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Ondas clássicas e geladas no Ártico

Uma surf trip no Ártico, com águas congelantes, mas com ondas de nível internacional? Isso em pleno inverno, com poucas horas no dia com luz hábil para surfar. Indo sozinho, ficando hospedado em uma cabine aos pés de montanhas e de frente para o pico.

Esta proposta soa uma mistura de desafio, com algo não imaginado, com um sonho em que sempre estive louco para realizar.

Você toparia?

*Por Diego Bitencourt 

Surf no Ártico
Foto: Diego Bitencourt

Tinha já ouvido falar do surf sob a Aurora Boreal, popularizado pelo Mick Fanning em uma campanha da Rip Curl anos atrás. Mas um cara que sente frio surfando com um bom long jhon no Brasil, jamais planejaria surfar num lugar desse.

Sorte o homem por mudar sua mentalidade, pensamento, ter novas ideias. Isto mudou pouco tempo atrás, principalmente depois que comecei a trabalhar no Brasil para uma empresa norueguesa, o que me permite vir uma vez ao ano para Oslo.

Desta vez a vontade de fazer uma aventura, de me lançar no desconhecido, aflorou. Ficou tão pulsante que não consegui segurar, e com uma viagem marcada para Oslo no final de novembro, já comecei a pesquisar sobre Unstad.

Unstad é uma praia situada no norte das Ilhas Lofoten, Norte da Noruega. Um pico internacionalmente conhecido pelas ótimas ondas, situada no meio de grandes montanhas, águas frias, um destino exótico que se encaixa muito bem com o estilo de vida outdoor do povo Norueguês.

O surf pode variar de uma mexedeira provocada por tempestades locais até ondas épicas geradas por tempestades na Groelândia.

Surf no Ártico

Será que é época de onda? Quantas horas de luz eu vou ter no dia? Onde ficar, comer, alugar equipamento? Como chegar?

As ondas rolam durante todo o ano, seguindo um padrão comum de surfabilidade: verão com ondas menores, menos frequentes; inverno com ondas maiores provocadas por tempestades mais intensas e frequentes. Resumindo, há chances de pegar onda durante todo o ano.

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Vim para Unstad no início de dezembro, as previsões de ondas indicando um bom swell chegando, vento terral durante 3 dias. Minha janela de surf trip seria do dia 02/12 a 06/12, coincidindo exatamente com a chegada de um swell considerável.

Via Instagram, me conectei com o Kristian e Lina, um casal que mora na região, donos da surfshop Lofoten Surfsenter, com sede aqui mesmo em Unstad.

Uma conexão com eles e acabei resolvendo tudo para passar alguns dias. Lugar para ficar aos pés das montanhas, de frente para o pico. Roupa de borracha, luvas e botas na medida e espessura ideal para o surf no Ártico, com águas nos 6 graus e temperatura fora da água próxima do zero, com sensação térmica negativa. E pranchas de alta perfomance. O Kristian é shaper da marca Frost, fabricando as pranchas aqui mesmo em Unstad.

Foto: Diego Bitencourt

Cheguei na sexta-feira, 02/12, e por volta das 13h já estava com tudo resolvido e pronto para cair na água. O mar estava grande. Devia ter uns 2 metros de ondas na linguagem do surf quando as séries vinham.

Aí entendi que eu tinha um problema. Era muita novidade e muito desafio em um só momento. Prancha diferente, roupas pesadas, água trincando. Álgas kelpes pela praia. Pedras, correntes, água trincado. Corrente jogando para dentro, ondas fortes e com um tamanho considerável, água trincando.

+ Uma viagem à cultura surf do Havaí dos anos 1970

Foi desafiador pensar em todo o contexto em que eu estava me inserindo, mesmo tendo uma boa experiência no surf. Neste primeiro dia fui com uma luva que não encaixou bem. A água que entrou se manteve fria e praticamente congelou os meus dedos.

Diego Bitencourt a caminho do surf na geladas ondas do Ártico. Foto: Arquivo pessoal

tem 3 picos principais: um quebra na parte esquerda da praia, com esquerdas longas e rápidas; um quebra no meio da praia com ondas para os dois lados; e um point break no canto direito da praia, com direitas longas e algumas seções de tubo.

Entrei próximo do canto direito, entrando onde tinham alguns outros surfistas posicionados na direita. É uma direita que entra de frente para uma praia de rochas destas arredondadas, e a onda vai rolando e abrindo em direção meio da praia, com seções mais em pé, rodando uns tubos, e outras seções mais cheias. É uma onda longa e perfeita.

Line up de Unstad. Foto: Diego Bitencourt

Consegui pegar umas ondas boas, mas ainda me adaptando a uma prancha mais larga e mobilidade reduzida com toda aquela roupa. Foi um dia para sentir a primeira impressão do surf, da água, da praia, das ondas.

Saí da água, tomei um banho quente, passei um café e me preparei para o final de tarde. Havia uma indicação de que a Aurora Boreal iria aparecer já neste meu primeiro dia (há um site com previsões para ocorrência do fenômeno). Então coloquei fogo no espaço próprio para fogueira e fiquei na espera.

Em muito pouco tempo ondas com luzes verdes começaram a surgir no céu. Começou com pouco brilho, até me perguntei se era mesmo a Aurora Boreal. Com o passar do tempo foi ficando mais intenso, cobrindo uma maior área do céu, e aí tive a certeza de que era. É algo mágico e encantador. Uma experiência que ficará marcada em minha memória para sempre.

Foto: Diego Bitencourt

No sábado acordei com a expectativa do melhor dia de surf. As previsões indicavam um mar com mais energia, vento terral. E agora já mais adaptado, poderia performar melhor no surf. Por alguma razão o swell não encaixou muito bem. Ondas um pouco balançadas, apesar de estarem maiores.

Sem muito o que ter que escolher, me preparei e fui pra água. Fui com outra luva que tinha recebido do Kristian, e desta vez, ela estava excelente. Todo equipamento nesta segunda queda funcionou muito bem. Fiquei bem confortável na água. Já consegui entrar em mais ondas, sentir a prancha deslizar e fluir pela água. Peguei algumas ondas, nem tão boas, mas ideais para acelerar minha adaptação.

Surfei por umas 2 horas e sai para recuperar a energia, me aquecer e explorar um pouco a área. Aproveitei um pouco de luz do dia que ainda tinha para caminhar até o lado esquerdo da baía, onde rolam umas ondas incríveis para a esquerda com o swell certo. Impossível não reconhecer o potencial desta área com a ondulação ideal.

Foto: Diego Bitencourt

Para o domingo, as previsões indicavam um swell já com bem menos energia, vento ainda terral. Acordei sem muita expectativa de altas ondas, mas tinha a noção que iria rolar alguma coisa para me divertir. Era 9h da manhã quando consegui ver as ondas com mais clareza, e notei a direita do canto funcionando muito bem. A luz disponível para enxergar algo fica entre 9h e 15h, encurtando esta janela ao longo do mês de dezembro.

Com meio metro, e ocasionalmente umas séries com um metro de onda. Simplesmente perfeito. Um surfista em uma van chegou no pico, estacionou seu carro, se preparou e foi para a água. Sozinho.

Observei um pouco, e logo depois que ele pegou a primeira onda do dia, tirando um tubo e dando umas manobras, não pensei duas vezes. Me preparei e fui para a água também.

Foto: Diego Bitencourt

Sabe aquele mar que aparenta ter umas ondas, mas quando você entra, se depara com um mar incrível, que vai melhorando a cada série? Foi mais ou menos assim.

O mar começou a melhorar, ganhar mais pressão. Ondas mais constantes. E apenas eu e este cara na água. E mais do que estar na água, foi estar muito confortável com todos os desafios que estava enfrentando. Foi me conectar a tal ponto, que todas as séries que entravam eu estava bem posicionado.

Mais do que isto, era ver a prancha Frost funcionando muito bem. Uma prancha ágil, com boa remada e manobrabilidade. Na real peguei altas ondas. Em meio a todo aquele contexto, me realizei nesta sessão.

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O cara que estava surfando comigo certamente tinha muita experiência nesta onda. Vi ele dropando fundo, colocando para dentro de umas seções iradas. No maior alto astral, comentando comigo que não imaginava que as ondas estariam tão boas como estavam.

Na visão dele ninguém tinha acreditado que estaria bom, o tempo estava meio escuro, frio, com uma chuva fraca. Ninguém veio surfar. Apenas nós dois dividindo o pico, com ondas que não paravam de quebrar.

Revezamos o pico. Pegamos dezenas de ondas sem mais ninguém por perto. Ondas com uma qualidade incrível para manobrar, entubar.

O mais irado foi entender que com um bom equipamento, a água gelada e o frio são insignificantes. Você surfa tranquilamente, sem nem pensar que está nevando, ou com temperatura abaixo de zero fora da água.

Com todo o peso da roupa, água gelada, com a quantidade de ondas pegas em 2 horas de surf, fiquei esgotado. Saí da água quebrado, mas amarradão com o que tinha vivido.

Saí da água quebrado, mas amarradão com o que tinha vivido.”

Uma nova fronteira tinha sido quebrada em minha história no surf. Pegar onda no Ártico. Enfrentar o frio e condições adversas.

Para quem acha uma loucura surfar neste frio, entendi que não existe água gelada, o que existe é um equipamento ruim / inadequado para a condição. O surf é muito confortável com equipamentos de ponta e ideais para esta condição.

Fiquei somente em Unstad, internado em uma cabana na beira da praia, aos pés da montanha. Foi uma escolha. Caso você tiver a disposição e condição, você poderá explorar muitas outras praias, passeios, montanhas nas Ilhas Lofoten.

A paixão pelo desafio, pelo desconhecido, moveu pessoas por toda a história. Isto também me move e espero que esta história também mova você a se desafiar. Basta estar aberto as oportunidades e se colocar no caminho da sorte.

Aloha!

Diego é surfista, oceanógrafo especialista em ondas, e tem um projeto digital em que ensina surfistas a entender melhor sobre funcionamento de ondas, praias e previsões de ondas. Saiba mais em @diegombitencourt.

Toda a trip fluiu bem graças ao suporte do Kristian e Lina, da surf shop Lofoten Surfsenter. Mais informações em www.lofotensurfsenter.no / @lofotensurfsenter.

 

 

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