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Expressão sob Elementos: Marina Werneck

“Minha principal bandeira é unir o surf brasileiro. O girl power. Mostrar que temos sim muitas meninas com potencial”
Marina Werneck

 

Por Vivian Mesquita
Fotos Alexandre Gennari

 

Convenhamos: Qual leitor aqui não tem uma lista na ponta da língua do ideal de mulher? Digo, mesmo que esta lista não represente e-xa-ta-men-te a mulher que esteja agora ao seu lado?

E você, leitora da Hardcore, sejamos sinceras: magra, linda, bem-sucedida, bem-casada, boa mãe e sem celulite, e que de quebra surfe bem. Quem aqui não quer o pacote completo? 

Marina Werneck chega aos 30 anos celebrando novidades que ainda não podemos revelar, somadas a atuação decisiva como fomentadora do surf no Brasil e o posto de influenciadora digital. Casadíssima recentemente, Mariana está na crista onda.

Ter talento e mérito nem sempre são garantias de sucesso e grana no bolso. É! A grama do vizinho é sempre mais verdinha que a nossa. 

A HARDCORE, pelo seu editor, Adriano Vasconcellos, decidiu mexer justamente neste vespeiro, e me convidou para um bate-papo informal com Alana Pacelli, Karol Lopes, Marina Werneck e Paula Sgarbi. Trocamos a poética mesa de bar pelo estúdio de tatuagem da Paulinha na Surf & Sound, na Vila Madalena, reduto artístico e boêmio de São Paulo.

A paixão pela expressão tatuada no corpo e o esporte é o que move essas mulheres. Em tempos nos quais o empoderamento feminino é tão discutido, nosso encontro foi provocado para falar de vida real sem “mimimi”, com muita saia justa e lágrimas até. 

A intenção foi provocar, fazer pensar e, como cantava Chorão: “Eu não vim pra me explicar, eu vim pra confundir”. E assim elas vieram. 

 

PARTE III

MARINA WERNECK
30 anos, surfista, apresentadora, embaixadora do surf no Brasil

 

30 ANOS

Marina Werneck: É muito marcante. Eu não estava levando isso com tanta seriedade. Vou fazer 30 anos e vai ser uma virada realmente.

Vivian Mesquita: Eu acho que a mulher vai ficando mais completa aos 30, mais autora da própria história. Mais confiante. Autora mesmo, protagonista, é perto dos 40. E aí é uma delícia! Eu tenho 42. 

Cara, não é a primeira pessoa que me fala isso. Eu até escuto isso do meu sogro, que fala: “Ah, até os 30 anos a gente não ganha dinheiro”. A partir dos 30, querendo ou não, você teve esse tempo da sua vida para se estruturar, para se conhecer, para saber para onde você quer ir, onde vai apostar a tua energia mesmo e fazer a coisa acontecer naquele caminho que criou até ali, que decidiu que era naquela direção.

Depois dos 30, não dá mais para dizer: “Eu tenho potencial”. Depois dos 30, tem que saber o que quer. 

É a eterna descoberta, porque a gente está sempre mudando. A mudança é constante, são as únicas certezas que a gente tem na vida, a de que a gente vai morrer e a de que a gente vai continuar mudando. De hormônio, de energia. É bom que tenho no surf uma coisa que está sempre me puxando e me renovando. Isso é muito legal. 

Você podia tatuar uma árvore. Sabe que a árvore é o símbolo da vida?

Até eu já fiquei para tia. E vejo meus primos, tendo filhos, meus amigos, Filipinho, gente que cresci junto. Aí eles falam: “Aí, Ma, você está ficando para titia”. Mas eu não tenho pressa. Não quero ter filhos muito mais velha também, porque acho que perde um pouco da proximidade de ser amigos mesmo e conviver. Minha mãe me teve novinha, com 20 anos, então a gente é muito amiga, é muito legal. A gente tem amigo em comum. Gosta das mesmas coisas. Então é uma troca que é muito legal.

A FLOR DA PELE…

Paula Sgarbi: Eu gostaria de sentir algumas coisas de você. Em primeiro lugar, em que lugar do corpo você vai querer tatuar? Palavras-chaves ajudam, tipo, natureza, o momento que você está criando raízes, família.

MW: “Transmitir”, “transmutar”, não sei, de criar. Deixar um legado, sabe, de alguma maneira passar uma mensagem que marque. É difícil pensar nisso como um elemento. Tem que pensar qual elemento. 

Como você era como menina? Que menina foi?

Eu era bem molecona. Só andava no meio dos meninos, era bem do surf, queria estar no meio da molecada do surf. Eu era um deles. E acho que por ser a filha mais velha, sempre pensei assim: “Tenho que ser responsável”.

A mais velha de quantos irmãos?

Dois. Um mais novo. Na verdade, hoje sou de vários, né, porque o meu pai teve duas filhas mais novinhas. Tenho duas irmãs e dois irmãos. Mas, na infância, cresci com meu irmão que tem dois anos de diferença e outro de sete anos de diferença. Então sempre fui a mulher e a mais velha. Então queria ser a fodona, queria mostrar para eles como fazia. Eu sempre fui muito aventureira. Gostei muito de esporte, precisava gastar energia toda hora e sempre fui muito físico, relação de tocar e sentir.

A sua infância foi em qual cidade?

Em Floripa, nasci no Rio e depois fui morar em Floripa com seis, sete anos. Comecei a surfar com cinco anos, morava no Rio ainda, aí meus pais se separaram e minha mãe resolveu criar a gente na ilha de Floripa. E foi muito legal, porque acho que influencia muito o teu ambiente, né. E Floripa era um lugar totalmente diferente do Rio naquela época. Não que eu me lembre exatamente quando tinha seis anos, mas, pela minha infância, comparo com as minhas primas que viveram mais no Rio e uma delas ainda seguiu carreira de atleta. A gente tem isso em comum. Ela foi da seleção brasileira de nado sincronizado. Mas, assim, era um ambiente diferente. Floripa é um Rio pequenininho, só que com mais natureza, era todo mundo mais solto. Saía da aula, me juntava com os meninos e falava: “Vamos surfar!”. Não tinha tanta menina surfando naquela época e aí eu ia com a galera, não queria nem saber. Não diferenciava, até certa idade.

Você está com vontade de chorar? Está se emocionando, né? A sua voz está embargando. Chora, tudo bem!

É, não sei porquê…

Tudo bem! Que bom! Deixe vir. A impressão que eu tenho é por que essa ilha foi muito importante, né?

É, eu criei muitas raízes lá! Ao mesmo tempo que mantive as minhas raízes do Rio. Eu meio que sempre fui parte dos dois e ficava na dúvida, falava: “Na verdade, sou do mundo, de qualquer lugar que conectar às minhas raízes”. Mas, onde a gente cresce acho que é onde cria relações mais íntimas. Porque, querendo ou não, tem a família, mas é um lugar que não é da origem da sua família. Então, acaba criando uma nova família, de amigos e uma relação em um ambiente novo em que você se entrega.

Muito bem. Eu acho que você vai sair com uma tatuagem maravilhosa daqui. Você está bem a flor da pele… 

É que tem tanta coisa acontecendo. Eu falei: “Nossa, eu vou me tatuar”. E a gente falando de várias coisas. Nem é medo, é mais a transformação mesmo.

[Marina se emociona, acontece uma pausa…]

EMBAIXADORA DO SURF NO BRASIL

Você acaba de ingressar na Hurley Internacional, é patrocinada pelo Guaraná Antártica, é assessorada pela equipe do Neymar. E ainda tem novidades que não pode contar?

(Risos) Eu venho buscando essa posição para o surf feminino há alguns anos, desde que me dediquei como competidora, vivi o Circuito Mundial e todo o processo de crescimento e amadurecimento como atleta, até que o momento do surf no Brasil, principalmente, me levou para um novo caminho. Eu tive que tomar uma decisão numa época muito difícil, tive que parar de me dedicar, parar de competir e seguir um caminho novo como freesurfer. E decidi que queria ser a maior freesurfer do Brasil e levar isso para o mundo. Na competição você fica mais egoísta, porque fecha um foco nos seus resultados, defendendo o teu título ou fica em busca dele. Quando parei de competir, me permiti ver o surf como um todo: o que ele realmente significava para mim. Comecei a ver que as pessoas me reconhecem, não porque ganhei um título, mas porque sou eu. Dedico a minha vida ao surf e consigo expressar isso. Às vezes, recebo mensagens de pessoas dizendo que se inspiraram em mim para começar a fazer algo, a surfar. Todo mundo reclama do cenário, lamenta muito. Realmente, a situação no Brasil durante muitos anos é até o motivo pelo qual eu parei de competir. A falta de incentivo, de eventos, de empresas investindo e também da gente ter uma postura mais profissional. Eu comecei a observar isso e a pensar como poderia ser a melhor profissional, me cercar de pessoas melhores.

Você tem se esforçado para transformar essa realidade?

Quando decidi produzir um evento de surf feminino na Praia do Forte, na Bahia, no ano passado, fazia oito anos que a gente não tinha evento de nível internacional no país e que fosse um evento de peso que fizesse todo mundo voltar a acreditar que a gente tem uma cena aqui no Brasil. Entrei junto com a galera que estava fazendo os eventos, fui na WSL e falei: “Eu tenho toda a entrada, cresci no meio de todo mundo que está à frente da WSL hoje na América do Sul e fiz parte como competidora. Então, eu, como parte da liga e da associação, me sinto na obrigação de trazer de volta para o surf feminino tudo o que conquistei. Quero fomentar o esporte, mostrar que a coisa está cada vez mais profissional, e quero trazer isso para o Brasil de volta. Hoje, o nível de performance, de reconhecimento, premiação, o espaço na mídia é muito equilibrado e reconhecido. Todo mundo fica para assistir as meninas surfarem, elas estão quebrando muito. Está na hora da gente ter essa realidade aqui. Está na hora.

Por que não temos?

Porque falta união, falta uma atitude de, ao invés de lamentar, se unir e fazer acontecer.

Você acha que as meninas reclamam muito, se vitimizam?

Eu acho que as meninas acabam se vitimizando, com os seus motivos, ao invés de pegar essa gana, essa resiliência e se unir. Vamos fazer uma liga nossa, ou vamos fazer uma associação. Ou vamos fazer eventos independentes e mostrar o poder que a gente tem de realizar. Vamos transformar o cenário, fazer uma revolução. Teve um momento em que se falava: “Ah, mas o surf feminino no Brasil hoje não existe. Será que vem as meninas para o evento? Será que no mínimo 30 meninas vêm?”. E é isso, eu comecei a ficar mais próxima do pessoal que realiza evento, movimentei mais as meninas e comecei a ver uma união das pessoas. A galera falava: “Ah, vai acontecer o evento, mas pô, lá na Praia do Forte, na Bahia, longe pra caramba!”. Gente, não tinha campeonato e estava todo mundo reclamando. Agora vamos ter um campeonato de nível mundial em casa e a gente não vai se movimentar, se unir? Consegui transformar em uma realidade e agora quero ver vocês aqui. Eu quero todo mundo. 

Marina, você é uma pessoa difícil de receber “não” como resposta? 

Sou. Ainda mais porque acho que tem que ter um motivo. “Porque não” não existe. Então, sim, tudo tem que ser “sim”.

Qual será o seu grande desafio como fomentadora do esporte, atuando como dirigente mesmo, produtora de eventos?

Ganhar espaço como mulher, porque ainda é um ambiente muito machista. Por mais que eles tenham a visão de querer potencializar o surf feminino, a raiz ainda tem um ranço, aquela coisa. Só que eles já despertaram a visão do quanto eles querem potencializar o surf feminino e de quanto é poderoso, diferente dos homens e o quanto agrega. 

E qual principal bandeira você vai levantar? 

A minha principal bandeira é unir o surf brasileiro. É o girl power. Mostrar que temos sim muitas meninas com potencial. As meninas são profissionais e, quando não são, elas estão dispostas a se polir, a se profissionalizar e a se dedicar. Eu quero provar que a gente tem potencial de ter uma campeã mundial e dar suporte para isso. Eu acho que a gente não tem problema assumir isso, que a galera não está unida e preparada, mas tem muita gente que já se encontrou e que se reconhece como uma potência. A gente tem condições hoje como uma potência de surf mundial de criar esse cenário, de que o mercado feminino tenha o seu diferencial. Não adianta querer disputar um pedacinho do bolo que a gente tem, ficar disputando entre a gente. Vale a gente se unir e crescer o nosso bolo. 

O PRIMEIRO TÍTULO MUNDIAL

Silvana Lima será a nossa primeira campeã do mundo? 

Acredito muito na Silvana e o momento dela é agora. Dou os próximos três anos para ela conquistar esse feito. 

O que vai mudar quando isso acontecer? 

Eu acho que com certeza vai mudar, principalmente na atitude de todos. Como quando o Gabriel ganhou o título. E se ele ganhou, nós também somos capazes.

Um campeão não se faz só dentro d’água, se faz muito fora dela, porque ele é um formador de opinião. Qual é o perfil de uma campeã mundial de surf?

É uma pessoa que permite polir-se. Você tem que buscar pessoas que vão te ajudar a chegar lá. Sozinho é muito difícil de ser um grande campeão ou uma grande campeã, sem um time por trás, sem uma estrutura. O discurso será natural, vai estar preparada para falar como uma campeã. 

A Silvana está? 

Agora eu acho que é o momento que ela está preparada. Na minha opinião, ela ainda não ganhou um título porque ela não estava preparada para ser uma campeã. Falta de ter alguém lá atrás que pressionasse, uma base de apoio, um media training. A Stephanie Gilmore é para mim um super modelo de campeã, porque ela não deixa que explorem o seu corpo como produto, é natural, ela tem graça, tem estilo e uma força. Ela é agressiva, ao mesmo tempo que é feminina. E ela, sim, está numa capa da Vogue.

E AGORA, VAMOS TATUAR?

Eu estou conversando com você e estou vendo gesticular o tempo inteiro. Preciso te dizer que a tatuagem vai ficar linda. Mas é uma decisão muito particular, muito individual. O que está te fazendo pensar em não fazê-la?

Ah, o tamanho dela. O impacto que ela  gera nesse lugar, que eu acho bem forte. O quanto ela mexe comigo, é bom ter, porque eu estou me relacionando. Tive opiniões externas. Quando fiz a minha outra tattoo, eu nem queria saber a opinião de ninguém. Hoje fui lá e perguntei para a minha mãe, meu marido. Falei: “O que vocês acham? Curti pra caramba”.

A gente ainda se deixa influenciar e se importa muito com as opiniões externas, né? A gente se sente pressionada… 

Tem, tem uma pressão, mas a gente quer se expor de uma maneira que acredita naquilo. Mas, para mim, também é muito difícil ligar o “foda-se” e falar que não estou nem aí. Para várias situações é necessário e a gente tem que aprender a se posicionar, isso é uma coisa muito importante. Você assumiu e vai lidar com as consequências da sua maneira. Não é fácil, mas é necessário. 

Qual é a melhor surfista brasileira nas ondas ou fora das ondas?

Algumas me vieram à cabeça: Maya Gabeira, Claudia Gonçalves, Andrea Lopes. Acho que tem mulheres que representam de formas diferentes o surf fora d’água. Mas principalmente quem vem à minha cabeça é a Maya e a Claudinha, porque elas se posicionam muito bem, elas sabem bem para onde elas querem ir. Elas têm um discurso confiante de quem são. Até com os conflitos pessoais, elas sabem lidar com isso. 

Qual é seu maior sonho?

Eu estou vivendo ele.

Você vai fazer a tatuagem?

Boa pergunta (risos).

[Marina acabou não tatuando nesse dia, mas prometeu voltar.]

[O detalhe, é que ela já tem uma tatuagem feita pela Paula Sgarbi, ganhou segurança para tomar a decisão e foi apoiada por todos.]

MW: Disso vai surgir algo novo, em um próximo momento. Mas é a raiz dela, é a semente. 

Paula Sgarbi: Da mesma maneira que a tatuagem em si é uma atitude, optar por não fazer também é uma atitude. Muito mais forte.

MW: É muito mais fácil fazer e muito mais difícil não fazer. Para mim, valeu muito tudo isso, porque dessa vão brotar mais coisas.

 

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Alana Pacelli

Karol Lopes

Paula Sgarbi

 

Esta reportagem foi originalmente publicada na HARDCORE #333, Especial Surf Feminino, de outubro de 2017.

 

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