 anos de muito uso. Maluquice? Total. Mas acreditei que seria possível, ainda que não soubesse como. Naquele dia meus anjos foram Myung-Hee, que me deu a prancha que eu precisava, e Cory, que bancou o primeiro mês de aventuras. Depois vieram outros, que sabem quem são. Mais pra frente entrou o dinheiro do crowdfunding, que ajudou por mais um trecho, e novos anjos foram surgindo. Fui prosseguindo.

Que bom poder estar aqui escrevendo esse texto. Falta um bom chão ainda para eu cumprir a missão à qual me propus, mas vou chegar lá. O que não me faltou até agora foram amigos, e a eles eu quero desejar um Feliz Natal e um Ano Novo em que tenham de volta tudo que me proporcionaram. E não estou falando só do apoio material. Não tem nada que me impulsione mais do que a fé que meus amigos botaram no meu sonho. Obrigado!!!

Acompanhe a rota de Pan-American Soul pelo @panamericansoul2022.

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* Nesta seção, o Editor Especial da HARDCORE, Adrian Kojin, traz com exclusividade os diários da sua road trip Pan-American Soul 2022, da
Califórnia até o Brasil. 

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