Para Demian Jacob, grande parte dos fotógrafos de surf estão interessados apenas em clicar, e não em compor.
Será que pra ser fotografia de surf tem que ter ação? Sempre me pergunto isso e creio que os melhores fotógrafos de surf, não fotografam só ação – seus melhores trabalhos são retratos, lifestyle, detalhes. Um desses fotógrafos é o carioca Demian Jacob, que tem um balanço diferente em suas fotos. Tem tanta estética que te leva a pensar no que ele quer dizer, algo bom em um mundo de fotografias autoexplicativas, que não buscam questões e que, de cara, já te mostram a resposta para as questões mais complexas do nosso “esporte”. Nessa entrevista Demian explica o que o surf tem a ver com suas fotos e o que suas fotos têm a ver com surf.
Jair Bortoleto – Qual foi seu primeiro contato com o surf?
Demian Jacob – Na minha infância meus pais sempre me levaram a praia, o movimento do mar sempre me fascinou, chegava em casa e ficava mareando na cama. Meu primeiro contato com surf foi quando vi as pranchas do meu primo em uma piscina na casa de um amigo dele. Aquele objeto me encheu os olhos e saber que era possível deslizar nas ondas com um “foguete” me despertou curiosidade. Depois disso comecei a me dar conta do pessoal que fluía nas ondas do Leme, no Rio de Janeiro, e me aproximar mais deles. Mais tarde comecei a frequentar outras praias como Arpoador, Prainha e Recreio, onde meu pai me levava constantemente nos fins de semana, e era um deserto.
JB – Você se lembra da primeira onda?
DJ – A primeira onda exatamente não me lembro, mas me marcou muito o dia que aprendi a cortar a onda e fazer um “bottom turn”. Foi na praia da Macumba em uma sessão de ondas pequenas no inside. Nos anos 90 a gente aprendia a surfar com pranchas performance, super finas, leves e rápidas. Como colocar um carro de Fórmula 1 na mão de um iniciante. Não se tinha muita informação disponível.
JB – Quando começou a fotografar e quais suas influências na fotografia?
DJ – Comecei a me interessar por fotografia em uma viagem aos 15 anos para os Andes na Argentina. Meu pai tinha uma câmera SLR que ele usou muito na juventude, e mais uma vez, um objeto me despertou uma grande curiosidade, andávamos com uma malinha com diversas lentes, ele fotografava a viagem, eu observava e anotava em meu caderno. Com o tempo essa memória foi me marcando e foi na faculdade que me encontrei como fotógrafo. Minhas influências partem de muitos lugares, literatura, pintura e de outros fotógrafos. Atualmente tenho lido Louise Gluck e Mahmoud Darwish, bem imagéticos, de fotografia gosto muito do trabalho da Ursula Shulz-Dornburg e do Mauro Restiffe , e de pintura a Marina Rheingantz, Raymond Pettibon, Janaina Tschäpe, Carolina Martinez e Gerhard Richter me inspiram também. Ah, e o livro do Yvon Chouinard não sai da minha mesa, é muito boa essa história e a filosofia para os negócios e para vida, Let my people go surfing.
JB – O surf parece ter muita influencia na sua fotografia. Acha que essa relação é orgânica ou você busca esse balanço?
DJ – Como não trabalho profissionalmente com o surf, dentre muitas imagens sem sentido que vemos hoje, o surf me leva para um lugar de conforto. O surf para mim é onde busco calma e simplicidade, em muitos momentos ele me rodeia. Gosto de perceber esse fato, ao invés de me concentrar nas manobras e nos mares clássicos a serem compartilhados, prefiro uma toalha jogada, uma quilha no porta-malas e a uma prancha na parede. Busco evidenciar o momento pelos detalhes, sem me preocupar com o “momento fotográfico” somente.
JB – Seu trabalho de fotografia, mesmo quando o tem a temática surf, vem carregado de sentimentos. Consegue explicar o porquê disso?
DJ – Minha eterna busca pela verdade e pelo equilíbrio. Penso que na fotografia também podemos ter versos e métricas como na escrita. Tento transformar frases dos meus sentimentos em imagens. A diferença entre palavras e pensamentos, as palavras seriam formas de expressar os pensamentos, mas não os pensamentos em si, por isso o silêncio que existe na fotografia me interessa, seria uma etapa entre o sentimento e as palavras.
JB – O surf moderno mudou bastante para nós, jovens senhores. O que acha desse novo movimento, de informação instantânea e cheia de criadores de conteúdo, com pouco conteúdo?
DJ – A literatura de surf me interessa muito, boas entrevistas e entrevistadores também. Com a chegada desse tsunami de informação e imagens em alguns lugares a busca pela simplicidade e refinamento é aguçada conquistando outros espaços, mesmo que em menores proporções. Tenho escutado muito sobre experiências realmente modificadoras onde o surf está envolvido, e tenho lido muitos livros com a temática surf e com histórias engrandecedoras. A busca que existe no surf é infinita, mas muitas vezes nos move a visitar o imponderável. Dias Bárbaros, do Finnegan, exemplifica isso, Paul Theroux, Audrey Sutherland …
JB – Acha que a fotografia de surf acabou?
DJ – Não acho que acabou, mas se perdeu muito a atenção e cuidado com ela. Ninguém se preocupa mais muito com o momento, composição e o olhar. Muitos fotógrafos estão preocupados somente em clicar. Acredito que o grande desafio de hoje é fazer o mínimo de cliques possível para ter o melhor resultado possível. Vivemos um momento onde estamos vendo muito e olhando pouco. Nesse novo movimento vemos trabalhos bons misturados com fotos de amigos, pratos de comida de desconhecidos e dicas inúteis, por isso sempre penso que ter contato com um livro de fotografia é como escutar um disco de música do começo ao fim, ou ver uma exposição da última produção de uma artista, você consegue ter uma elevação poética e aprofundar o sentimento e conexão com o trabalho. E aos poucos vamos juntando esses fragmentos do trabalho e montando um espectro que reflete quem somos.