“Cada experiência mostra o momento de cada uma. Como se reage a uma tatuagem é a maneira como a gente reage a vida.”
Paula Sgarbi
Por Vivian Mesquita
Fotos Alexandre Gennari
Convenhamos: Qual leitor aqui não tem uma lista na ponta da língua do ideal de mulher? Digo, mesmo que esta lista não represente e-xa-ta-men-te a mulher que esteja agora ao seu lado?
E você, leitora da Hardcore, sejamos sinceras: magra, linda, bem-sucedida, bem-casada, boa mãe e sem celulite, e que de quebra surfe bem. Quem aqui não quer o pacote completo?
A artista Paulinha Sgarbi tem os traços e linhas mais cobiçadas do universo feminino da tatuagem.
Ter talento e mérito nem sempre são garantias de sucesso e grana no bolso. É! A grama do vizinho é sempre mais verdinha que a nossa.
A HARDCORE, pelo seu editor, Adriano Vasconcellos, decidiu mexer justamente neste vespeiro, e me convidou para um bate-papo informal com Alana Pacelli, Karol Lopes, Marina Werneck e Paula Sgarbi. Trocamos a poética mesa de bar pelo estúdio de tatuagem da Paulinha na Surf & Sound, na Vila Madalena, reduto artístico e boêmio de São Paulo.
A paixão pela expressão tatuada no corpo e o esporte é o que move essas mulheres. Em tempos nos quais o empoderamento feminino é tão discutido, nosso encontro foi provocado para falar de vida real sem “mimimi”, com muita saia justa e lágrimas até.
A intenção foi provocar, fazer pensar e, como cantava Chorão: “Eu não vim pra me explicar, eu vim pra confundir”. E assim elas vieram.
PARTE IV
PAULA SGARBI
27 anos, artista, fotógrafa, tatuadora
EU TE ENTREVISTO, VOCÊ ME TATUA
Vivian Mesquita: Vamos embora então. Como você escolhe a agulha que você vai usar? Pelo tamanho?
Paula Sgarbi: Pelas espessuras das linhas. O meu trabalho pega muito no contraste de linhas, esse é o ponto que alguns artistas não percebem.
A fotografia te levou para o desenho e o desenho te levou para a tatuagem?
Mais ou menos. Eu comecei querendo fazer Design de Moda, gostava muito de desenhar roupas. Mas entrei na faculdade e quase morri, saí correndo, o mercado da moda não era o que eu buscava. O que buscava na moda era a parte criativa, o lado da arte. Estudei em uma escola em Singapura ministrada por chineses. E a raiz do chinês é aquela coisa, produção em massa, sabe, em larga escala, indústria, superprodução. Mesclou com essa coisa da alta costura europeia, da moda e do Fashion Week e vi que não era esse o caminho que queria seguir. Aí saí do curso depois de seis meses e mudei para comunicação de moda, para não perder o curso que estava fazendo fora do Brasil, que era para ter jornalismo, e gostava muito de fotografia. Posso começar enquanto eu falo?
Pode.
Vamos lá então.
Tem muitos anos que eu não sinto essa dor. A dor da tatuagem…
Quando foi a última vez?
Ah, tem uns 18 anos.
Vamos lá?
Bora! Não aguenta, por que veio? (risos)
CRIATURAS E CRIADORA
Você viveu aqui quatro experiências diferentes. Tatuou uma nave espacial com um anzol, capturando uma sereia na Alana; o sol com free hand na Karol; e você fez um desenho visceral para a Marina que não se tornou real. Eu queria que você falasse um pouquinho dessas quatro experiências que passaram nas tuas mãos…
Acho que cada experiência mostra o momento de cada uma. A maneira como reage, em todo os sentidos, a uma tatuagem, é a maneira como a gente reage à vida. Momentos que tiram a gente da zona de conforto. A gente precisa reagir de alguma maneira.
ALANA
PS: A Alana teve uma atitude muito crazy, a ideia dela foi muito além. Um quebra-cabeça. Eu não imaginava que fosse tatuar uma nave espacial. É o que ela fala sobre o corpo, a mesma maneira que ela expõe o corpo, que foi uma coisa discutida na entrevista dela, ela fez a tatuagem, sem se importar…
KAROL
PS: A Karol, em relação a segurança que ela já tem, em relação ao mercado, ao trabalho. Ela já estava para fazer essa tattoo há muito tempo, então estava muito tranquila, trocando ideia com você e nem viu passar…
MARINA
PS: A Marina está vivendo uma coisa de muitos estímulos, muita coisa para pensar, muita coisa para resolver, muita decisão. Acho que a decisão de fazer a tatuagem calhou nesse momento da vida, de resolver, tomar atitudes. Calma! O fato de não fazê-la trouxe uma pausa. Um respiro.
Eu acho que você, Vivian, como eu, está absorvendo tudo, porque nós estamos na mesma posição de lidar com as três, Alana, Marina e Karol. Essa é a magia. Eu acho que, por eu ter uma busca mais profunda na tatuagem, cada experiência foi um detalhe.
NICE TOO MEET YOU
Você já foi entrevistada tatuando a entrevistadora?
Não (risos).
Você recomenda?
Muito. Com essa entrevistadora, sim.
ELEMENTOS
VM: Gratidão. Eu saio dessa oportunidade (porque não posso chamar essa matéria de trabalho) grata, feliz, forte e tatuada! Que presente. Sou a mais vivida de todas e me despeço delas mais aluna que professora.
Quando se escolhe experimentar, criar situações, a gente colhe os resultados das escolhas. O poder da escolha faz com que cada um crie o próprio destino. Alana, Karol, Marina e Paulinha criam e recriam seus destinos diariamente porque entenderam, cada uma a seu modo, que viver não tem manual, não tem roteiro, não tem edição.
Se fossem os quatro elementos da natureza, Alana seria o mar, Karol o sol, Mariana o vento e Paulinha o fogo. Cada uma com a sua especificidade, todas juntas, a certeza de sermos mais humanas e menos deusas.
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Esta reportagem foi originalmente publicada na HARDCORE #333, Especial Surf Feminino, de outubro de 2017.