O peixe tem a reputação de ser um dos alimentos mais saudáveis que podemos comer. Contudo, a crescente disponibilidade de alternativas baseadas em vegetais e as crescentes preocupações sobre a sustentabilidade dos oceanos levaram a novos questionamentos sobre esse alimento.
Desde 1974, relata a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, os estoques de peixes dentro de níveis biologicamente sustentáveis caíram de 90% para pouco menos de 66% atualmente.
Enquanto isso, as preocupações com o mercúrio e outros poluentes encontrados no pescado, cada vez em maior quantidade, significam que mulheres grávidas ou amamentando, por exemplo, devem limitar o consumo de algumas espécies.
Comer peixe traz mais benefícios ou riscos à saúde?
Metal pesado
Nas últimas décadas, uma das maiores preocupações sobre o consumo de peixes tem sido os níveis potencialmente prejudiciais de poluentes e metais encontrados em sua carne.
Uma preocupação são os bifenilos policlorados (PCBs). Embora tenham sido proibidos na década de 1980, esses produtos químicos industriais foram usados em grandes quantidades em todo o mundo e ainda permanecem em nosso solo e em nossa água.
Eles são associados a uma série de efeitos negativos à saúde, desde o sistema imunológico ao cérebro.
Embora os PCBs estejam presentes em tudo, de laticínios à água potável, os níveis mais elevados tendem a ser encontrados nos peixes.
A solução para limitar a ingestão de PCBs de peixes pode ser contra-intuitiva, diz Johnathan Napier, diretor de ciências da Rothamsted Research em Hertfordshire, Inglaterra:
“O possível problema do acúmulo de compostos tóxicos tende a ser mais preocupante para as espécies selvagens capturadas para consumo humano direto”, diz o especialista.
Como os ingredientes de origem marinha com que os peixes de viveiro são alimentados são limpos ou esfregados para remover as toxinas, os peixes de viveiro geralmente são mais seguros do que os selvagens.
Contudo, embora geralmente sejam vistos como melhores para a nossa saúde e o meio ambiente, a aquicultura em grande escala tem seus próprios problemas.
Entre eles, a poluição dos oceanos com resíduos poluentes e o fato que podem se tornar criadouros de doenças que podem se espalhar pela natureza.
Com efeito, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) recomenda que mulheres grávidas e amamentando limitem a ingestão de espécies de peixes com maior probabilidade de conter PCBs, bem como outros poluentes, a duas porções por semana.
Essa lista inclui peixes oleosos, como salmão e sardinha, bem como peixes não oleosos, como o robalo. Uma porção é de cerca de 140g.
Além disso, frutos do mar, como caranguejos devem ser evitados nesse período.
A questão do Mercúrio
Outra preocupação é o mercúrio, uma neurotoxina que pode passar pela placenta e afetar o desenvolvimento infantil.
Existem inúmeras ligações entre a ingestão de mercúrio e câncer, diabetes e doenças cardíacas.
Embora o mercúrio possa ser encontrado em outros alimentos, como vegetais, um estudo descobriu que 78% da ingestão de mercúrio dos participantes veio de peixes e frutos do mar.
Nos peixes, os níveis de mercúrio são altos o suficiente para que a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA recomende que as gestantes limitem a ingestão de alguns peixes populares, como o atum, a uma porção por semana.
Mas as preocupações com o acúmulo de metais pesados nos peixes foram exageradas, diz Napier.
O especialista afirma que este é, de fato, um problema apenas quando se trata de espécies que vivem por um período particularmente longo – como o peixe-espada, que pode viver de 15 a 20 anos.
O peixe-espada, dessa forma, tem uma concentração de mercúrio de 0,995 PPM, enquanto o salmão, que vive em média de quatro a cinco anos, tem cerca de 0,014.
Enquanto a pesquisa ainda está em andamento, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos atualmente afirma que, para mulheres grávidas, a concentração média de mercúrio mais alta permitida por porção por semana é de 0,46 PPM.
Mas o problema deve piorar, pois há evidências que sugerem que os níveis de mercúrio encontrados no oceano podem aumentar à medida que o planeta aquece.
Pesquisas descobriram que, conforme o gelo do ártico derrete, libera o mercúrio que estava preso no solo congelado para dentro dos cursos d’água.
Contudo, embora o mercúrio represente um pequeno risco, Napier diz que há muito mais a ganhar com os peixes – especialmente o ômega 3 marinho.
Ácidos graxos e seus benfícios
O consumo de peixes oleosos, incluindo salmão, atum, sardinha e cavala, tem sido associado a um menor risco de doenças cardiovasculares, graças aos seus ácidos graxos ômega 3 marinhos, ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA).
Algumas fontes vegetais de ômega 3, como sementes de linhaça e nozes, são ricas em um terceiro tipo – ácido alfa-linolênico (ALA).
Um estudo de 2014 concluiu que os benefícios do ômega 3 à base de plantas para a saúde cardíaca podem ser comparáveis ao EPA e DHA, mas ainda não há pesquisas para comprová-lo.
No entanto, você pode encontrar EPA e DHA em suplementos de algas e em algas comestíveis.
“Tanto o EPA quanto o DHA desempenham uma infinidade de papéis importantes no metabolismo humano, mas não podemos torná-los muito eficazes em nossos corpos, por isso é muito importante tê-los como parte de nossa dieta”, diz Johnathan Napier.
O DHA é abundante em nossos cérebros, retinas e outros tecidos especializados. Junto com o EPA, ajuda a combater a inflamação no corpo, que está associada ao maior risco de doenças cardíacas, câncer e diabetes.
“Os dados populacionais que analisam os efeitos do ômega 3 marinho na saúde são consistentes e fortes e mostram que as pessoas com uma maior ingestão de EPA e DHA têm um risco menor de desenvolver doenças comuns, principalmente doenças cardíacas, e morrer delas”, diz Philip Calder, chefe de desenvolvimento humano e saúde da Universidade de Southampton na Inglaterra.
Uma maneira de evitar danos potenciais da exposição ao mercúrio e ainda obter ômega 3 é tomar suplementos de óleo de peixe.
No entanto, uma pesquisa realizada recentemente em nome da Organização Mundial da Saúde (OMS), analisando os suplementos de ômega-3 em uma gama de resultados de saúde, descobriu que eles não têm o mesmo efeito quando ingeridos através de peixes oleosos.
“Nossos corpos estão adaptados para metabolizar alimentos inteiros, em vez de uma única dose de um nutriente ou ingrediente específico”, diz Napier.
“Nossas descobertas sugerem um efeito benéfico muito pequeno (em termos de redução do risco) de morte por doença coronariana”, acrescenta Lee Hooper, acadêmica da University East Anglia e uma das pesquisadoras do estudo da OMS.
Cerca de 334 pessoas teriam que tomar suplementos de ômega-3 por quatro ou cinco anos para que uma pessoa não morresse de doença coronariana, diz ela.
Mas há um problema com estudos populacionais como o de Hooper. Embora alguns peixes oleosos, como a sardinha, não sejam relativamente caros, o peixe geralmente é associado a uma dieta mais cara.
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É amplamente aceito que o status socioeconômico afeta os resultados de saúde – então é possível que as famílias que comem mais peixe também tenham rendas mais altas e estilos de vida mais saudáveis em geral.
Normalmente, os pesquisadores levarão em consideração esses fatores de confusão, diz Calder, mas eles podem não pensar em tudo que poderia distorcer os resultados de um estudo.
O relatório da OMS foi uma revisão de 79 estudos, cada um com diferenças em como controlaram o status socioeconômico dos participantes.
Mas os ensaios de intervenção, nos quais as pessoas são aleatoriamente designadas a um grupo e uma intervenção, como tomar suplementos de ômega-3, são medidos, também têm problemas.
Analisar os impactos potenciais à saúde da deficiência de EPA e DHA, por exemplo, é difícil, diz Calder, porque as pessoas começam testes com níveis variados de ômega-3 em seus sistemas.
Além disso, a pesquisa mostra que os peixes podem impactar a saúde de todos em vários graus, dependendo de quão bem eles podem converter formas precursoras de EPA e DHA.
Essa diferença pode se resumir à dieta geral e ao estilo de vida de uma pessoa, diz Calder, mas as diferenças genéticas também podem ter influência.
Outra razão pela qual os benefícios dos peixes para a saúde podem variar é a forma como os peixes são criados.
Os ecossistemas marinhos estão cheios de ômega-3: os pequenos peixes comem plâncton marinho e são comidos por peixes maiores, e, assim, toda a cadeia alimentar passa o ômega-3 para os humanos.
Mas o sistema é diferente nos casos de peixes criados em viveiros, que são amplamente consumidos.
“Em uma fazenda de peixes, são apenas milhares de peixes em uma gaiola consumindo o que o criador lhes dá ”, diz Napier.
Como fariam na natureza, os peixes cultivados normalmente são alimentados com espécies menores de peixes.
Na natureza, entretanto, os peixes comem uma variedade de peixes menores. Nas fazendas, os peixes geralmente são alimentados com farinha de peixe feita de anchovas peruanas.
Mas essas anchovas já estão sendo pescadas no nível máximo em que a indústria pode ser sustentada, Napier diz – mesmo com a expectativa de que a aquicultura global continue crescendo.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a crescente demanda por suplementos de óleo de peixe significa que este produto está diminuindo.
Ou seja, a quantidade de ômega-3 nos peixes que consumimos também está diminuindo.
“Existem níveis finitos de óleos de peixe ômega que saem do oceano a cada ano – isso é tudo que temos”, diz ele.
“Se a aquicultura está se expandindo, mas o insumo mais importante que você precisa colocar na dieta das pessoas, o óleo de peixe, é completamente estático, você está diluindo a quantidade que é dada aos peixes”, complementa.
O especialista cita uma pesquisa de 2016, que descobriu que os níveis de EPA e DHA em salmão de viveiro diminuíram pela metade ao longo de uma década. “Mesmo assim, o salmão cultivado ainda tem mais ômega-3 do que o salmão selvagem”, esclarece.
“O salmão selvagem nada através do Atlântico; é um animal magro. Não está engordando porque está queimando tudo o que consome ”, diz ele.
Alimento para o cérebro
Além do ômega-3, o peixe possui outros nutrientes benéficos, incluindo o selênio, que protege as células contra danos e infecções; iodo, que favorece a manutenção de um metabolismo saudável; e proteína.
O peixe é aclamado como “alimento para o cérebro”. Um estudo recente sugere que isso não se deve apenas ao seu conteúdo de ômega-3 – embora estudos também tenham encontrado uma ligação entre o ômega-3 e o declínio cognitivo mais lento.
Os pesquisadores compararam os volumes do cérebro em pessoas que consumiram peixe com aquelas que não consumiram e descobriram que peixes assados ou grelhados estão associados a maiores volumes de matéria cinzenta, independentemente dos níveis de ômega-3.
Esses estudos apontam para o fato de que comer peixe assado ou grelhado está associado a maiores volumes cerebrais
“Nossos volumes cerebrais mudam com a melhora da saúde e das doenças. Quanto mais neurônios você tem, mais volume cerebral você tem ”, diz Cyrus Raji, professor assistente de radiologia e neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Washington.
Os pesquisadores compararam os hábitos alimentares de peixe e exames de ressonância magnética de 163 participantes que estavam em seus 70 anos, em média.
Eles descobriram que, em comparação com os participantes que não comeram nenhum peixe, aqueles que comeram peixe em uma base semanal tinham volumes cerebrais maiores – principalmente em seu lobo frontal, que é importante para o foco, e em seus lobos temporais, cruciais para a memória, aprendizagem e cognição.
A relação entre os peixes e o cérebro pode se resumir ao fato de os peixes terem um efeito antiinflamatório, diz Raji, porque quando o cérebro responde para reduzir a inflamação, ele pode afetar as células cerebrais no processo.
“Isso significa que você pode melhorar a saúde do cérebro e prevenir a doença de Alzheimer com algo tão simples como o consumo regular de peixe”, diz Raji.
Para tornar o cérebro o mais resistente possível à demência, Raji aconselha começar a comer peixe pelo menos uma vez por semana quando você estiver na casa dos vinte ou trinta anos.
Ainda assim, não há pesquisas robustas o suficiente para sugerir que pessoas que comem peixes regularmente sejam mais saudáveis do que aquelas que não consomem esse alimento.
Calder, todavia, é enfático ao afirmar que o ômega-3 promove a saúde e reduz o risco de doenças.
“No entanto, os debates sobre sustentabilidade do consumo em massa de peixes para os oceanos provavelmente se concentrarão em soluções para isso – como cultivar algas e colher óleo ômega-3, em vez de mais peixes”, diz Calder.
Os consumidores podem ajudar escolhendo as espécies de peixes mais sustentáveis disponíveis.
Guias como o da Marine Conservation Society mostram quais peixes são os mais indicados, incluindo, felizmente, espécies populares como salmão de viveiro, camarão, bacalhau, cavala, mexilhões e ostras de cultivo.
Fonte: BBC Londres