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Pan-American Soul: Surfando sozinho

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oi preciso rodar mais de 15 mil quilômetros desde que deixei a Califórnia, em agosto passado, para que finalmente pudesse surfar sozinho, sem ninguém por perto, somente eu e as ondas. Na minha primeira jornada nessa mesma rota, há 35 anos, logo no segundo dia de viagem já estava surfando solitário, o que se repetiu em inúmeras ocasiões nos 8 meses seguintes. Dessa vez, até nas praias mais isoladas sempre encontrava alguém. Talvez para compensar a demora, o destino acabou me presenteando não com um, mas três picos vazios em sequência.

Texto e fotos Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE

 

“Neste mundo lotado, o surfista ainda pode procurar e encontrar o dia perfeito, a onda perfeita e ficar sozinho com as ondas e seus pensamentos”. Foi com essa frase que John Severson, o fundador da saudosa revista Surfer, encerrou a edição inaugural da publicação que viria a ser reverenciada como a Bíblia dos surfistas. Isso na semana da Páscoa de 1960, quando o então quase folheto foi lançado, lá se vão 63 anos. Ou seja, o crowd já era uma preocupação naquela época, mas Severson fez questão de, ao lado da foto de um surfista remando em direção a uma onda vazia, deixar uma mensagem de esperança.

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Em mais de uma oportunidade, já citei a frase de Severson como fonte de inspiração. Quando peguei a estrada 8 meses atrás continuava sendo, mas à medida que avançava fui perdendo a fé, achando que esse momento não ia chegar. Até que, no caminho entre Chicama e Punta Hermosa, no Peru, decidi checar uma onda da qual já havia ouvido falar muito bem, mas nunca encaixara de dar uma conferida. Isso em 14 visitas ao Peru, ou seja, tava na hora. Mesmo sem um bom swell rolando, quando vi a placa indicando Playa Bermejo, enveredei pela estradinha de terra levando na direção de um ponta de pedra que apenas podia ser parcialmente avistada na distância.

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Depois de penar um pouco para me manter no caminho certo, que em certos trechos havia sido lavado pelas recentes chuvas (ver coluna Dilúvio no Deserto), estacionei de frente para uma baía onde uma série acabara de entrar. Ondas pequenas, mas muito perfeitas, escorriam ao longo do point break até se desfazerem em espuma a uma boa distância de onde eu me encontrava. Nenhum surfista a vista, apenas três pescadores em terra ao redor de um barco retirando o resultado do dia de uma rede, e mais dois no mar, em outra embarcação logo após a arrebentação.

Me aproximei dos que estavam na praia e puxei conversa. Perguntei se não vinha gente surfar ali. Eles explicaram que a destruição trazida pelo huaico, a avalanche de lama e detritos causada pelas chuvas torrenciais, havia, ao menos temporariamente, diminuído a frequência dos surfistas. Acredito que isso, combinado com a distância do pico de centros urbanos, fez com que em pleno domingo eu fosse o único no pico.

 

Não tinha do que reclamar e fui para a água com meu pranchão 10 pés me divertir além da conta nas longas esquerdinhas de um metrinho à minha disposição. Fiquei imaginando aquele lugar funcionando num dia com uma boa ondulação.  Deu vontade de  comprar um dos barraquinhos de madeira dos pescadores de frente para a onda. Já em Punta Hermosa, fiquei sabendo que um projeto com 60 casas está em andamento para ocupar a praia bem em frente ao pico. 

A segunda onda que surfei sozinho não foi essa moleza toda. Muito pelo contrário. Tive que ir contra meu bom senso para pular das pedras numa pequena enseada de frente para uma esquerda tubular e bem servida de tamanho, sobre a qual eu tinha zero informação. Nem sabia, e continuo não sabendo, se aquele lugar é um pico de surfe conhecido. Ainda em território peruano, mas já próximo à fronteira com o Chile, ao sair da estrada asfaltada para buscar um lugar onde pudesse improvisar um banheiro natural, avistei uma onda baforando. Fiz o que eu tinha que fazer e voltei pra checar melhor. Depois de observar por um bom tempo, decidi que não poderia deixar passar aquela chance.

+ Pan-American Soul: Dilúvio no deserto

A verdade é que do ponto de vista de segurança, surfar sozinho nunca é recomendável. Numa emergência, que pode ser causada com um choque com a prancha, com o fundo (nesse caso de pedras) ou um mal estar súbito, entre outras coisas, ninguém vai estar ali para te socorrer. Quando você já completou 60 anos de idade, digamos que os riscos são ainda um pouco maiores. Adicione à receita para o desastre a praia (na verdade, uma costa rochosa) estar vazia e nenhuma pessoa naquele momento ter ideia de onde você se encontra no mundo.


O que me levou a surfar sabendo que não era a coisa mais certa a fazer naquela situação? É difícil explicar, mas a razão perdeu para a emoção. A cada série perfeita que despontava no outside eu me questionava por não estar lá fora ainda. Com o plano de entrada e o de saída desenhados na minha mente, não pude resistir mais e me atirei no mar. Não vou aqui dizer que destruí as ondas, pois não cheguei nem perto de aproveitar todo o potencial que elas ofereciam. Dropei várias, mas logo corria para o rabo, fugindo da seção mais crítica. Meu principal temor era o de não conhecer o fundo e numa vaca mais forte chocar com uma pedra submersa. Mesmo devendo no quesito performance, sai da água eletrizado, com adrenalina percorrendo minhas veias a milhão. 

 

O nome da onda, Barrancon, reflete a geografia ao seu redor. Em plena semana santa e nenhum alma ao redor.

Já a terceira onda na qual me deparei com um line up completamente vazio, ao menos eu sabia que se tratava de um pico de surfe. No dia anterior, checando as ondas em El Gringo, em Arica, já no Chile, havia conhecido um videomaker local que me dera a dica. Perguntei pra ele onde poderia encontrar uma onda ao longo da estrada costeira entre Iquique e Antofagasta que não fosse tão assassina quanto aquela à nossa frente. Ele me indicou como localizar Barrancon, uma boa direita mais ou menos no meio do caminho entre as duas cidades. Apesar da onda estar localizada bem ao lado da “carretera”, deu um pouco de trabalho, pois não tem nenhuma placa ou outro tipo de sinalização identificando o pico e é muito fácil passar batido.

 

Acampar de frente para uma onda vazia continua sendo uma das experiências mais recompensadoras para surfistas em busca de momentos especiais.

Acampei de frente para a onda. Foi uma das paradas mais memoráveis de toda a trip. Me senti ínfimo diante de toda aquela imensidão do deserto do Atacama encontrando com a magnitude do oceano Pacífico. À noite, sentado ao lado da fogueira, testemunhei o céu mais absurdamente estrelado de toda minha vida. E isso que era noite de lua cheia. Só que ela ainda não havia surgido do outro lado do imenso barranco aos pés do qual eu havia armado minha barraquinha. Surfei duas vezes, sempre saindo da água com a sensação de que a onda de fora parecia bem mais fácil do que lá dentro. Relativamente curta, mas com bastante força, ela jogava um tubo logo de largada dificultando o drop. Novamente, surfei com cautela, consciente dos riscos de estar sozinho naquele marzão sem fim. Eu, as ondas e meus pensamentos.

Acompanhe a rota de Pan-American Soul pelo @panamericansoul2022.

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* Nesta seção, o Editor Especial da HARDCORE, Adrian Kojin, traz com exclusividade os diários da sua road trip Pan-American Soul 2022, da
Califórnia até o Brasil. 

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