HARDCORE conversou com o lendário Robert Dean Silva Burnquist, mais conhecido como Bob Burnquist, sobre sua recente parceria com a gigante dos produtos térmicos Stanley, originada em 1913, a partir de uma garrafa térmica a vácuo de aço. Além do novo deal, a conversa via telefone fluiu por muitos caminhos. O suficiente para afirmar que Bob é um cara que compreendeu a polivalência humana: consagrado na história do skate no mundo, esse ícone cria em múltiplas esferas e está sempre inovando e temos muito o que aprender com ele.
Texto Alexandra Marques
Esse mestre da tecnologia e da mudança está constantemente esticando as linhas de progressão: seja a partir das vivências cuja carga de adrenalina chega como bálsamo para pouquíssimos mortais da Terra; empreendendo com Cannabis e no mundo dos NFTs; ensinando sobre cultura, skate, meio ambiente e expansão da consciência na ilha da Gigóia, na Califórnia e no mundo; e muito mais.
Enfim, 30 medalhas no X-Games deixam de ter sentido quando internamente o propósito não é alcançado. O feeling por novos aprendizados é um dos combustíveis desse talento absoluto, assim como educar gerações e transformar realidades positivamente. Para isso, o skate é a ferramenta perfeita e dessa forma Burnquist segue revolucionando.
Confira e aproveite a seguir detalhes sobre suas filosofias, projetos e ensinamentos para a vida.
Que mensagem você quer passar às pessoas?
Bob Burnquist: Visualize antes de materializar, porque não tem outro jeito, e tenha consciência dos atos; então quando você vai andar de skate, você vai fazer uma manobra, cada parte dela tem uma fase e você têm de visualizar para chegar até o final, pode demorar um tempão, como qualquer coisa da vida, ou pode ser rápido, mas não tem como pular essas fases, senão fica muito caótico. Depois, intuitivamente, talvez, se você jogar [uma manobra] você já esteja intuitivo… Enxergar antes de fazer e consciência antes de manifestar; demora, mas é assim para aprender qualquer coisa.
Você escreveu “Skatista Espiritual” em seu site.
Bob Burnquist: É meio que uma obviedade, né? Mas enxergo o skate de maneira sagrada, porque para mim é uma bênção poder criar… Qualquer coisa. Arte. Personagem. Manobra. Tudo é manifestação de criação, da mesma forma que fomos criados. É sobre entender esse looping, manifestar, e ser grato quando as coisas acontecem. Quando acerto uma manobra, por exemplo, é uma forma de prece; de agradecimento; do poder de criar algo.”
Você tem religião?
Bob Burnquist: Não vou falar sobre religião especificamente. Somos Luz.
O que te movimenta?
Bob Burnquist: Aprender algo novo, fazer algo novo; constância. Independentemente de vitória em campeonato. Ganhar, já ganhei, e ganhar de novo é apenas sobre o sentimento de ganhar mais uma vez. Mas quando você cria algo novo, como uma manobra nunca feita…
Me prendo mais ao que faço do que a como me julgaram. Fazer algo que nunca fiz é minha vitória. A vitória pode vir com algo novo ou com uma sequência de manobras iguais em anos diferentes – por isso também parei de competir nos X-Games. Encontro os momentos, e se continua tudo meio que a mesma coisa, então por quê estou aqui? Vou gastar meu tempo em outro lugar fazendo algo novo.
Vamos falar sobre o novo, então.
Bob Burnquist: A evolução da construção de rampas é algo novo. Mais do que ganhar. Tem a questão dos obstáculos, ideias e atividades diferentes [Bob criou o Burnkit, um conjunto de obstáculos voltados para a prática do skate desenvolvido por uma equipe de especialistas liderada por ele].
Por exemplo, o salto do Grand Canyon [veja abaixo] é a união de habilidade diferentes fazendo algo novo. Acaba sendo o que mais busco, porque manifesto minha criatividade.
O novo pode ser a mega? Girar mais não necessariamente é o caminho da evolução. Crescer mais a rampa também não. Pode ser que faça uma rampa maior por alguma razão de pular de um lugar mais alto, e, tá… Mas a sequência de evolução de uma modalidade progressiva? Acho que a mega tem um tamanho bom e aí pode-se adicionar obstáculos, como adicionei em casa um obstáculo lateral com um corrimão que une o skate com street… Não tem muito modalidade…
Hoje em dia, vemos Olimpíada, modalidades. Qual a sua modalidade? Skate. Lógico, para competir você tem de tentar dar um foco… Competir em tudo é mais difícil, mas possível… Como você tem skatistas que ganham ou passam para final no street com alto nível técnico, e passam para final no park e transitaram pela mega; os skatistas overalls…Vejo o skate como uma modalidade completa.
Construir ideias, rampas em parafuso, o looping aberto [veja no vídeo abaixo]… A construção do obstáculo em si é uma coisa. O looping aberto eu fiz uma vez na vida, né. Porque não é um obstáculo de evolução.
Mas você consegue evoluir na mega rampa, que agora tem aterrissagem e um quarter, então, você não só pula e dá aéreo, você pula e dá um 720º; aterrissa e dá outro 720º; faz várias manobras diferentes. Então, quando você destrava um obstáculo, você abre um ponto de oportunidade de aprendizado e sentimentos novos. A construção de uma rampa tem um momento, que quando você faz o obstáculo acontecer, é um processo acompanhado de um sentimento de ‘Vou aprender tanta manobra essa semana! Porque destravou… Daí vou lá e filmo um monte, todo dia, uma, duas, três, quatro manobras novas. Procuro essas construções e é um processo que não acaba…
Falando em novidade, e a nova do skate Olímpico?
Bob Burnquist: O skate nas Olimpíadas era inevitável e era sobre uma forma de fazer isso de maneira que fosse minimamente estruturada por skatistas, pelo menos o design, e com muito trabalho nós conseguimos.
Teve minha passagem pela confederação; a afiliação à Federação Internacional; todos requisitos burocráticos, enfim, todas aquelas coisas que aconteceram foram importantes para estruturarmos institucionalmente o skate.
Era necessário para o amadurecimento e aí, se você deixa alguém fazer, não pode reclamar… [risos]
Precisa colocar nas costas e assumir a responsabilidade, que é uma responsabilidade civil como skatista e cidadão. Beleza, aconteceu, conseguimos, foi mágico, até pelo alcance e dimensão e personalidade do esporte… Foi a vitória do skate; trouxemos o espírito olímpico para as Olimpíadas, que parecia estar perdido há muito tempo; todo mundo tão sério, e o skate entrou daquele jeito que é; com amizade, em família,um torcendo pelo outro.
Sempre foi assim e a galera viu isso em uma janela incrível.
Foi trabalhoso e muito positivo e isso provocou um estouro de interesses. Chegaram grandes marcas, como a Stanley e o Banco do Brasil; o instituto Skate Cuida [criado por Bob em 2020] crescendo. Agora temos argumento para construir pistas pelo Brasil; fazer mais eventos; ter patrocínios fora do eixo do skate; mais marcas enxergam a magia e a influência do skate e como podem se associar para fazer algo novo.
Podemos usar isso, só que agora acredito que existe um vácuo de eventos culturais de peso, que fujam do lance ‘isso é classificatório para as Olimpíadas?’ O que não importa! O que importa, é se o evento é legal? Claro vai continuar tendo evento classificatório… O lado burocrático vai se ajustando… O que não pode é perder a essência.
Como então alimentar a cultura do skate?
Bob Burnquist: Qual é a história do skate? Você sabe quem.. Lá atrás… Não que ele foi inventado do surf. Mas a cultura, as pessoas, a história atual. Isso é importante. Este projeto que nasce [saiba mais dessa vivência no vídeo acima] traz isso.
Formatos, troféus em NFTs, pagamento de premiação em cryptos; muita arte digital com realidade aumentada; games; rampas como obras de arte e esculturas; porque o skate é isso.
Agora as Olimpíadas fazem parte da cultura do skate, mas, se vai, se não vai, isso afeta zero. O skate é por si só, e as grandes marcas vão continuar independentemente dessa movimentação olímpica.
Tá… Vamos falar sobre riscos?
Bob Burnquist: Hoje mesmo avaliei riscos antes de atravessar a rua… [risos]…
Os riscos de se machucar quando anda de skate, beleza, estão lá, sempre me machuco e vou continuar, mas você tenta ser inteligente nas batalhas; não só no skate, mas fora; nos negócios; no que de fato vou entrar; sempre foi assim; e o que prometo, cumpro. Nunca tento ir além do que sei que posso conquistar.
E a sua história com a Cannabis, sua salvadora?
Bob Burnquist: As plantas salvam minha vida. Falamos de um futuro plant-based.
Acredito muito nisso, até pela realidade atual de sociedade, de como a gente se alimenta, remediamos sintomas; a gente não quer deixar de comer alguma coisa ruim porque tem um remédio que cura azia…
Ao invés de navegar nesse pensamento, você navega em não comer a coisa ruim, justamente pra não ter de tomar um remédio. Então pra mim, a dieta à base de plantas, o que se come, é mais importante do que os remédios que se toma.
Estou há uns dois anos vegano. Me fez diferença enorme. Por que não é uma planta que é a salvadora, todas as plantas são; e muitas são vistas de forma mercadológica.
LEIA: Maconha e surfista? Descubra e compreenda os amplos benefícios da erva
Não é só a Cannabis. Vivemos um momento em que as proibições; as legislações; são direcionadas por interesse econômico. Isso vai mudar e vamos olhar para as plantas. Você vê as food techs aparecendo; recentemente fechei com uma marca de iogurtes à base de plantas, como inhame e coco…
Então, a Farmaleaf é uma empresa de plantas medicinais que fundei com o Alex Atala, temos produtos com e sem Cannabis; com copaíba; moringa (que já foi proibida de se comercializar no Brasil), por exemplo…
Essas proibições no mundo do bem-estar vão ser aliviadas porque é inevitável; é sobre a liberdade de as pessoas se medicarem como elas acharem que é melhor.
Como atleta, é muito mais leve eu medicar com plantas do que tomar remédio pesado. Agora, se chego com um osso pra fora, preciso do remédio pesado por alguns dias pela dor aguda. É questão de mentalidade, acho importante que o movimento se abra, mas é muito maior do que uma planta.
Pode crer…
Bob Burnquist: Isso tudo tem a ver com reciclagem, por exemplo, essa parceria com a Stanley tem propósito. Evito reutilizar plástico (inclusive fazemos plástico a partir do cânhamo) e, sim, além da proibição de uma planta, o tanto de plástico que usamos está poluindo tudo, precisamos mudar hábitos urgentemente.
Carrego minha caneca de café, não uso espuma, por exemplo, não incentivo esse mercado de reutilização de plástico: é sobre pensar conscientemente, vou no mercado, levo minha mochila.
Diante disso, o que vou comer? O máximo de coisas boas que me fazem bem, e sei que não incentivo um mercado que polui. Imagina se todo mundo come carne todos os dias? Isso não é sustentável. Não é que é somente ruim pra você… Cada um escolhe como vive… Mas é sobre diminuir o consumo do que faz mal.
Totalmente… Mudando de assunto, e sua história com o instituto Skate Cuida?
Bob Burnquist: Temos oportunidades de fazer trabalhos, passar a visão… Por isso que vou no Pode Pah; estou aqui nessa entrevista; sei que o que faço tem influência.
No momento estou na ilha da Gigóia, sabemos das necessidades daqui, tocamos alguns programas do instituto; passamos a visão para a molecada; têm aulas de skate; de arte; alongamento… Quando fecho parcerias, é inevitável que eu traga para as marcas a importância de direcionar energia para projetos como os do Skate Cuida.
A Stanley é perfeita nessa sinergia, e como temos a sede aqui na ilha [da Gigóia], vivemos a realidade do pensamento com água: vira e mexe, o táxi-boat chega e tem saco plástico na hélice; você vai até ali e vê lixo plástico boiando… Então tem um galão de água aqui e nós reutilizamos copos. A Stanley estava entrando no skate, tinha fechado com as incríveis e inspiradoras Pâmela Rosa e Vitória Mendonça, e estamos somando, tanto aqui, quanto em Niterói e em São Paulo, entre outros parceiros pelo Brasil. Espero continuar com esse trabalho que tem causa e faz a diferença.
Soube que você tem um caderno de ideias no qual anota tudo…
Bob Burnquist: Minhas páginas são cheias e vão se manifestando conforme o tempo passa e oportunidades aparecem… Não necessariamente espero uma oportunidade para criar uma ideia, apesar de oportunidades diferentes originarem ideias diferentes, tenho muitas que vão sendo desenhadas… E, ah! O momento é pra essa; essa pode acontecer agora… Agora estamos com esse projeto do Banco do Brasil, desenhando uma van, que inclusive já saiu…
Tem a Trick Tokers, competição online, em parceria com a 100% Skate, que é uma ação digital.
View this post on Instagram
A van é uma street mega, um roll in que vai pro chão, uma rampa, tem corrimão em cima, então, são obstáculos e manifestações pra evento, na verdade é uma grande van pro Skate Cuida, que chega com workshops, ateliê de arte… Minhas ideias estão nessa união de social, cultural, performance, teatral, mais skate, mais identificada, não são sobre grandes rampas e feitos.
A van chega com informação: o lema do instituto é inspirar, educar e transformar. É sobre trazer a ideia de cultura… A ideia da van é essa: trazer aprendizado.
Então minha manifestação não é só em skate e obstáculos e performances diferentes, mas também em realizações de eventos novos; novas ideias e formatos e interações de skatistas a partir de ferramentas novas; projetos na Web 3, de blockchain, cripto-arte, e por aí vai.
@bobburnquist Manifest! #floweroflife #fy #fyp #sacredgeometry #bobburnquist ♬ 528 hz (Positive Transformation) – Sound Bath & Solfeggio Sound Bath
O que você tem ouvido?
Bob Burnquist: Às vezes entro em frequências, batidas de frequências… Gosto de Pixies também, muito. Rock no geral, Charlie Brown, Primus, e umas mais antigas, como Beastie Boys… e o que se ouve por aí, se achar bom, ouço… No meu dia a dia, vou nessas mais antigas, acaba indo pra Hardcore…
Alguma leitura edificante?
Bob Burnquist: Sempre. Todos os dias… Não só leitura, mas manifestações de palavras, acho que isso é legal de passar: se você constantemente diz o que você é, as manifestações do Eu Sou, isso traz muito poder, de entender os chakras, energia, consciência, musculos, ossos, alma… Se quebro osso, preciso entender sobre, se eu vivo, preciso entender sobre meu corpo além do físico…
Como tratar as pessoas, leituras espíritas, leituras antigas, geometria sagrada, frequências, sons, todos os dias… Já que martelam o contrário todo o dia: o que mais tem por aí é galera tentando fazer com que você acredite que você não é nada… Que nunca nunca nunca dá certo… Então temos que trazer pra nós essa leitura positiva.
Falando em geometria sagrada, você ilustrou seus cartões de NFTS com a flor da vida.
Bob Burnquist: Foi uma manifestação criativa. Esses cartões de NFT foram construídos na proporção áurea…
E aquele seu pássaro balão, como surgiu?
Bob Burnquist: Foi natural… Sempre gostei de pássaros…E aí, nos desenhos, com o tempo, personagens aparecem. Eu desenhava pássaro com forma humana, tem uma pegada antiga egípcia misturando animais com corpos humanos em personalidades para definir certos direcionamentos de consciência e tal…
Aí esse pássaro meio astronauta… No fim comecei a entrar numas… porque sem o pássaro, o balão é meio que o pensamento de uma manobra nova – cada vez que eu acerto uma manobra nova, um balão se forma, uma criação. Quando vem o pássaro, ele vem porque conscientemente, é também uma manifestação espiritual nova, é uma manobra mas é um ser, a ideia do balão, é quando mais evolução moral, mais ele infla, não pelo ego, meio que veio em um personagem de conexão espiritual e como espírito do skate, esse é o meu espírito do skate, você pode ver ele com roupa de astronauta mas dentro ele é balão, ele é espiritual, como todos nós.