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Expressão sob Elementos: Karol Lopes

“Eu prefiro não citar nomes. Mas já escutei assim: ‘Não, ela não tem muito o perfil da marca’. Como ela não tem o perfil da marca? Ela surfa muito!”
Karol Lopes

 

Por Vivian Mesquita
Fotos Alexandre Gennari

 

Convenhamos: Qual leitor aqui não tem uma lista na ponta da língua do ideal de mulher? Digo, mesmo que esta lista não represente e-xa-ta-men-te a mulher que esteja agora ao seu lado?

E você, leitora da Hardcore, sejamos sinceras: magra, linda, bem-sucedida, bem-casada, boa mãe e sem celulite, e que de quebra surfe bem. Quem aqui não quer o pacote completo? 

Ter talento e mérito nem sempre são garantias de sucesso e grana no bolso. É! A grama do vizinho é sempre mais verdinha que a nossa. 

A HARDCORE, pelo seu editor, Adriano Vasconcellos, decidiu mexer justamente neste vespeiro, e me convidou para um bate-papo informal com Alana Pacelli, Karol Lopes, Marina Werneck e Paula Sgarbi. Trocamos a poética mesa de bar pelo estúdio de tatuagem da Paulinha na Surf & Sound, na Vila Madalena, reduto artístico e boêmio de São Paulo.

A paixão pela expressão tatuada no corpo e o esporte é o que move essas mulheres. Em tempos nos quais o empoderamento feminino é tão discutido, nosso encontro foi provocado para falar de vida real sem “mimimi”, com muita saia justa e lágrimas até. 

A intenção foi provocar, fazer pensar e, como cantava Chorão: “Eu não vim pra me explicar, eu vim pra confundir”. E assim elas vieram. 

 

PARTE II

KAROL LOPES
37 anos, gerente de marketing da Roxy Brasil

 

LIVRAI-ME DO MAL

Vivian Mesquita: Quantas tatuagens você tem?

Karol Lopes: 16.

16!? Sabe na ponta da língua. Bom, você não tem a menor preocupação com esse negócio de o número de tatuagens ser par ou ímpar, né?

Não, nunca tive.

Qual é a primeira? Mostra para a gente.

A primeira fica aqui na lombar, é uma frase “livrai-me do mal”. É uma história interessante, porque cheguei para o tatuador, eu tinha 17 anos, e falei para ele: “Quero que você tatue ‘livrai-me do mal’ com a sua letra. Eu não quero uma letra estilizada, quero uma coisa bem natural”. E aí o cara fez com a letra dele. O meu marido fala: “Apaga isso, faz outra coisa”, mas não tenho vontade de cobrir. 

Todas as suas tatuagens têm uma história?

Todas têm. Eu tenho três estrelas, que são três irmãs, nós somos em três. Aí tenho a rosa com “João”, meu pai era João, meu filho é João, minha mãe é Rosa. A borboleta, porque sempre tive essa coisa com a liberdade, então borboleta para mim simboliza isso. Todas têm algum sentido.

E essa de hoje, o que é a que você escolheu e qual o sentido dela?

Eu sempre quis fazer um sol. Eu sou de leão, de fogo, eu sou de sol, de praia. Sempre tive vontade de fazer um sol. Só que sol é difícil, é difícil ficar bonito, é difícil acertar no desenho. E aí eu já vinha falando com a Paula: “Queria um sol”, “queria um sol”. E aí ela conseguiu fazer esse sol, chegou o momento dele.

Porque você é solar!

Eu sou solar (risos). 

E a dor da tatuagem? É uma dor que a gente se auto infringe. Você escolhe sentir, assim como uma maneira de se expressar também. 

A tatuagem é uma dor que eu gosto de sentir. Tenho o prazer da tatuagem, de sentir aquela dorzinha. Eu não sei te explicar, mas é uma dor que acho que faz parte, que não me limita nenhum pouco.

E qual é a dor que você não gosta de sentir?

É a dor mais do imaginário. Pensar coisas sobre o meu filho. Aí é uma dor que dói na alma. Então, essa dor da alma é a que não gosto de sentir. Mas a dor física é uma dor que acho que a gente passa, faz parte, e a dor da alma é a dor de pensar coisas. Eu acho que é a pior dor.

MERCADO X MACHISMO

A gente chegou para essa entrevista com uma das melhores notícias no surf, que foi a vitória da Silvana Lima (no mundial de Trestles da WSL). Claro que a vitória do Filipe também foi igualmente incrível, mas a da Silvana, de certa forma, nos empoderou voltando para um lugar de destaque no circuito. Como você recebe essa notícia como alguém que faz parte desse mercado no Brasil?

Da melhor maneira possível. Eu acho que a Silvana é um exemplo de superação. Desde o início da história dela, a saída dela do Tour e depois a volta. Agora esse ano assim, a Silvana surfa muito, é uma surfista que sempre admirei e não tem notícia melhor do que ver o Brasil bem representado por essas meninas. Eu acho que a Silvana tem representado muito o surf feminino todo mundialmente. É com muita alegria que vejo isso. 

A Silvana sempre comenta em todas as entrevistas da dificuldade que ela passou. Você é uma gerente de marketing, a marca é seu principal patrimônio, precisa lidar com isso e eu imagino que você tenha que dar más notícias, muitas vezes, que você não quer dar… 

É uma realidade, mas a Silvana está aí para mostrar que o que importa é o esporte, é a dedicação, a disciplina no esporte. Como você disse, eu represento uma marca, muitas vezes tenho que dar uma notícia que não gostaria, que vai até contra os meus princípios, mas, infelizmente, faz parte. Mas acho também que é um caminho. Eu acho que essas meninas, a Silvana e essa nova geração que está vindo, estão mostrando que o que vale é o esporte. Então, eu tenho esperança de que um dia ele seja mais valorizado.

Você já teve que dar alguma notícia desse tipo?

Já.

Você pode dar um exemplo para a gente? Se você não quiser citar nomes, não tem problema.

É, eu prefiro não citar nomes. Mas já escutei assim: “Não, ela não tem muito o perfil da marca”. “Como ela não tem o perfil da marca? Ela surfa muito”. Assim, eu entendo, é difícil estar na posição que estou, porque entendo o lado que é tirar aquela ideia de que o surf é masculino, então é mostrar as meninas mais femininas. Só que você acaba criando um estereótipo que não deve existir no esporte. 

Mas o Brasil é um país machista. Há 70, 73 anos adultério era crime para a mulher. O surf também ainda é muito machista, né?

É muito machista. É totalmente machista.

Recentemente foi lançada uma campanha, na Alemanha, de um supermercado contra o preconceito com estrangeiros. A rede tirou das prateleiras todos os produtos estrangeiros. Você viu isso? E nesses buracos das prateleiras colocaram frases contra preconceito e estereótipos: “Como a gente vive sem os estrangeiros?”, por exemplo. Uma jogada super ousada. Você acha que é possível fazer alguma coisa parecida quando falamos de mulher, para desmistificar esse padrão? 

Hoje não. Ainda tenho que trabalhar com um padrão. A imagem que a gente busca ainda é sempre do esporte, mas sempre com aquele padrão. Hoje não consigo. E o nosso segmento, em particular, é um segmento muito machista.

Mas tem o fato da empresa colocar uma mulher em uma posição forte como a sua – claro por conta da sua performance – mas também mostra o lado de quebrar um pouco esse machismo no mercado, né? É um reconhecimento.

Inclusive, na empresa que trabalho, a Boardriders, que tem as três marcas do grupo – a Quiksilver, a DC e a Roxy –, a maioria dos grandes cargos são de mulheres. Isso é muito legal! A gente vê aonde a mulher está chegando e como ela consegue ser reconhecida. Então, tem esses pontos. É um segmento muito machista? É. Mas a gente já começa a ver mudanças, ver a mulher também dominando.

Quando chega em uma mesa de decisão, você chega com essa força toda?

Chego. Geralmente, eu tenho essa liberdade para falar sobre assuntos que penso. Então, consigo expor muito do que penso e debater bastante, ouvir os feedbacks.

Você já sofreu preconceito por ser mulher e ter tanto poder de decisão?

Eu diria que preconceito não. Mas já escutei umas coisas.

Assédio?

No business não, assédio não. E preconceito também não. Eu já senti assim: “Nossa, nem sabia que tinha uma marca de surf feminino no Brasil”. Já escutei isso muitas vezes. “Nem sabia que tinha uma equipe feminina”. 

Como você concilia sua vida de mãe e de executiva?

Não é fácil. Quando as pessoas me questionam: “Você vai ter outro filho? Vem o segundo filho?”. “É difícil, né, por causa de grana”. Sim, grana é difícil, custa caro ter um filho? Custa. Mas o que eu mais penso é o tempo que a gente deixa de dar para o filho. O tempo em que estou com ele, eu tento ficar 100% com ele. Eu brinco, faço lição, dou banho, curto, mas no pouco tempo que temos juntos. Faz parte da vida da mulher hoje, se não trabalhasse, não seria eu. Se não fosse mãe, não seria eu. Então a gente tem que conciliar e dá certo. Eu acho que ele vai crescer orgulhoso. A minha mãe trabalhou a vida inteira, é uma grande inspiração para mim. Esse é o nosso papel, mostrar para eles que a mulher também está na rua, que também está trazendo tudo para a casa e que a mulher é a mãe dele.

Quais são as mulheres que te inspiram no Brasil e no mundo?

Stephanie Gilmore, como atleta, é uma inspiração. A Lisa Andersen também. Eu tenho muita ligação com elas, por fazerem parte do time de surfistas. Mas a Lisa é um ícone do surf mundial. Eu acho que são mais as atletas, mesmo. De modo geral, todas me inspiram. A Silvana me inspira muito. A Silvana eu conheço há bastante tempo, a história dela, a luta dela. A Chloé Calmon, que faz parte do time, uma menina super dedicada que ama o que faz. Então eu acho que essa paixão pelo esporte é o que mais me inspira, sabe?

E do business, quem é o cara ou a mulher, quem é a pessoa que te inspira no surf?

Tão clichê, né, mas o fundador da Quiksilver, para mim ele é o cara. E, no Brasil, o Alfio Lagnado. O Alfio é um cara em quem eu me inspiro demais, ele é para mim o Bob Mcknight daqui. O Bob, quando vou para os meetings na Califórnia, é um cara que toma café com a gente, conta as histórias dele lá do começo, da marca, lá da década de 60. Eu olho aquilo: “Meu deus, que história”. O cara criou a marca, a vida dele foi fazer o que ele mais ama. E aí a gente vê o Alfio no mesmo caminho. São pessoas que me inspiram bastante.

FORA DA CAIXINHA

Gabriel Medina, em 2014, revolucionou o mercado. Muitas marcas que não são do meio do surf entraram nesse mercado. Como o mercado do surf enxerga isso? 

Eles pegam a nossa propriedade e fazem o que a gente não faz. O que acontece? A gente passou por momentos difíceis para algumas marcas em que a gente acabou não investindo tanto no esporte como deveria: em grandes eventos, apostando em grandes atletas. As marcas retraíram nesse momento. Aí chegam as marcas grandes de fora, enxergam o grande potencial que nós somos e apostam nisso. Eu não necessariamente acho ruim. Penso que, se a gente não está fazendo, alguém está. Se a Oi não fosse patrocinar a etapa brasileira do Mundial, será que a gente teria etapa brasileira do Mundial? Então, ainda bem que eles estão fazendo. Isso faz com que o nosso mercado comece a pensar: “Opa, espera aí, os caras estão pegando o que é nosso, o que a gente tem propriedade para falar”. 

Construiu, né? O nosso legado.

Exato! A nossa raiz? “E estão se beneficiando disso”, então acho que é uma forma de a gente começar a se mexer. 

De maneira geral, você não acha que o mercado do surf está um pouco viciado nas mesmas maneiras de se fazer as coisas? 

A gente precisa começar a sair da caixinha, a sair do nosso quadrado e a fazer coisas diferentes, porque o surf no Brasil está vivendo um momento muito bom. E, se não souber aproveitar isso da melhor maneira possível, a gente vai perder. Nós somos muito viciados em um modelo que vinha há muito tempo. Mas acho que as coisas já começaram a mudar. Esses grandes ídolos, Filipinho, Gabriel Medina, Mineiro e todos eles, Silvana, enfim, hoje vou na academia e as TVs estão todas ligadas no surf. Hoje já vejo os meus tios comentando do Mundial. Esses grandes ídolos estão fazendo com que o esporte fique muito visível, muito mais popular do que ele era. Então a gente vai ter que começar a alcançar toda essa grandiosidade que o esporte está tendo no Brasil hoje. 

SURF X SKATE

O que o surf pode aprender com o skate? Vocês têm a DC no grupo e a impressão que tenho é a de que o skatista se sente muito mais representado pelas marcas do que o surfista. Alguns dizem que isso se dá porque nas grandes marcas de skate trabalham skatistas. Dificilmente você verá um CEO que venha da Coca-Cola por exemplo, diferentemente do surf. O videomaker é skatista, o fotógrafo é skatista, então, eles são totalmente nichados. Mas a impressão que a gente tem é que o skatista, o lifestyle do skate é mais livre. Tem isso?

Tem, tem. É isso que você falou. Todas as pessoas que conheço que trabalham com skate são skatistas profissionais ou já foram. No surf tem muito simpatizante, que acha legal, que quer ostentar a marca, enfim, no skate não tem isso. No skate é pura paixão, eles têm muito isso na veia deles. Então, acho que o principal fator de o skate ser o que é, é o fato de as pessoas viverem e serem apaixonadas. E não se venderem.

O que o surf mais perdeu e mais ganhou ao longo dos tempos?

Eu acho que ele perdeu um pouco dessa raiz, dessa paixão. E ganhou mais visibilidade, especialmente no Brasil. A gente vê na Austrália que o surf já está na terceira geração, aqui a gente está na primeira. Então, acho que a gente ganhou uma visibilidade, um reconhecimento que antes não tinha. Antes era um esporte marginalizado, que era só o vagabundo que estava ali na praia, e hoje não, né. Já tem pai e mãe querendo que o filho seja surfista quando crescer (risos). 

O surf é a grande paixão nacional hoje no Brasil?

Eu acho que é. A gente já tem ídolos no surf brasileiro. E eu acho que o nosso papel como marca é criar ídolos. 

Eu acho que depois do Ayrton Senna e do Guga, Gabriel Medina foi o primeiro ídolo esportista do Brasil que não é do futebol. 

Isso é demais! Eu acho que todos nós que trabalhamos com isso, em especial, quando o Gabriel ganhou, chorava que nem criança. Falava: “Isso está acontecendo? Eu não estou acreditando”. Então, com certeza, extrafutebol, Gabriel foi depois do Senna e do Guga um ídolo. Isso é motivo de orgulho para todos nós brasileiros que trabalhamos com isso, que vivemos disso, que amamos isso. 

ME AGUARDEM

A Roxy no Brasil é praticamente a chancela do surf feminino, né. Isso te dá mais força para contribuir com a cena?

Eles estão me dando essa oportunidade. O surf feminino no Brasil ainda sofre. De maneira geral, o mercado ainda sofre em vendas, mas a gente está batalhando. 

E você tem um plano, um projeto para o surf feminino?

Sim. Até pouco tempo atrás a gente tinha: “o surf feminino no Brasil não cresce”. Então o investimento era cada vez menor no marketing. Isso só vinha diminuindo e isso me deixava bem triste. Eu estava lá há oito anos. E hoje começo a ter mais liberdade, a marca começa a olhar as meninas, quem são as meninas de 11, 12 anos, que estão começando e estão indo para esse caminho. Vamos começar a apoiar de forma pequena. Então, hoje, já consigo enxergar a possibilidade de construir esse plano tão sonhado não só para a minha marca, mas para o surf feminino no Brasil. 

Então trace um cenário para a gente para um ano. O que você vai realizar para o surf feminino?

Dentro de um ano? No que eu estou batalhando muito é para que a gente consiga um evento de surf feminino. Eu espero que, dentro de um ano, a gente consiga realizar esse evento. É o que quero desde que entrei na Roxy, começo a enxergar que existe essa possibilidade, a gente vai conseguir realizar. 

E Karol, ser mãe e ser profissional, o que é mais difícil?

O que é mais difícil é unir tudo isso. Mas, com certeza, eu acho que é educar uma criança para que ela seja uma pessoa do bem, para que seja feliz, para que tenha um caminho. Educar eu acho que é a coisa mais difícil. 

O que um chefe nunca deve dizer?

Eu acho que um chefe nunca deve desmotivar, seja com palavras, seja com atitudes. Acho que um bom chefe é aquele que inspira, aquele que de alguma forma te motiva a melhorar, a crescer, mesmo com feedbacks negativos. 

E ser mulher no Brasil é?

Ser mulher no Brasil é punk. É punk, mas eu acho que a gente tem lutado e buscado o nosso caminho, conseguido se expor cada vez mais e os nossos espaços, mas é um caminho árduo ainda.

 

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Esta reportagem foi originalmente publicada na HARDCORE #333, Especial Surf Feminino, de outubro de 2017.

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