Black trunks remando no line up durante o final dos anos 1970 para barrar as competições de surf profissional realizadas por não havaianos no North Shore de Oahu, Havaí. Imaginou essa cena?
Esses nativos de bermuda preta, em especial e inicialmente, Eddie Rothman, Bryan Amona, Kawika Stant Sr. e Clyde Aikau, partiram da premissa do respeito, proteção e preservação do surf havaiano para tomar atitudes específicas a fim de proteger os direitos dos havaianos e surfistas locais.
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Em 1975 nasceu o Hui O He’e Nalu, que significa “Clube de Wave Riders” (ou clube de surfistas, na tradução para o português), coletivo firmado para potencializar os ideais havaianos para além do arquipélago que seria o embrião da Da Hui (o clube, ou o clã, em português).
Neste momento, o Hui O He’e Nalu é baseado em cerca de 400 membros ativos, todos vivendo no Havaí, Taiti ou outras ilhas do Pacífico. Para fazer parte da associação Hui O He’e Nalu, você deve ser patrocinado por um membro atual de 10 anos ou mais de casa.
Desde outubro de 2021, a Da Hui tomou conta de sua operação no Brasil e nós fomos conversar com Ricardo Costa, o CEO da operação, para saber mais detalhes sobre os novos planos da marca no país. Confira:
Hardcore (HC): Como se originou essa retomada?
Ricardo Costa (RC): Foi uma convergência de situações. Durante a pandemia rolou uma conversa com o pessoal do Havaí e a gente começou um planejamento a respeito de onde podemos levar o patrimônio que a marca deixou no Brasil, que constitui um asset muito grande dentro das surf trends: a Da Hui com certeza é a marca mais identificada com o surf havaiano.
Eu tinha terminado uma consultoria e a história da Da Hui já era antiga em casa. Conheci o Fast Eddie outras vezes como amigo do meu irmão [o black trunk Carlos Ozzy, que mora no Havaí], daí meu irmão falou: “Já passou da hora de fazer a Da Hui no Brasil de novo”. Então foi assim que eu caí de paraquedas nessa história, mas entre aspas, porque no fundo, tem toda uma timeline desde a infância que materializou isso hoje de alguma forma.
HC: Qual sua relação com o surf?
RC: Minha casa é de surfistas; peguei onda mais na adolescência, não incorporei tanto o hobby quanto meus dois irmãos, mas revistas de surf e acessórios sempre estavam espalhados pela casa; minha infância aconteceu dentro desse contexto.
Sou o mais novo dos três irmãos e os dois mais velhos são super surfistas. De final de semana, íamos para o Guarujá, estávamos sempre na praia.
HC: Por que tocar a marca diretamente?
RC: A Da Hui decidiu explorar os prós da gestão direta no Brasil, como o maior alinhamento maior com a política global; uma gestão mais direta com foco exclusivo e assim mais autonomia, sem passar por intermédio de um licenciado, que pode estar com outras marcas, outros planos etc; é uma gestão que encurta a distância entre a marca lá fora e o mercado que você quer atuar. Os licenciados não estavam performando exatamente como a marca queria e a gestão direta permite fazer um trabalho mais próximo com a Da Hui lá fora. O plano, inclusive, é fazer do Brasil um hub para a América Latina; o Peru, por exemplo, tem boas ondas e é um pico interessante para a gente se conectar.
HC: Vocês pretendem investir em atletas brasileiros?
RC: No momento temos um time gringo e como estamos iniciando nossa retomada, patrocinar atletas fica para um segundo momento pós 2022. Precisamos alinhar várias frentes de trabalho e ajustes para assim apoiar o surf como esporte e investir em patrocínios, por exemplo.
Imagino que por influência do release que divulgamos ano passado, em torno de 15 contatos foram feitos conosco nesse sentido, por pais de jovens surfistas jovens querendo saber a respeito da política de patrocínio Da Hui. Hoje o foco está lá fora, mas vamos botar uma lupa no cenário esportivo brasileiro para que a gente possa retomar a prática de patrocínios. A partir de 2023, acho que entramos com ações mais específicas de campanha e patrocínio.
HC: E os eventos Da Hui?
RC: O Shootout, por exemplo, tem formato diferenciado, por equipes, e ele é assim justamente para dar oportunidade a outros atletas que não estão em evidência, mas que são muito habilidosos. Então, uma das coisas que a gente já discutiu (e que inclusive falamos a respeito informalmente com alguns dirigentes de federações), foi fazer um Shootout Brasil, no qual a equipe vencedora participa de um Shootout no Havaí. Conectando com o que falamos: a gestão própria traz isso, a presença da alma, uma presença mais verdadeira e intensa, e aí você começa pensar nesse tipo de coisa. Essa ideia está incubada, mas olhamos para ela com muita atenção, e se acontecer vai ser muito legal.
Da Hui Shootout de janeiro de 2022: assista acima aos momentos do dia final do evento
Nós fazemos também a Paddle Race, que reúne centenas de pessoas remando ao mesmo tempo. Esse é outro evento com nossa assinatura, sobre o qual podemos nos inspirar para fazer algo por aqui.
Também temos planos de espelhar atividades do Hui O He’e Nalu, como preservação do meio ambiente. Para isso, pretendemos fazer parcerias com ONGs litorâneas para trabalhar a conscientização das comunidades, a preservação cultural e das tradições e reforçar a importância desse vínculo sócio-comunitário existir por meio do surf. Assim, o surf se torna ferramenta de inclusão social e fomenta senso de pertencimento, de identidade social nesse pacote que acompanha o relacionamento entre o homem, a natureza e suas raízes. Em um segundo momento, existe a ideia de fundar um instituto próprio para coordenar essas atividades, sempre em parceria com ONGs que já estejam com trabalhos parecidos mais amadurecidos.
HC: A investida no skate é uma novidade?
RC: Sim. O Street foi um projeto lançado aqui pela Da Hui Brasil; estamos começando a definir a linha de artigos de skate, trata-se de outro projeto bem específico de vestuário e equipamentos. Acho que algumas coisas acontecerão em 2022, mas certo mesmo é 2023.
HC: E como é composta a equipe no Brasil?
RC: Nossa equipe aqui é interna e na verdade sou eu que estou mais na estrutura havaiana do que eles na minha; é como se eu fosse um havaiano aqui no Brasil. A medida que os projetos se concretizarem, a gente irá incorporar equipes no Brasil, mesmo por uma questão de demanda. A direção criativa, por exemplo, vem do Havaí, mas recebe olhar das estilistas brasileiras que fazem uma leitura para a realidade do mercado brasileiro. Há uma liberdade grande, e tudo é aprovado por lá. Nosso plano daqui a 2, 3 anos, é lançar coleções globais; hoje a Da Hui tem coleções nacionais e o Brasil pode ser pólo de gestão.
HC: Como conciliar a alma da marca ao momento atual do surf no mundo?
RC: O surfista e o consumidor do surf, eles tinham identificação com este personagem ligado a um comportamento de contracultura; o surfista era um cara transgressor. Isso despertava um interesse, tinha um charme, e mesmo o não surfista gostava de consumir esse lifestyle. De um tempo para cá, a imagem do surfista vem mudando; hoje o surfista é um super atleta e não mais aqueles caras largados peace and love. Essa transição de imagem impactou o mercado porque o público agora se identifica com outro personagem.
E onde ficam as marcas nessa história? A Da Hui tem essa ligação core com o surf raiz, o surf havaiano, que sob uma perspectiva remete a um estilo mais clássico, elegante, com menos firula, menos manobras, então, a Da Hui tem esse link com essa imagem do surfista dos anos 1970. Este é o desafio: adequar o posicionamento de marca, propósitos, missão e objetivos e acompanhar a transformação; só que você não é agente passivo e pode contribuir para que elementos do passado não desapareçam. Isso nos faz olhar para dentro do propósito da marca para encontrar esse ponto de equilíbrio, entre manter o espírito do começo, mas olhar para aonde o esporte vai e proporcionar isso para o público. O público espera que você mantenha a alma original e ao mesmo tempo acompanhe o comportamento que vem das novas gerações, dos novos surfistas.
Em um paralelo, isso acontece no futebol, também… Não se joga futebol hoje como se jogava antes; estava conversando a respeito disso com um amigo que fez uma tese a respeito disso.
No vídeo acima, Makuakai Rothman (filho de Fast Eddie) conta a Jamie Mitchell como foi crescer no Da Hui no North Shore; da situação com o seu pai à morar em uma sala de shape e em uma barraca à beira mar, aonde, segundo ele diz, “o oceano estava sempre lá pra mim”.
HC: Entendi…
RC: Queremos dar sequência a essas iniciativas fora do grande circuito, que é por meio do Shootout, um evento próprio com a cara Da Hui, e queremos, antes de pensar em patrocinar o mainstream, os atletas de ponta, incentivar essas iniciativas alternativas, digamos assim. Mas também o John John Florence, por exemplo, usa parafina Da Hui e é havaiano, então, temos essa inclinação de apoiar os surfistas havaianos por esse vínculo genético. Aqui no Brasil precisamos olhar para os surfistas, e em outros países também, então existe a ideia de apoiar novos valores para fomentar o crescimento esportivo da garotada.
Nada mais core que apoiar o futuro; o Hui O He’e Nalu tem no seu cerne a missão de apoiar e proteger a criançada. Por exemplo, no Havaí, se os Da Hui estão na água, e está aquele crowd, quando uma criança começa dropar uma onda, ela tem prioridade total, todo mundo sai da onda, há uma proteção; uma prioridade em torno das crianças na hora de entrar no mar… Esse olhar para as próximas gerações é forte e temos intenção de fazer isso no Brasil; apoiar nomes que precisam mais de apoio do que grandes nomes, que estão lá na frente; a gente quer manter esse espírito que já rola no Havaí.
Texto Alexandra Iarussi