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Turbinando sua remada com uma prancha de Prone Paddleboard

Nos anos 1930, quando o surfe teve seu primeiro boom mundial por meio de nomes como Duke Kahanamoku e Tom Blake, ser um bom surfista era sinônimo de ser um bom remador.

Aliás, nas primeiras competições de surf da história, a categoria “remada” era a de maior prestígio.

Claro que estamos falando de uma outra época em que as pranchas, não raro, podiam pesar mais de 100 kg.

Sendo assim, sem uma boa remada, o surfista jamais conseguira chegar ao outside e dropar suas ondas.

O tempo passou, vieram novos materiais, e a habilidade nas manobras tornou-se muito mais valorizada do que a técnica e o vigor das braçadas na água.

Contudo, a grande verdade é uma só: quem não rema bem, dificilmente evoluirá na arte do surf.

Exagero? Se você pensa que sim, então, certamente vai contra a mentalidade de grandes nomes do surf profissional vindos, principalmente, da Austrália e do Havaí.

prone paddleboard
John John Florence durante a tradicional prova de travessia Molokai 2 Oahu. Foto: Reprodução

Nesses lugares, a prancha de remada (prone paddleboard) é uma ferramenta comum de condicionamento físico e seu uso é tão ou até mais natural do que os exercícios funcionais (que também são ótimos, porém, você treina longe da água).

Em 2018, John John Florence sofreu sua primeira lesão grave no joelho e se viu obrigado a abandonar o circuito mundial.

O havaiano, que já era bicampeão mundial, investiu pesado nos treinos de paddleboard para não perder seu condicionamento.

Nessa época, ele levou tão a sério seu treinamento que participou da tradicional prova de Molokai a Oahu, onde os competidores remam por mais de 50 km pelas águas do temido “Canal dos Ossos”, que separa as duas ilhas do Havaí.

Prone paddleboard
Joel Parkinson e Wes Berg treinando na Gold Coast australiana. Foto: Andrew Shield

Florence, contudo, não foi o único top da WSL a participar da M2O, como também é conhecida a competição. Joel Parkinson já encarou o desafio por duas vezes e o também australiano e big rider Jamie Mitchell tem nada menos do que dez títulos na prova.

Mas a lista de surfistas profissionais que recorrem ao prone paddleboard como ferramenta de condicionamento físico é extensa. Conner Coffin, Mick Fanning, Laird Hamilton e Kai Lenny são alguns exemplos de surfistas de elite que recorrem à prancha de remada em seus treinamentos.

A origem do prone paddleboard

Tom Blake
Tom Blake e sua revolucionária prancha oca mudou os rumos do surf e criou uma nova modalidade esportiva. Foto: EOS/ Reprodução

No início não havia distinção entre uma prancha de surf e uma prancha de remada, mas o paddleboard (ou prone paddleboard) adquiriu o status de “modalidade esportiva” a partir dos anos 1930, quando o californiano Tom Blake criou a primeira prancha oca da história.

Blake, independentemente de sua extraordinária habilidade natural como atleta, sempre dedicou boa parte de seu tempo a estudar hidrodinâmica de embarcações antigas e uma das pranchas que mais apreciava da cultura havaiana era a Olo.

As Olo eram pranchas enormes e sólidas. Herdadas da realeza havaiana, eram feitas a partir de um tronco de Acácia Koa, uma árvore típica do Havaí.

Até a chegada de Blake, as pranchas de surf eram sólidas, muito pesadas e pouco manobráveis.

Utilizando seu conhecimento e criatividade, Tom Bake aprimorou a Olo, construindo uma prancha oca através de técnicas de carpintaria naval.

Apresentando um esqueleto, coberto por folhas de madeira, com tamanho de 16 pés, 54 quilos e uma rabeta pin, as pranchas do californiano tinham mais flutuação e eram muito mais leves do que as tradicionais pranchas havaianas.

prone paddleboard
Jordan Mercer, uma das maiores remadoras de prone do mundo, e Mick Fanning. Foto: Reprodução

A estreia da prancha oca de Blake foi no Havaí, durante o Pacific Coast Surfrinding Championship, uma das primeiras competições de surf da história moderna.

Como era comum nos torneios daquela época, havia exibições de surf nas ondas e a prova de remada.

Blake venceu as duas categorias, mas sua vitória na prova de remada foi tão acachapante, que foi tema de protesto entre os atletas que ficaram para trás.

Analisando tecnicamente, a reivindicação era válida, pois a prancha do californiano era, de fato, muito diferente (e mais moderna) do que as de seus adversários.

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Assim, em nome da boa relação que tinha com os havaianos, Blake concordou em não mais usar sua prancha oca nas competições em Waikiki, e passou então a mirar a Califórnia.

Ciente de que sua criação era revolucionária, em 1932, Blake tornou-se o primeiro homem a cruzar o Canal de Catalina, na Califórnia, utilizando (e divulgando) sua prancha oca.

O feito ganhou as manchetes dos principais jornais da costa oeste dos EUA e a esse feito é atribuído o início de uma modalidade esportiva derivada do surf: o prone paddleboard.

Prone paddleboard
Conner Coffin é outro top adepto dos treinos com a prancha de remada. Foto: Reprodução

Nas décadas seguintes, mais e mais surfistas juntavam-se ao californiano para completar o desafio, até que, em 1955, nascia o Catalina Classic Paddleboard, a mais tradicional prova de paddleboard do mundo e que existe até hoje.

Como não poderia deixar de ser, Tom Blake foi o primeiro vencedor do evento.

A prancha de remada tornou-se também muito popular na Austrália, utilizada em princípio como um equipamento de salvamento aquático, logo foi incorporada aos tradicionais clubes de surf australianos, sendo parte do treinamento de surfistas desde as categorias de base.

Hoje o esporte se popularizou muito na terra dos cangurus e competições como a IronWoman Series, que mescla natação, prone paddleboard e corrida na praia, estão entre os eventos mais populares do país.

Prone Paddleboard no Brasil

Rico de Souza
O pioneiro Rico de Souza introduziu a modalidade no Brasil na década de 1970, após uma viagem ao Havaí. Foto: Reprodução

O prone paddleboard chegou ao Brasil no final na década de 1970, quando Rico de Souza, sempre antenado com o que acontecia no mundo do surf, tentou implementar no Brasil o conceito de treinamento que aprendera no Havaí, onde, inclusive, ganhou uma competição de remada.

Nos dias de flat, Rico fazia travessias pela orla carioca e costumava convidar os amigos para esses desafios de remada.

Contudo, a falta de informação e a escassez de matéria prima própria para a produção de pranchas de paddleboard foram um entrave à popularização da modalidade.

Décadas mais tarde, nos anos 1990, o waterman e shaper havaiano Mark Jacola fixou residência em Florianópolis (SC) e começou a produzir pranchas de prone paddleboard com a intensão de popularizar a modalidade por aqui.

paddleboard
A baiana Sinara Pazos é um dos maiores nomes do esporte no Brasil. Foto: reprodução

Contudo, o valor final do equipamento ainda era bastante alto e mais uma vez a modalidade não decolou.

Nessa mesma época, porém, o shaper baiano, Maurício Abubakir, teve contato com as pranchas de remada no Havaí e ficou apaixonado pela modalidade.

Abubakir então resolveu apostar no paddleboard e passou a não só produzir pranchas para a modalidade, mas, também a organizar eventos de travessia como forma de popularizar a prancha de remada em Salvador.

Em 2000, ele realizou uma expedição que contou com a presença de 21 remadores de paddleboard para uma travessia em Salvador.

A capital baiana, desde então, se tornou um polo desse esporte, sendo considerada por muitos a capital brasileira do prone paddleboard.

Contudo, outras regiões do país também criaram polos interessantes. Esse é o caso de Santos, no litoral de SP, de onde brotou, também no início dos anos 2000 uma cena bem forte, com diversos surfistas aderindo às pranchas de remada.

prone paddleboard
Maior nome do Brasil na atualidade, Patrick Winkler acumula bagagem em diversas provas nacionais e internacionais. Foto: Marcio Figueiredo

Em 2003 começaram a ser realizadas as primeiras travessias de prone paddleboard até que, em 2008, veio a primeira competição da categoria na região, em um evento emblemático chamado Festival de Remada, onde se realizou também a primeira prova de stand up paddle do Brasil.

E foi justamente a febre e a popularização do stand up paddle que acabou por atrair muitos remadores que potencialmente poderiam ter ido para o prone paddleboard.

Mesmo assim, a prancha de remada continuou sua rota de desenvolvimento, inclusive em Santa Catariana e no Rio de Janeiro, onde os pioneiros Mark Jacola e Rico de Souza, respectivamente, plantaram a semente.

Eventos como o brasileiro Aloha Spirit, hoje um dos maiores festivais de esportes de água do mundo, foram muito importantes no desenvolvimento da modalidade, passando a incluir a prancha de remada entre as categorias em disputa.

Surpreendentemente, em 2021, um ano difícil para todos os esportes, uma competição cearense de remada na modalidade downwind (quanto se rema a favor dos ventos e ondulações) chamada Molokabra, teve no prone paddleboard uma das categorias com maior número de inscritos, vindos de diversas partes do Brasil, sendo, portanto, considerada mais um marco na história na evolução desse esporte no Brasil.

Prone paddleboard
Ricardo Allmada (à esq.) e seus atletas do paddleboard inclusivo nas águas da represa Billings. Foto: Dani Allmada

Atualmente, ainda que não existam federações ou campeonatos brasileiros da modalidade, nosso país já conta com nomes reconhecidos internacionalmente, é o caso de Sinara Pazos (BA) e Patrick Winkler (SP), que já representaram o Brasil em diversas competições mundiais.

Além disso, a prancha de remada é também uma excelente ferramenta para o esporte adaptado. Nas águas da represa Billings, na região do ABC Paulista, Ricardo Allmada, outro entusiasta da modalidade, desenvolve há mais de seis anos um projeto no qual insere pessoas portadoras de deficiência ao que chama de “paddleboard inclusivo”.

Ricardo conta que entre os benefícios, além da evolução da condição física, estão a melhora na questão digestiva, na parte cardiovascular e também no lado emocional: “Eles acabam sentindo músculos que nem sabiam que existiam. Muitos admitem que até começaram a dormir melhor”, revela o professor que tem um deficiente visual entre seus alunos, “Único do país, talvez do mundo, a praticar esse esporte”, acredita Allmada.

Outro entusiasta do uso da prancha de remada para a inclusão no esporte é Robson de Souza, mais conhecido como “Careca”.

Ex-competidor de longboard, Careca ficou tetraplégico após um acidente de carro. Contudo, através de um paddleboard, conseguiu recuperar a qualidade de vida e retornar ao esporte e hoje, além de competir em provas de remada, promove palestras e cursos sobre surf adaptado.

Rogerio mello
Atleta de paddleboard e preparador físico de surfistas, Rogerio Mello diz que o prone paddleboard é uma excelente ferramenta de condicionamento físico na pré-temporada. Foto: Knal do Esporte

E para dar mais ênfase aos benefícios da prancha de remada a nós, surfistas, o educador físico Rogério Mello, ex-técnico da seleção santista de surf e que já atuou na preparação de nomes como Caio Ibelli e do tricampeão paulista de surf, Jair de Oliveira, explica porque o prone paddleboard é uma ferramenta de treino tão importante para o surf:

“Treinar com uma prancha de paddleboard é muito importante sobretudo na pré-temporada, quando há muitos dias de flat por causa do verão. Existem estudos que indicam que até 60% da movimentação de um surfista é feita nessa posição, deitado. Então, é uma excelente ferramenta para fortalecer e também corrigir a postura”, esclarece.

Mello, que atualmente está entre os melhores remadores de prone paddleboard do Brasil, conta que a prancha também pode ser usada para treinos de cardio e também para trabalhar explosão e potência.

“Hoje eu indico os treinos de paddleboard não só para surfistas, mas também para adeptos de outras modalidades, como o ciclismo, como um trabalho de compensação muscular. Mas, à parte toda essa carga de treino, recomento a quem nunca experimentou a prancha de remada, que faça uma experiência, de forma recreativa mesmo. Esse tipo de prancha, por ser bastante estreita e comprida, tem uma autonomia muito grande. Algumas das travessias mais legais que já fiz na vida foram com um equipamento desses. São coisas que não tem preço”, conclui Rogério.

* Luciano Meneghello é jornalista, colaborador da Hardcore e autor do livro “Raiz – Uma viagem pelas origens do surfe, canoa polinésia, stand up paddle e prone paddleboard”.

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