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Māhūs havaianos buscam naturalizar a ideia ocidental de transexualidade

O Havaí é conhecido por sua rica e diversa cultura com diversos elementos mundialmente conhecidos e reconhecidos, muitos dos quais amplamente comercializados, como a dança hula, os colares (lei), a celebração do luau e o surf.

Outras características da cultura havaiana – e polinésia – no entanto, não são tão propagadas, apesar de exercerem um papel central na construção histórica e filosófica dessas populações.

Muito antes da chegada dos primeiros europeus ao Havaí, a cultura das ilhas do Pacífico tratava com naturalidade a transexualidade. Uma variedade de termos usados para designar a existência de um terceiro gênero foi catalogada por antropólogos e historiadores que se dedicaram a estudar a Polinésia a partir dos primeiros contatos.

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Na cultura havaiana, há wahine (mulher), kāne (homem) e também māhū, para pessoas que se identificam com ambos os gêneros, que, aos olhos de um ocidental, podem ser entendidas como transexuais.

Essas definições quando adaptadas, no entanto, são úteis apenas como ponto de partida para um entendimento mais amplo. No Havaí pré-contato, sexo e gênero eram parte integrante da dinâmica do poder, como um componente de um complexo sistema sócio-político, que se organizava de maneiras completamente diferentes das concepções ocidentais.

Por transitarem em ambos os universos, masculino e feminino, os māhūs eram considerados legítimos mantenedores das tradições culturais orais e da dança. Mas seu papel dentro dessas sociedades ia além.

māhūs
Uma variedade de termos usados para designar a existência de um terceiro gênero foi catalogada por antropólogos e historiadores que se dedicaram a estudar a Polinésia a partir dos primeiros contatos. Foto: Reprodução

Os chefes havaianos, conhecidos com ali’i, enquanto pertencentes ao topo da cadeia da classe dominante, protegiam ferozmente suas linhagens tendo māhūs como amantes, como uma forma de praticar sexo seguro sem a possibilidade de procriação.

Também para os maka’ainana (os plebeus), o sexo – incluindo sexo com parceiros do mesmo gênero – era praticado livre das concepções modernas de monogamia.

Obviamente, tal comportamento passou a ser fortemente repreendido com a chegada dos missionários calvinistas ao Havaí, no início do século 19. Por representar uma afronta às concepções cristãs de relacionamentos heteronormativos, todo māhū passou a ser visto como um “desavergonhado”, e uma campanha para “salvar almas”  – na prática, repreensão – foi travada em todo o arquipélago.

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Hinaleimoana Wong-Kalu é uma kumu (professora) havaiana, que se identifica como māhū. Ela  conta que a colonização quase apagou esse aspecto da cultura polinésia da história do Havaí, mesmo que sua presença nas ilhas remonte aos tempos mais remotos, quando os membros da comunidade os admiravam por seu equilíbrio, liberdade e sabedoria, e os māhū eram vistos como guardiões reverenciados de práticas tradicionais.

Parte da vida de Wong-Kalu é contada no documentário “Kumu Hina” (2014) que narra sua trajetória de ativismo e envolvimento com a comunidade local.

Ela também participa e ajudou a escrever o roteiro de outro documentário, “A Place in the Middle” (2015), que narra a trajetória de uma de suas alunas, Ho’Onani Kamai, para se tornar apta a liderar o grupo de hula para meninos em sua escola.

O A Place in the Middle também inspirou a escritora neozelandesa Heather Gale a lançar um livro infantil chamado “Ho’onani: Hula Warrior”, baseado nas vivências de Hinaleimoana Wong-Kalu e Ho’Onani Kamai, entre outras pessoas identificadas como māhūs na cultura havaiana.

Embora Gale, através de seu livro, apresente uma história empolgante de uma criança superando obstáculos – nesse caso, Ho’Onani desafiando papéis de gênero tradicionais para se apresentar como uma guerreira hula – a escritora soube navegar por águas mais profundas, tecendo habilmente elementos de cultura e gênero em linguagem simples que permite às crianças refletirem sobre um tópico complicado.

Quando assistiu ao documentário, em 2016, Gale sentiu que precisava transformá-lo em um livro infantil. Ela revela que, embora não estivesse familiarizada com a história havaiana e a comunidade māhū em particular, se apoiou em sua herança Maori, já que as duas culturas compartilham raízes polinésias, para não cair em armadilhas criadas por estereótipos e preconceitos.

Wong-Kalu defende que a cultura havaiana nunca deixou de ver a fluidez de gênero como parte integrante de sua história. A única diferença agora é que o Havaí não é mais uma nação independente; os europeus colonizaram-no no século 18 e os Estados Unidos o anexaram em 1898.

Kanaka Maoli (havaiano nativo) foi condicionado por tanto tempo a pensar e agir como estrangeiro que permitimos que o significado e a intenção de nossas palavras, tradições e filosofias fossem substituídas por crenças neocristãs e usadas para promover uma agenda política ocidental em nossas ilhas”, defendeu a kumu, em artigo publicado no Honolulu Star Advertiser.

Com paciência, amor e perseverança, os māhūs de hoje buscam reestabelecer a conexão de seu povo uma parte importante da cultura havaiana, que, por fim, representa seu direito de existir.

*Por Luciano Meneghello

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