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sexta-feira, 26 abril, 2024
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Diário Habaiano 7

Texto Julio Adler / Fotos ASP/Kirstin

Gigante que é o barato

Quem consegue dormir sabendo que no dia seguinte terá Pipe com mais de 12 pés?
Acordava de duas em duas horas, quicando, achando que o sol já tinha nascido, ansioso pra ver a rainha das ondas em todo seu esplendor.
Rumores espalhavam-se no dia anterior que talvez as ondas estariam grandes demais para o campeonato.
Como assim, grande demais?
Estamos no Havaí, onde tudo é em tamanho gigante, cafés, barrigas, carros e seios, é suposto que aqui gigante que é o barato!

Enfim!

Nós que vamos morrer, te saudamos, ó Cezar.
Era assim que falavam os gladiadores antes de entrar na arena para lutar pelas suas vidas.
Aqui no North Shore não há o Cezar (apesar de Fast Eddie encarnar bem o papel), mas da mesma forma os surfistas entram em Pipe num clima de absoluto de vida ou morte.
O esporro que faz cada onda detonando a bancada é algo de fazer o mais bravo dos homens tremer.
Pipeline é o grande espetáculo da Terra!
Não há outro lugar no mundo onde ondas tão extraordinárias estão tão próximas do homem comum.
Parece que o mundo inteiro fica eletrizado com a possibilidade de Pipe renascer com 12 a 15 pés.
Claro que não tinha todos 15 pés nas costas de cada onda, como gostam de medir os havaianos, mas pela frente… nem me arrisco a contar.
Ao chegar na praia, logo encontro Raoni na sua bicicleta, calmo e tranquilo como se as ondas estivessem com 4 pés em Itaúna. Pergunto imediatamente,

Que tal Raoni, animado?
Claro Julio, é pra isso que estamos aqui.
Já pegou um Pipe desse tamanho?
Uma vez, faz tempo…
Vai cair com que prancha?
Uma 7’ ou maior…
Valeu cara, boa sorte!

Penso na palavra sorte e reflito se de fato existe sorte nessas situações.
Esse é o tipo da ocasião que, uma vez absorvido, não há muito mais o que fazer além de rezar pelo melhor – quase como quando Portugal se deu conta que a fatura do euro vinha chegando.
O desastre é inevitável, melhor saber lidar com ele.
Marcus Hickman foi o primeiro a mostrar o caminho por dentro dos caroços de Pipe.
Será que importa os perdedores?
Nem sempre…
Freddy Pattachia foi um dos perdedores que fizeram a diferença.
Optando por surfar com uma prancha grande demais pro mar, talvez mirando na séries que desmanchavam no segundo reef, Freddy apanhou tanto de Pipe que perdeu sua camisa de competição.
Depois de perder sua prancha e já sem camisa na beira, o locutor avisou que ele poderia voltar mesmo sem a lycra.
Freddy se lançou ao mar, foi completamente devastado por uma das inúmeras séries e se viu novamente de pé na areia esperando pela hora certa de entrar.
Nisso, Evan Valiere dropa mais uma bomba, faz um tubo e mete uma combi no Freddy P., que imediatamente vira-se, derrotado, caminha cabisbaixo de volta para o palanque, mastigando o gosto da pior das derrotas.
Pattachia é notoriamente um dos surfistas mais raçudos do Tour e se ele assumiu sua impotência diante desse Pipe, sabemos que estamos diante de algo único.
Mais inusitado ainda foi a pontuação total de 0.66 de Kekoa Bacalso, ex-Top 44.
Fosse um brasileiro, ou europeu, com tão ínfimo total, amargaríamos mais 200 anos de deboche do mundo anglo saxão.

Bruce e Andy

Uma das baterias mais esperadas em Pipe é sempre a do Bruce Irons por tudo que ele fez e pelo que sempre imaginamos que ele vai fazer.
Contra um insipiente Travis Logie, Bruce esteve apático, sem ação numa arena onde ele sempre brilhou.
Me parece, e aqui ofereço meus dois tostões de prosa com o leitor, que a carga de levar Andy junto para cada surfe é pesada demais para Bruce aguentar.
Bruce foi o camarada que elevou o nível do surfe em Pipe nos últimos 10 anos, não fosse por ele e Andy, Jamie ou John Florence, não seriam possíveis – mesmo Kelly teve que mudar seu jogo depois de tantas derrotas.
Num Pipe com mais de 10 pés, esperávamos que Bruce desfilasse sua categoria até uma vitoria triunfal no dia final, mas Bruce aparentemente levava mais do que as nossas expectativas. Passou Travis – com 3.57…

O Panda, Dane e JOB

Éramos uma muvuca das brabas na areia de Off the wall, Jesse, Marco, Scooby, Vitinho, Kid, Malu, Gordo, Steven, Camaras e cada vez mais crescia a turma e a torcida para ver Willian ‘Panda’ Cardoso contra Shane Dorian.
Mas antes disso, Dane Reynolds versus Jamie O’…
No discurso que fez ao receber seu prêmio de segundo surfista mais popular do planeta, Dane pediu pro Jamie pegar leve com ele em Pipe, dada as condições.
Pois Jamie não teve pena e passou-lhe a escova nas costas. As baterias eram disputadas no formato criado pelo Slater alguns anos atrás, ou seja, baterias de 40 minutos, duas bateria simultâneas dentro d’água, alternando a cada 20 minutos.
Estavam portanto dentro d’água, Kolohe e Towner da nona bateria, Willian e Dorian da décima e Tanner e Freestone da décima primeira bateria.
Uns esperando pra bateria começar, outros nos momentos finais e o resto em plena disputa.
Kolohe foi o grande sortudo do dia, e olha que falávamos de sorte no início do texto como se ela não existisse…

Talvez não exista pro Laurie Towner (foto acima), que na sua primeira onda levou uma surra tão grande duma bomba em Pipe que teve o ombro deslocado e já levantou do caldo acenando pro Jet ski vir à sua ajuda.
Towner ainda tentou voltar pro mar, trocar de prancha, apenas pra sentir seu ombro sair do lugar uma vez mais.
A grande dúvida era como Kolohe se comportaria em ondas como aquelas.
Em Sunset, no dia grande, Kolohe ficou devendo…
Convenhamos, Andino tem Mike Parsons como técnico, pegar ondas grandes com o apoio e conselhos dum camarada que tem nas costas algumas das maiores ondas da nossa recente memória deve ajudar.
Parsons estava tenso na beira esperando pelo desempenho do Kolohe. Jadson aproximou-se, puxou papo, olhou as duas pranchas reservas do Kolohe e veio sentar-se ao lado do Paulo Kid.

Parsons tá bolado, Jadson?
Não, ele só quer que o moleque drope uma onda boa…

Eis que surge uma bomba e Kolohe (foto abaixo) está sozinho no outside, vira, dropa e mete pra dentro – não sai, mas garante sua dignidade entre os Top 32.

Willian tem mais uma chance nesse final de temporada para tentar pontuar e entrar nos Top 32, seu adversário é Shane Dorian, um dos mais respeitados surfistas de ondas grandes do planeta.
Dorian não acha uma onda boa, é uma hora difícil do mar, Tanner Gudauskas é catapultado por uma onda, quebra a prancha, volta lá pra fora, leva outra vaca, quebra mais uma prancha enquanto Jack Freestone, campeão mundial junior, parece apavorado no outside. Todos são varridos por uma série gigante com mais de 12 pés de espuma.
O Panda nunca teve muitas oportunidades de surfar Pipe antes, ainda mais desse tamanho.
Faltando menos de 5 minutos, Willian precisa de apenas um dois pontos e alguma coisa.
Sobe uma onda dos seus seis pés, Cardoso tem um bom ángulo para dropar agarrado e fazer um 4 ou 5 e bater Dorian num Pipe clássico.
A falta de intimidade com a onda obriga Willian a dropar reto e perder a linha que lhe permitiria o tubo.
Fora d’água, todos parabenizam Willian, esse foi um ano duro, faltou apenas uma bateria…
Jesse e Camarão não estão no Pipe por uma bateria.
Um sacaneia o outro pelos seus erros.

Uma batida, cara! Tu não ta lá por uma batida! Espeta Camaras.
E você por uma rasgada…um cut back! Devolve Jesse.

Uma batida e uma rasgada, manobras básicas que afastaram dois dos melhores surfistas dessa nova geração de competir no Pipe Masters. Parece simples, não é.
Um ano inteiro não pode se resumir a isto – é muito doloroso.

João duas vezes

Jamie O’Brien ditou o ritmo na primeira fase, era hora do John Florence (foto acima) mostrar o que tinha.
Florence foi letal. Fez o primeiro 10 do evento, onde exibiu a arte de dominar uma onda do início ao fim.
Como um toureiro nos livros de Hemingway, Florence é todo ‘grace under pressure’, mal traduzindo, classe sob pressão.
Seu 10 teve o dificílimo tubo na parte de cima da onda, seguido de outro ainda mais longo e técnico no inside.
Foram quase três tipos de interpretação do tubo diferentes na mesma onda, uma aula e ao mesmo tempo uma humilhação pública.
O impacto do desempenho do JF foi tão grande que Jamie entrou contra Raoni totalmente desconcentrado e perdido.
Raoni teve sua oportunidade de bater um dos reis de Pipe, mas naquele momento as ondas estavam por toda parte e em nenhum lugar.
Jamie passou por pouco, com um 5.33. Miguel Pupo, contundido, enfrentou um dos especialista de Pipe, Evan Valiere e não fez feio. Pegar tubos em Pipe desse tamanho não é brincadeira e Pupo botou pra baixo e pra dentro com categoria, lembrando até Binho Nunes em 1995. Fico pensando no que Miguelito fará nos próximos anos quando estiver 100% e mais confiante.

Falando em confiança, Jadson é hoje um dos meus surfistas prediletos no circuito.
Todas vezes que o potiguar perdeu com ondas grandes em 2011 foi bonito de ver. Jadson nunca amarelou ou ficou no rabinho, e sempre despencou nas maiores que vieram.
Foi assim em Teahupoo contra Wilko, em Sunset na semana passada e em Pipe contra CJ.
Podemos esperar sempre tudo do Jadson e isso já basta. O Pipe Masters deve terminar em 3 dias.
Apertem os cintos.

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