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Pan-American Soul: A Despedida do Pacífico

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oram quase 15 mil quilômetros percorridos ao longo do Oceano Pacífico desde que deixei a Califórnia, em agosto passado. Na Costa Rica, Panamá e Colômbia surfei também no Atlântico, mas na grande maioria dos dias vi o sol se pôr no mar. Dar adeus ao Pacífico não poderia ter acontecido de uma maneira mais emocionante. Na mesma sessão de despedida, surfei uma das maiores ondas da inteira jornada e tomei o caldo mais pesado também. Foi um daqueles dias que irei lembrar para sempre.

Texto e fotos Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE

 

Respeitando um pedido educado de um surfista local, não irei nomear aqui o pico onde peguei minha última onda da viagem no Pacífico. Não acho que, nesse caso, mencionar o nome ou não faça alguma diferença. A onda já é bem conhecida e em alguns dos dias que passei ali cheguei a contar mais de 20 surfistas na água. Mas entendo o lado do local. Tendo sorte, ainda é possível dividir as ondas com um número muito menor de pessoas. Ajudado pelo fato de estar hospedado bem próximo ao pico, e, portanto, checando a mudança das condições em tempo integral, foi o que aconteceu comigo.

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Mas antes de dar os detalhes, deixa eu voltar à parada anterior, Pichilemu, onde realmente caiu a ficha do que significava deixar o Pacífico para trás. Mais que tudo uma conquista pessoal, pois eu senti que se a viagem se encerrasse ali eu já estaria satisfeito, com a missão a que eu me propus cumprida. 

 

…da janela do abrigo no barranco…

 

Não que não faltasse ainda uma boa quilometragem, mais de 4 mil, para aportar em minha casa, no Brasil. Mas os desafios até aquele momento haviam sido tantos, de sucessivos perrengues mecânicos e financeiros, passando por uma dificuldade inicial de surfar as ondas pelas quais ia passando como gostaria, que, em alguns momentos, eu duvidei que iria conseguir.

Há 35 anos, Pichilemu havia sido o pico mais ao sul na rota executada. Dessa vez meu plano era ir um pouco mais adiante, mas no mínimo até o mesmo ponto. Quando vi a placa na entrada da cidade dando boas vindas aos surfistas visitantes, soquei o ar comemorando. Muito bom, um golaço.

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Para completar, fui recebido com hospitalidade vip. Ulises Zacarias, um dos melhores fotógrafos de surfe do Chile, de quem havia me tornado grande amigo via Instagram – e mais ainda após o conhecer pessoalmente – providenciou para os primeiros dois dias uma suíte no Hotel Alaia, o melhor da cidade, cortesia da casa. Me instalaram num quarto para lá de confortável, com uma vista espetacular para as “duas tetas”, o icônico par de pedras que marcam a onda mais famosa do país, Punta de Lobos.

De longe…

Não só tive o imenso prazer de surfar boas ondas, como também a alegria de reencontrar, logo no meu primeiro dia em Pichilemu, com Lucho Guaton, o salva vidas, hoje aposentado, que me apresentara a Punta de Lobos mais de três décadas atrás. Recordo com se fosse hoje que surfei apenas de short john, a única roupa de borracha que trazia, na água congelante de maio. Do barranco, Mila, minha mulher que se juntara a mim em Lima, no Peru, e Lucho testemunharam que o único ser a me fazer companhia no mar naquele dia não era humano. Um lobo marinho me acompanhou, deslizando ao meu lado, em todas as ondas que peguei.

Muito bem alimentado no restaurante nota dez da Ruka Antu Eco Lodger

Após uma semana em Pichilemu, voltei à estrada sozinho, apesar de ter combinado com Ulises de ter sua companhia e de mais dois surfistas locais. A intenção era conferir um pico mais ao sul que ele sugeriu que eu conhecesse. No dia combinado para partimos, Ulises teve uma emergência familiar e não pode vir. Mas novamente providenciou um lugar especial para minha estada, onde fui muito bem acolhido, o Ruka Antu Ecolodge.

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Poder interagir com o mar é uma dádiva e nós surfistas somos verdadeiros privilegiados nesse sentido. O dia em que me despedi do Pacífico amanheceu com uma neblina forte impedindo a visão da praia, mas eu sabia que as ondas não estavam boas pois o vento soprava do norte, a direção oposta à desejada. Aproveitei a manhã para dar mais uma conferida pela internet nas opções de rota para cruzar os Andes. A boa notícia é que as duas passagens fronteiriças mais próximas de onde eu me encontrava haviam sido reabertas, após vários dias fechadas devido a uma forte nevasca.

Um pouco depois do horário do almoço, o vento começou a diminuir de intensidade, até cessar completamente. A visibilidade do pico agora era total, com o sol brilhando no horizonte e o que eu podia enxergar era uma série entrando atrás da outra, com o tamanho das ondas aumentando substancialmente. A impressão era de que o swell de 6 a 10 pés previsto para o dia seguinte havia se adiantado. E não havia ninguém na água ainda.

 

A bike elétrica facilitou ser um dos primeiros no mar no melhor momento do swell.

 

Me apressei ao máximo na luta contra a roupa de borracha. Finalmente vestido, acelerei a bike elétrica ladeira abaixo e cortei caminho pelo areião, até estacionar junto ao costão de pedras por onde se entra no mar. Apenas um outro surfista havia sido mais rápido e já se encontrava no outside. Quando pulei na água, ele veio descendo uma onda e passou bem à minha frente. Remei para me posicionar e um lobo marinho veio dar um oi. Agora éramos só nós dois ali.

Não precisei aguardar muito e a série entrou. Acho que fui na terceira onda, que abriu mais pra fora das pedras sem chupar tanto na bancada. Pelo menos de princípio, pois quando fiquei de pé ela deu aquele sugadão e cresceu enorme à minha frente. Muito, mas muito maior do que eu imaginava que o mar estava. Era um morra, daquelas que disparam a adrenalina a milhão, e que foi se contorcendo em bowls, seção após seção. 

 

 

A prancha que eu havia escolhido para surfar certamente não era a mais apropriada para aquele volume e força de água, mas assim mesmo eu pude completar a onda até a beira. Não fiz nenhuma manobra excepcional e nem atrasei o suficiente para entubar de verdade. Nas três oportunidades que tive, fiquei apenas na boca de magníficos tubos verdes esmeralda, mas deixando a prancha correr quando senti que o vórtex translúcido se aproximava por trás. Assim mesmo sai d’água me sentindo na lua.

Caminhei pela praia em direção ao point novamente. Mais dois surfistas no outside. Outros nas pedras. Repeti o mesmo trajeto, inclusive encontrando um lobo marinho de novo, só não sei se era o mesmo. Mas dessa vez o resultado foi bem diferente. Com o mar crescendo, entrou a série que depois foi comentada como a maior do dia. Segundo o fotógrafo local, com ondas de “três a quatro metros”. 

 

Se vacilar, a onda chupa de volta e ai é aguentar o tranco.

 

Bom, a primeira delas me pegou mais para dentro do que eu deveria estar e quando eu achei que já havia passado para o outro lado da parede, o lip me sugou de volta. Enquanto descia cachoeira abaixo, o filme dentro da minha cabeça passou a rodar em câmera lenta e, estranhamente, ao invés de desespero, me veio um pensamento bem claro de que o melhor era ficar tranquilo. Essa primeira onda, a mais violenta, eu sobrevivi de boa. Foram as seguintes que me assustaram bem mais. Parecia que a surra não ia terminar nunca. 

Saí na areia, muito lá embaixo, completamente moído, mas assim mesmo decidi voltar para mais uma onda. Só para não ir embora traumatizado. Peguei uma menor, quase não consegui ficar em pé direito, travado pelo cansaço, pelo frio e pela roupa de borracha. De novo na areia, dei o meu surfe no Pacífico por encerrado. Naquela tarde, e no dia seguinte pela manhã, o mar se encheu de surfistas. Preferi ficar só assistindo. As ondas baixaram rápido. As duas maiores séries do swell haviam entrado bem quando eu estava na água. Uma eu peguei, a outra me pegou. Não poderia ter sido melhor. Fui literalmente despachado do Pacífico em grande estilo e apontei minha van em direção aos Andes. Próxima parada, Oceano Atlântico.

Acompanhe a rota de Pan-American Soul pelo @panamericansoul2022.

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* Nesta seção, o Editor Especial da HARDCORE, Adrian Kojin, traz com exclusividade os diários da sua road trip Pan-American Soul 2022, da
Califórnia até o Brasil. 

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