Entrevista originalmente publicada no O Globo.
No fim dos anos 80, um jovem surfista australiano entrou no circuito mundial fazendo barulho. Dentro da água, Matt Branson se destacava com um surfe considerado moderno à época. Fora, não passava despercebido, com suas dezenas de tatuagens e seu gosto por punk rock e metal – era fã de Sepultura e ‘parça’ dos irmãos Cavalera.
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A passagem de Branson pelo circuito, porém, durou muito pouco. Em 1991 ele abandonou as competições. E apenas mais de 15 anos depois ele se sentiu à vontade para se assumir gay, em um artigo na revista especializada “Stab”.
Em entrevista por email ao GLOBO, Branson – que mandou abraços aos brasileiros Flávio e Neco Padaratz, Fábio Gouveia e Dadá Figueiredo – diz que largou o circuito por “paranoia por ser gay”.
Você acha que seria possível para você fazer o que fez a Tyler Wright, e surfar com a bandeira do orgulho gay estampada na camisa ou prancha?
Acho que foi fantástico a Tyler com a bandeira do orgulho gay. Ela é um modelo perfeito para comunidade do surfe LGBTQ. Não consigo dizer o quanto admiro ela e a luz de positividade que ela emana. Acho que para mim, não digo que seria impossível…. mas não seria tão bem recebido naquela época. O mundo progrediu muito desde os anos 90, obrigado por isso!
O quão homofóbico era o surfe 30 anos atrás? E o quanto mudou?
O mundo era um lugar totalmente diferente. Digo, quando eu viajava no circuito mundial, havia lugares em que você poderia ser morto se fosse gay. Ainda existem lugares assim. Felizmente isso está mudando. Penso que agora a maioria dos surfistas atuais não se importe com a sexualidade das pessoas. Com certeza mudou muito de quando eu era jovem. Tenho certeza que se as pessoas soubessem que eu era gay nos anos 80/90, eu provavelmente teria sofrido bastante enquanto surfava.
Por que você largou o circuito mundial aos 23 anos?
Eu abandonei o circuito por total paranoia por ser gay. Simples e direto, foi isso. Eu estava surtando. Eu tinha um parceiro naquela época, então larguei o circuito e fomos morar junto. E eu basicamente escondi isso do mundo naquela época. Eu também havia sido esfaqueado em Sydney (em uma confusão em uma boate) seis meses antes, então eu também estava lidando com aquilo.
Desde então, nenhum outro surfista profissional no circuito assumiu ser gay…
Talvez não existam surfistas gays no circuito? Espero que algum dia alguém “saia do armário”. As mulheres sempre foram mais abertas sobre sua sexualidade, mesmo na época em que eu estava no circuito. Talvez ainda seja difícil para os homens.
Você teria um conselho para para algum surfista profissional gay que está pensando em ‘sair do armário’?
Não sei se eu poderia oferecer algum conselho que de fato importasse para algum indivíduo, surfista ou não, sobre se assumir. O que importa é sua família e os amigos que estão próximos, que o ajudam a passar pelas difíceis decisões da vida. Mas se importa, eu diria um grande, “fuck yeah”! Que bom é ser você!
Você ainda surfa?
Tenho 51 anos. Às vezes me sinto com 21, mas meu corpo não, hahaha. Já faz um ano que não surfo. Tenho uma moto, e tudo que quero fazer é andar nela todo o tempo. É como surfar nas estradas. Livre, sem dramas… Ainda penso sobre o surfe, quase todo dia eu nado no mar. Vou surfar de novo em breve. Está no meu sangue.