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Oceanógrafo alerta para os perigos de surfar em Regência

* A foto de abertura (acima) foi capa da matéria “Regência – Onda Indonésia no Espírito Santo”, de Celso Pereira Jr., publicada na HARDCORE #312, edição de novembro de 2015.

Regência nunca mais foi a mesma depois de sofrer as consequências do maior crime ambiental da história do Brasil
,
quando, no dia 5 de novembro de 2015, uma barragem de mineração da Samarco se rompeu no município de Mariana (MG), e liberou uma lama de rejeitos que rapidamente atingiu o rio Doce.

Depois de 16 dias varrendo as centenas de quilômetros do rio Doce, a lama de rejeitos chegou na foz do rio, situada na vila de Regência, no Espírito Santo. O resultado foi o pior possível – no ano passado, publicamos um vídeo – assista aqui – em que a população local, ainda perdida com a destruição do rio Doce (hoje contaminado com metais pesados), desabafa e lamenta ter perdido sua maior riqueza.

Muitos surfistas ignoram o ocorrido e, motivados pela aparência da água – agora, mais clara do que alguns meses atrás – não pensam duas vezes antes de cair no mítico pico capixaba.

O oceanógrafo Eric Freitas Mazzei, que nasceu em Vitória e mora em Regência, explica detalhadamente por que é um grande erro achar que uma simples queda nas águas capixabas (agora mais claras) não vai “dar em nada”. Confira:

Vi e vejo muita gente falando por aí que a água aparece CLARA, que a lama da Samarco/BHP/VALE passa “por fora”, e por isso não há problema de surfar em Regência e Povoação.

Fico muito preocupado, pois são jovens e amigos que se arriscam a sofrer uma sucessão de consequências de curto, médio e longo prazo decorrentes da exposição à lama tóxica. Deixo claro que esta publicação tem como finalidade alertar as pessoas quanto aos potenciais riscos que estão correndo as fazer um “surfizim de caô”. Pois assim como todos (surfistas ou não), espero e anseio por dias melhores com a volta de nossa felicidade de estar na água, nos tubos e na natureza!

Agora a questão é entender o COMPORTAMENTO DA LAMA NAS PRAIAS, principalmente na zona de SURF (ou rebentação/arrebentação):

As praias são as Zonas Costeiras, região onde o continente encontra o mar, e constituem uma zona de fronteira sujeita a contínuas alterações morfodinâmicas, modeladas por processos de origem continental e marinha. Portanto, uma área de grande variabilidade temporal e espacial, comportando-se como um sistema ambiental altamente instável devido a grande quantidade de energia presente.

Os processos oceanográficos decorrentes na zona costeira/litorânea (PRAIAS) são fundamentalmente controlados por fatores metereológicos onde muitos agentes – como vento(direção/intensidade), correntes marinhas (direção/intensidade), ondulação (tamanho/direção) e amplitude de marés – determinam distintos processos e, portanto, características próprias e história geológica única em cada local, influenciando de forma distinta e não constante os processos de transporte e deposição dos sedimentos. Durante ciclos anuais, há acresção e erosão das praias, momentos do verão passado em Regência, quando vivenciamos o aparecimento e atualmente o desaparecimento das pequenas lagoas nos points.

FALANDO DIRETAMENTE SOBRE OS CAMINHOS QUE A LAMA PODE FAZER NAS PRAIAS:

A distribuição dos sedimentos na praia depende do seu tamanho e da energia decorrente em cada localidade. A LAMA é o sedimento mais fino que existe, chamado de argila ou silte. Portanto, ao atingir as praias, a lama por ser fina e possuir composição de elevada densidade (devido presença dos metais pesados e outros elementos químicos ainda não tão conhecidos), daí a tendência de flocular ou decantar e de rapidamente ser capeada/encoberta pelos sedimentos mais grossos característicos das praias de Regência e Povoação. Presentes em abundância no local devido à proximidade da fonte de sedimentos grossos (ou pouco trabalhados), que é o RIO DOCE.

Desta forma, a primeira possibilidade de caminho da lama é ser encoberta e ter seu conteúdo biodisponível para ser ABSORVIDO PELO LENCÓL FREÁTICO SUBTERRÂNEO, que está em constante processo de troca com o oceano. Lembrem-se: o lençol freático constantemente está visível a olho-nu em muitas praias durante a maré baixa.

A segunda possibilidade é de que a lama atinja a zona de espraiamento (desde a face praial ao berma), trazida pelo batimento das ondas, ventos e marés.  Vejam a figura (abaixo, em inglês) sobre a dinâmica de entrada (inputs) e saída (outputs) dos sedimentos nas praias:
INPUTS
Todavia, vale ressaltar que as características do comportamento desta lama são diferentes de qualquer lama/argila normal e ainda não são plenamente conhecidas ou mesmo compreendidas.

POR ESSES FATOS MENCIONADOS, FOI UM GRANDÍSSIMO ERRO TER DEIXADO A LAMA CHEGAR AO MAR! AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ O SENSO COMUM, O CONTEÚDO CONTAMINANTE DA LAMA (METAIS PESADOS PRINCIPALMENTE) NÃO VAI DEPURAR-SE E SUMIR INSTANTANEAMENTE, DEIXANDO TODOS LIVRES DO PROBLEMA. AO ATINGIR O MAR, AS PROPORÇÕES DE CONTAMINAÇÃO AUMENTARAM E MUNDIALIZARAM-SE, POR EXEMPLO, VIA RECURSOS PESQUEIROS, ÁEREA (EVAPORAÇÃO) E SUBTERRÂNEA (LENÇOL FREÁTICO).

O objetivo dessas informações é fazer as pessoas que querem muito usufruir das nossas praias mudarem a tendência do esquecimento natural e realmente pressionarem todas as vias possíveis em prol de soluções. Como exemplo, cito um dos pontos de pauta de reivindicação dos fóruns e movimentos sociais do Espírito Santo:

– Remoção da lama depositada em localidades específicas, como na Usina Hidrelétrica de Aimorés, através do fechamento de suas comportas em momentos adequados, e em trechos de calha estreita e/ou com baixa vazão, que sejam constatadas elevadas taxas de sedimentação ao longo do Rio Doce, por meio de processos mecânicos como a dragagem ou sucção.

Sobre os riscos do conteúdo da lama a saúde humana, fiz um pequeno resumo sobre as consequências dos elementos químicos encontrados pela análise prévia do GIAIA disponível a todos aqui.

 

Veja também: 

Regência: A última sessão

Tragédia em Mariana: Regência em alerta

 

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