Estado de flow – fluidez, na tradução livre. Já ouviu falar nesse termo?
O estado de flow é algo que muitos de nós, senão todos,
já experimentamos. Surfisticamente, é como tornar-se um com a onda e com sua prancha. Diga aí se algum dia você já se sentiu assim.
texto Alexandra Marques
Superconcentrado (a), surfando no máximo da sua performance, sem ver a hora passar.
Como surfistas, saber mais sobre estado de flow, bem como as maneiras de acessá-lo, pode representar uma grande melhora na performance dentro d’água e uma vida muito mais plena.
Afinal, quem é que não quer usar o cérebro de forma otimizada, sem desperdício de energia, nem sobrecarga, e ser mais feliz?
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Para saber mais sobre o assunto, entrevistamos o autor, pesquisador, mentor e fundador do Projeto Flow, Cadu Lemos. Executivo por muitos anos, ele criou sua consultoria em 1998 por meio da qual produz e transmite conteúdos sobre construção, fortalecimento e sustentação do foco, atenção e concentração, para auxiliar as pessoas a viverem plenamente.
“O que importa é saber que é possível ampliar a consciência de forma voluntária e que todos podemos fazer isso se conseguirmos estabelecer as condições e os gatilhos para tanto. Seja para surfar, fazer uma prova de matemática ou preparar um relatório. O flow é uma ferramenta disponível para aumentarmos nosso desempenho e buscarmos plenitude.”
Confira a seguir um pouco de teoria e dicas para acessar, o estado físico e mental mais buscado na Terra há séculos”, segundo Lemos.
Flow, a origem
O estado de flow foi definido pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi como uma sensação de fluidez que acontece quando corpo e mente estão ativados no limite.
“Quando você tem sensações de descoberta, exploração, solução de problemas, desafio, fusão de ação e consciência, noção de tempo anulada e, acima de tudo, o grande prazer que se origina da combinação desses elementos”, detalha Lemos.
O professor Csikszentmihalyi, PhD em psicologia, chegou para estudar na universidade de Chicago com 50 dólares no bolso. E decidiu fazer uma pesquisa para entender o que era plenitude, realização, sucesso. Assim, ele entrevistou pessoas do mundo inteiro, de todas profissões imagináveis.
Em 1975 ele publicou o resultado da pesquisa sob forma do livro “Beyond Boredom And Anxiety” [além do tédio e da ansiedade, na tradução livre]. Repleta de insights brilhantes, a publicação oferece uma introdução atemporal ao conceito de flow e a base científica por trás dele.
Enfim, o professor percebeu que havia um ponto em comum na resposta das pessoas que ele entrevistou; uma sensação satisfatória, muitas vezes estimulante; de realização criativa.
“Aí ele percebe que a pesquisa dele representa mais do que algo sobre felicidade, e assim chega ao ‘estado de flow sobre o qual tantas pessoas falam. E conclui que existem condições para que esse flow se manifeste”, detalha Lemos.
O fundador do Projeto Flow explica que no momento de flow, é quase como se o subconsciente entrasse em ação e não há atividade do córtex pré frontal, que julga e racionaliza. “Estar em flow é pensar e agir de forma intuitiva; racionalizar é sair do flow”, pontua Lemos.
Mas, afinal, como alcançar esse estado?
“Para cada um é de um jeito e se manifesta de uma maneira. Mas é um estado de consciência que pode ser acessado por todos”, explica Lemos.
Vídeo: Cadu Lemos / Projeto Flow
Passos para o flow
“O professor falava em oito condições para o flow; trabalho com 20, mas poderia dizer que são 17, porque há três pré-requisitos: 1, ter uma meta, um objetivo claro (um de cada vez); 2, saber se você está indo bem ou não (ter feedback imediato); e 3, estar à altura do seu desafio (relação desafio x habilidade)”, explica Lemos.
Confira abaixo as oito características que segundo Csikszentmihalyi definem o estado de flow:
1. Metas claras.
Sabemos o que deve ser feito e não perdemos tempo considerando se os objetivos são pertinentes.
2. Feedback imediato.
Por conhecer seu trabalho e saber o que deve ser alcançado, o sujeito é autossuficiente e prossegue no que está desenvolvendo, independentemente de opiniões ou quaisquer críticas externas.
3. O que importa é o presente.
Não vivemos nas memórias do passado nem nas ilusões do futuro; centramos-nos no que está acontecendo.
4. Noção de tempo alterada.
Por estarmos no presente, nossa percepção de tempo é interrompida.
5. Concentração aprofundada.
Não refletimos acerca do próximo passo porque, imersos no processo, já estamos dando o próximo passo.
6. Controle não é problema.
Chegamos a um patamar de confiança no qual não nos preocupamos com “fazer certo”, pois acreditamos no que estamos fazendo.
7. Há equilíbrio entre capacidade e oportunidade.
Ou seja, se o desafio for muito grande, será preciso treinar mais ou diminuir o desafio (isso vale para o surf (e outros esportes) e também para os estudos e o trabalho.
8. O ego se perde.
Nos envolvemos com atividades que transcendem nosso próprio ego; não buscamos reconhecimento em troca.
Vídeo: Cadu Lemos / Projeto Flow
É importante fazer uma distinção essencial, conforme pontua Csikszentmihalyi: o estado de flow é diferente do estado de distração. Assistir Netflix, por exemplo, pode nos tirar noção de tempo, mas não nos desafia, tampouco estimula nossas habilidades.
Outros obstáculos podem se interpor para que alcancemos o flow, como preocupação com o resultado final, ego, competição, medo do julgamento, ansiedade, necessidade de aprovação externa, culpa, expectativa, distrações, insegurança, crença de que somos multitarefa, falta de foco ou propósito, inquietude, sentimento de que não estamos sendo desafiados e medo de não conseguir (quando o desafio é grande demais, por exemplo).
Mas, então, como acessar o flow?
É preciso sincronizar corpo e mente, e isso vem das tradições religiosas antigas, que utilizam muito a meditação. Para essas tradições, o estado de flow não se constrói; ele é natural da nossa mente, que precisa das condições certas para ser acionado.
Abaixo Lemos detalha os cinco estágios do ciclo do Flow:
A recuperação, quinta etapa do ciclo, é importantíssima, conforme ressalta Lemos. Perguntamos a Lemos como gerenciar tempo de flow e a recuperação. Ele diz que há várias programações possíveis, como 90 minutos de flow e 20 de descanso e também cita a técnica Pomodoro.
Dicas para alcançar o estado de flow:
> Relaxe o corpo; supra suas necessidades.
Caso esteja com sede, fome ou sinta qualquer incômodo físico, o fluxo pode ser interrompido (ou nem chegar).
> Tenha consciência do seu estado emocional.
Perceba suas emoções e tente lidar com elas.
> Programe-se.
Abra espaço na sua agenda, planeje seus compromissos e evite preocupações com eles.
> Reduza interrupções.
Você sabia que nosso cérebro demora 23 minutos e 15 segundos para recuperar o mesmo nível de foco caso sejamos interrompidos? Quanto mais interrupções, mais o cérebro têm de reprocessar as informações, tirando seu foco.
> Tenha uma motivação.
O desafio a ser cumprido deve ser interessante para você. Porque se for algo chato, ou que você não gosta, será mais difícil entrar em estado do fluxo.
> Estabeleça metas claras.
Não crie coisas que você não consegue fazer, nem coisas “pequenas”. A princípio, o desafio deve ser alto, que te motive, e eleve seu nível de estresse de forma saudável.
> Mantenha o foco.
Tire tudo aquilo que possa atrapalhá-lo antes de iniciar a tarefa. Ignore estímulos internos que não sejam insights para seu trabalho.
> Reconheça seu progresso.
Tenha percepção do momento em que você sai do zero e dá um passo a frente e eleja maneiras de medir seu progresso.
> Celebre seu sucesso.
Quando cumprir parte das tarefas e se sentir satisfeito (a) com o que fez, parabenize-se. Assim você usa o sistema de recompensa do seu cérebro para que ele o auxilie a continuar engajado (a) no que está fazendo.
> Aja positivamente.
Tenha sempre uma atitude positiva, relacionada ao bom humor, assim nosso estado de atenção se eleva e nosso foco aumenta.
E quanto tempo dura o flow?
“Flow é fugaz, depende de pessoa para pessoa e inclusive do tipo de atividade que está gerando o estado. Como o flow provoca a descarga de hormônios e neurotransmissores como dopamina, serotonina, oxitocina e mais, o tempo de duração está também diretamente relacionado às reservas destes neuroquimicos”, detalha Lemos.
Para Lemos, centrar na respiração é um primeiro caminho para o estado de flow, assim como uma atitude chave para trazer plenitude e saúde. Ele enfatiza o fato de que a maioria das pessoas respira de forma errada.
E uma respiração consciente, quer você queira ou não, é crucial para atingir o ápice da sua performance no surf.
Além disso, surfar é algo que nos conecta a todos nossos sentidos, há profunda imersão no meio líquido, o que envolve um tipo de sensorialização única, que pode nos catalisar para o flow de um jeito bastante natural.
“A renovação de energia é contínua”, diz Lemos sobre a prática do surfista. Ele também lembra que a coisa é diferente para um atleta de alto rendimento, por exemplo, e pode-se chegar a um limite muito mais facilmente. Fadiga. Burnout, o que, segundo ele, para curar, só com ajuda externa. Exemplos não faltam; como Gabriel Medina que nesse ano precisou se afastar das competições para cuidar de sua sanidade mental.
Enfim, voltando ao surfista comum, há muito menos pressão (concorda?) e, sob essa ótica, (a de não ser um atleta profissional) um caminho mais livre de possibilidades.
Sabe quando você olha alguém surfar e parece que não há esforço ali?
O filósofo britânico-americano Alan Watts falava sobre o “não forçar” e ao nos deparar com essa definição, nós a consideramos perfeita para falar do flow no surf.
Vídeo: Cadu Lemos / Projeto Flow