Surfar nos ensina muito sobre o respeito e a sinergia com os elementos naturais, oferecendo uma oportunidade para reavaliarmos nosso relacionamento com o planeta
O surf é apontado como um esporte “moderno”, inclusive faz parte de um plano de “rejuvenescimento” da imagem dos Jogos Olímpicos, que buscaram modernizar-se através da inclusão de modalidades associadas ao público jovem, como o skate e a escalada, por exemplo.
No entanto, o fato curioso é estamos falando de um dos esportes mais antigos que se conhece. Os primeiros relatos da prática, tal qual é mais conhecida hoje (surf em pé sobre uma prancha), vêm do diário de bordo do Capitão James Cook, primeiro ocidental a desembarcar no Havaí, em 1778.
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Só que Cook foi morto nessa viagem e coube ao tenente James King a tarefa de dar continuidade ao diário de bordo. Nos relatos do oficial, está a descrição do que seria uma sessão de surf entre nativos, deslizando sobre as ondas, em pé, usando pranchas de madeira.
O relato de King apenas confirma a existência de um esporte que já era praticado há cerca de mil anos no Havaí, segundo apontam canções e histórias passadas de geração em geração entre os nativos.
Um erro que alguns historiadores desse esporte cometem é confundir a simplicidade do surf praticado no final do século 19, quando a modalidade estava em decadência e quase desaparecendo, com sua pujança e riqueza cultural da época em que o capitão Cook desembarcou no Havaí pela primeira vez.
Em “Surfing: A History of the Ancient Hawaiian Sport” (1966), por exemplo, os antropólogos Ben Finney e James Houston dissertam sobre a sofisticada arte de produção de pranchas no Havaí pré-colonização, feitas em diferentes outlines, tamanhos e com detalhes hidrodinâmicos, como concaves e caimentos de borda, que só seriam “inventados” pelos shapers da era moderna séculos mais tarde. O nível técnico dos surfistas também impressiona, como apontam Finney e Houston em seu rico estudo através da catalogação de canções ancestrais, enaltecendo feitos históricos de nobres e plebeus nas ondas havaianas.
Foi no Havaí que o surf atingiu seu auge técnico, mas diversos outros povos originários desenvolveram, no passado, técnicas próprias para deslizar sobre as ondas: da costa oeste da África Central, passando pelo Mar Mediterrâneo, Peru, China, Japão e em diversas ilhas do Pacífico.
Futuro ancestral
O escritor e filósofo indígena Ailton Krenak, em seu livro “Futuro Ancestral” (2022), nos convida a repensar nossa relação com o mundo e a buscar um entendimento mais profundo e harmonioso com a natureza. Krenak propõe que, ao reconectar-nos com nossos ancestrais e suas práticas, podemos encontrar soluções sustentáveis para os desafios contemporâneos. O surf, embora visto como uma atividade moderna, carrega em si a essência dessa reconexão ancestral.
Krenak sugere que nossas tradições e conhecimentos ancestrais são fundamentais para a construção de um futuro equilibrado. O surf, com suas raízes profundas em culturas antigas, exemplifica como uma prática aparentemente moderna pode ser um retorno às nossas origens, um aceno ao “futuro ancestral”. Surfar nos ensina muito sobre o respeito e a sinergia com os elementos naturais, refletindo a sabedoria indígena de viver em harmonia com a terra. Uma oportunidade para reavaliarmos nosso relacionamento com o planeta.
Os nativos havaianos veem o mar como uma extensão de sua identidade e cultura, tratando-o com reverência e respeito. Da mesma forma, Krenak defende que a sustentabilidade e a preservação dos recursos naturais são possíveis quando adotamos uma visão de mundo que valoriza e protege a natureza como um todo.
Assim como surfar nos ensina a ler e respeitar os ritmos do oceano, nós, como sociedade, devemos aprender a adaptar nossas práticas às necessidades do planeta, reconhecendo nossos limites e vivendo de forma mais consciente.
Ao traçar um paralelo entre o surf e os conceitos de “Futuro Ancestral” de Ailton Krenak, percebemos que o caminho para um futuro sustentável e equilibrado passa pelo reconhecimento e valorização de práticas ancestrais. O surf, ao integrar tradição e modernidade, nos inspira a buscar um novo entendimento sobre nossa relação com o mundo, com os recursos naturais e com nosso próprio destino. Assim, podemos construir um futuro que honre o passado e proteja nosso planeta para as próximas gerações.