O quanto uma bermuda (ou boardshort) pode influenciar sua performance no surf?
A princípio essa pergunta pode parecer rasa, né? Mas debruçar-se nela por alguns instantes pode trazer muitas perguntas interessantes.
Como o que te faz escolher determinada bermuda para surfar? Até onde é uma escolha consciente? De alguma maneira, realmente importa com qual bermuda você está?
Enfim, o lance é que nós nos deparamos com uma matéria na revista australiana Stab, intitulada “Como funcionam os boardshorts”, que nos fez refletir de múltiplas maneiras sobre esse item básico do surfista.
Tanto que trouxemos para você o texto original, entremeado com nossos achismos surfísticos. Leia para entender e, quem sabe, chegar a alguma (ou uma nova) conclusão.
O autor começa, não é nem com surf, mas skate. Falando que sempre achou natural que o skate se tornasse o queridinho do streetwear.
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Porque, para ele, os skatistas existem na rua, entre o resto da sociedade, exceto fazendo algo que parece muito mais divertido. Todos os outros – caminhantes, corredores, ciclistas, pessoas que foram corrompidas para comprar patinetes elétricos pessoais – parecem mancos em comparação. Era apenas uma questão de tempo até que o mainstream saqueasse a moda do skate.
O jornalista emenda falando que com o surf é diferente.
“Geralmente fazemos nossas coisas à margem, longe das pessoas, às vezes em climas horríveis ou em cantos remotos da Indonésia. Para muitos de nós, é normal tirar a roupa, vestir uma roupa de borracha justa e urinar em nós mesmos.
O “estilo de vida” do surf foi exportado para simbolizar vibrações descontraídas/praiadas/às vezes saudáveis/ocasionalmente nervosas – algo que tem sido explorado em tudo, desde anúncios de cerveja barata a campanhas de turismo multimilionárias. Mas tem pouco a ver com a nossa aparência quando estamos na água. Porque isso, em geral, é horrível.”
Ele diz, no entanto que há uma exceção a esta regra, no entanto: os calções de banho, ou boardshorts. “Eles são nosso salvador. E eu vou chegar a isso, mas primeiro eu gostaria de abrir as cortinas do mundo obscuro dos boardshorts.”
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Segundo ele conta, ele trabalhou em uma empresa de surf mainstream por cinco anos.
“Meu trabalho era fornecer uma linguagem que explicasse quais eram os produtos e por que você precisava deles. As palavras que você lê quando passa por uma vitrine de uma loja de surf, visita o site de uma marca, abre um e-mail de marketing, confere uma etiqueta em uma peça de roupa ou recebe um anúncio nas mídias sociais? Era eu tentando fazer você pegar aquela carteira.”
A maioria das marcas de surf considera os calções de banho um produto técnico, diz o autor.
“Pense em uma camiseta – é improvável que a capacidade do tecido de esticar seja um fator importante na sua decisão de comprá-la. Você só quer que fique bonito. Com os boardshorts, as empresas investem muito em novos tecidos e designs, e muitos métodos são empregados para transmitir o quão técnicos são esses avanços.
Eu poderia te dizer que um certo par de bermudas secará rapidamente. Ou posso dizer que os boardshorts são feitos com um tecido SolarWeave Fabric™ de última geração que apresenta um tratamento especial que maximiza a energia distribuída pelos raios solares e, assim, garante que seus boardshorts sequem mais rápido do que nunca.
Em qual história você está mais propenso a acreditar?
Até onde eu vi, quando nomes de propriedade são dados às coisas, a intenção é sempre pura e a tecnologia é apoiada por teoria e testes. Mas você está brincando se acha que essas afirmações são apoiadas por dados empíricos.
E, sim, isso se aplica a roupas de mergulho (fórmulas de neoprene, forros, etc).
No final das contas, você ficaria surpreso com quanto tempo, dinheiro, pensamento e energia são investidos para tornar os boardshorts tão bons quanto possível. Existem algumas pessoas muito inteligentes e talentosas (surfistas!) trabalhando em marcas de surf. Eles visitam fábricas diferentes. Eles têm dias de teste, percorrendo dez tecidos potenciais diferentes antes de concluir qual fórmula se sente melhor. Eles se esforçam muito para fazer com que os bermudas funcionem um pouco melhor para você. Eles continuam inovando ano após ano, e nós, consumidores, nos beneficiamos de seu trabalho.
Ainda assim, você provavelmente já viu um par com preço de 100 a 200 reais [o preço original estava em dólar, mas nós adaptamos à realidade brasileira; sabemos, inclusive, que um boardshort pode custar mais de 200 reais fácil].”
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Ele prossegue dando um exemplo comparativo entre uma empresa de surf e uma de automóveis:
“A Kia pode veicular um anúncio para seu modelo de carro principal, mesmo sabendo que é mais provável que você compre uma opção mais prática. No entanto, a lógica é que, se eles mostrarem um carro de luxo, há uma chance maior de você associar a marca a carros bonitos, o que pode influenciar sua decisão ao comprar marcas diferentes em seu orçamento.
Talvez você saiba surfar tão bem que seja imune a esse truque. Mas se Dick de Ohio entra em uma loja e vê um par chique de bermudas caras exibidas com fotografia e direção gráfica que implicam a mais alta qualidade, é melhor você acreditar que é mais provável que ele saia daquela loja com um par daquela respectiva marca.
De qualquer forma, bermudas caras não são feitas para enganar você. Na verdade, a margem de lucro deles é muito menor do que um par normal. Além disso, se você pode balançar, eles se sentem incríveis.
Mas nada disso explica por que os calções de banho são o nosso salvador.
Embora acredite que a tecnologia beneficie o consumidor, não acredito que o melhor par não seja aquele que estica mais ou pesa menos ou seca mais rápido.
É o par que simplesmente faz você se sentir legal pra caralho.
Vamos retroceder por um momento.”
Andy Irons pede uma bermuda atípica
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Depois o autor conta uma história que você provavelmente não conhece sobre uma das bermas mais icônicas de todos os tempos:
“Em 2006, a Andy Irons encomendou um par de bermudas Billabong de 24 polegadas.
Bermudas desse comprimento não oferecem absolutamente nenhum benefício de desempenho – o oposto pode ser argumentado, pois você pode tropeçar neles com bastante facilidade.
Enfim, ele passou a fazer alguns dos melhores surf que o WCT já viu no México. A arte da qual esses calções de banho se inspiraram foi originalmente criada por senhores da guerra feudais japoneses e usada como bandeira para um grupo da Segunda Guerra Mundial, o Exército Imperial Japonês.
Nada disso fez sentido. Hoje essa bermuda é considerada uma das mais memoráveis da história do surf.
Na Stab Highway no ano passado, Eithan Osborne usava um par original em quase todas as sessões. Ela tinha 15 anos e foi encontrada no eBay.”
Para o jornalista, cool é subjetivo – o que quer dizer que depende do sujeito, não do objeto.
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Depois, o autor traz alguns exemplos no que parece ser uma tentativa em desvendar a profunda e subjetiva fantasia que pode haver na compra / no desejo de um boardshort.
“Talvez um par esportivo como o de Kanoa Igarashi faça você se sentir um pouco mais atlético, e você pode aplicar esse sentimento em uma onda. Ou talvez os que você viu Asher Pacey tocando tenham aquele pouco de jazz que você está procurando, que você vai sintonizar na próxima sessão. A chave para os boardshorts legais é que eles parecem naturais para você.
E sim, como qualquer outra peça de roupa moderna, tudo se resume aos sinais que você deseja enviar para o resto do mundo. Até as marcas de roupas mais “sustentáveis” do mundo capitalizam mais nosso desejo de sinalizar o quão sustentáveis somos do que qualquer outra coisa. Quer fugir disso? Vá viver nu em uma caverna. O resto de nós pode escolher nossas batalhas.”
Ele finaliza dizendo que os boardshorts lhe parecem um lugar justo para se entregar. Que são de baixo risco e que muitos lotes são feitos de garrafas plásticas recicladas, resíduos oceânicos, fibra de coco ou até mesmo cânhamo.
“Encontre um par que você ama. Use-os com orgulho. Surfe muito, talvez demais. Divirta-se. Expresse-se. Divirta-se. A verdadeira magia dos calções de banho é que eles nos dão a nossa única chance de parecer legais enquanto surfamos. Não exploda,” assim, ele finaliza a matéria.
Nós achamos muito interessante trazer à tona os fatores subconscientes dessa fantasia em torno de um item / equipamento fundamental para o surfista. Ao longo da história do surf, muitas foram as peças icônicas de boardshort, sobretudo impulsionadas pelos grandes que as utilizaram, muito mais do que pela tecnologia que carregam, por exemplo.
Ademais, em uma indústria na qual reinam os números, é muito fácil seduzir uma massa com marketing e direção de arte de primeira…
Mas e aí, diante desse cenário, você já parou para pensar no que realmente te faz escolher uma bermuda para surfar?