25.1 C
Hale‘iwa
sábado, 20 abril, 2024
25.1 C
Hale‘iwa
sábado, 20 abril, 2024

Da construção para o surf: conheça Rodrigo “Nosso Lar” Pacheco

Recentemente, dois dos principais surfistas brasileiros do QS — Miguel Pupo e Alex Ribeiro — anunciaram patrocínio de bico de uma empresa que poderia não ter nada a ver com o surf. Mas que, por escolha de seu dono, tem, e muito

Por Adriano Vasconcelos

HC #339, Maio/2018

Empresário que trabalha de domingo a domingo, Rodrigo Pacheco é dono da Nosso Lar, construtora que mais cresce no litoral de São Paulo. Não à toa, ele orgulhasse de contar histórias do período adolescente em que competia em etapas amadoras e algumas até profissionais. E é daí quem vem uma grande paixão: o surf. Fissurado no Tour da WSL, compartilha no guarda-chuva da Nosso Lar nomes do porte de Adriano de Souza, campeão mundial de 2015, que completa o time com outros tops: Jesse Mendes, Alex Ribeiro, Miguel Pupo, Wiggolly Dantas, Victor Bernardo, Deivid Silva, Flavio Nakagima. Ainda figuram sob a bandeira azul da construtora o promissor Dudu Motta, e Luiz Diniz, Keilan Jardini, Victor Santos, Kalani Robes e Gustavo Giovanardi. Com esse time, a Nosso Lar possui hoje uma das maiores e mais valiosas equipes do surf brasileiro. Rodrigo, que pelas ironias da vida teve que “crescer na marra”, hoje com 41 anos, bem casado e pai de três filhos, também apoia eventos regionais e voltados aos grommets, e circos maiores como etapas do WQS. Segundo ele, tudo por amor ao esporte e pela sua terra natal, a Praia Grande, do litoral sul paulista. E para dar exemplo a outros empresários de fora do segmento e mercado direto, porque para ele “investir no surf é muito barato e o retorno é gratificante”.

Veja também: Miguel Pupo anuncia patrocínio de bico de empresa de construção civil

 

HARDCORE: Rodrigo, você apareceu com força no cenário e formou equipe de surf dentro de uma construtora. Qual a sua história?

Rodrigo Pacheco: Eu nasci na Praia Grande e morei aqui minha vida inteira, eu amo esse lugar. Meu pai veio do Nordeste para trabalhar, ganhar a vida. Do Ceará ele foi para Curitiba, de Curitiba veio para cá e nunca mais saiu. Por ser uma cidade litorânea e turística, ele ganhava dinheiro com a praia. Foi fotógrafo de praia, teve barraca, guia, tudo que você possa imaginar. E eu desde pequeno estava na praia com ele. E quando você pega uma prancha e consegue ficar de pé, acabou. Fui contaminado pelo surf. Agora eu estou há alguns anos sem entrar na água por causa do trabalho, mas o surf nunca saiu de mim. Se você me perguntar qualquer situação do surf de 30 anos para cá eu sei tudo. Essa noite eu fui dormir cinco horas da manhã assistindo Margaret River. Engraçado que o meu pai era contra, tinha medo de eu me afogar. Eu tinha uns 10 anos. Comecei a treinar muito e aí viram que eu tinha um talentinho, e com 11 comecei a correr os campeonatos. Eu não era um Kelly Slater da vida, mas incomodava. Comecei a ganhar campeonato local, fui a correr em Santos, ganhei um mirim na Praia Grande. Mas as coisas aconteceram e eu parei de competir com 16 anos. Fui campeão da PG, fui vice-campeão de etapa paulista, corri Lightning Bolt, Natural Art. E também tinham uns surfistas que eram muito feras, o Renatinho Vanderlei, Binho Nunes, Alexandre Sasaki, Danicks Fisher. Acho que o último que corri foi em 90 ou 91…. Meu pai me acompanhou pela primeira vez em um campeonato, fui passando baterias e cheguei na final. Não me dei bem, fiquei em quarto, mas aí meu pai chegou em mim e falou: “Oh, Rodrigo, vim pra esse campeonato porque fiz questão de saber como funciona o surf, vi que você está ganhando uns troféus, está levando a sério”. Ele disse que tinha falado com algumas pessoas influentes para saber qual era do surf, e me perguntou: “Você quer mesmo fazer isso? Você é o cara? Porque eu to preocupado com o teu futuro. Se você for um fenômeno eu te apoio, você vai fazer um pé-de-meia, vai ganhar dinheiro. Mas eu vi que esses bons são poucos”. Aí eu fui bem sincero. Falei “pai, eu não sou o melhor”. Na época meu pai já mexia com construção, e emendou: “Filho, você não quer trabalhar comigo? Nós já estamos fazendo prédios grandes”. Não sei o que deu em mim que eu falei quero. Eu disse, “Pai, eu paro de competir. Mas não de surfar”. E ele disse: “Ok, mas agora você vai pra obra às seis e meia da manhã e vai sair do trabalho às sete da noite. Você vai saber o que que é trabalhar pesado”.

Doce ilusão, achei que teria escritório, salário bom… No outro dia, ainda escuro, meu pai me acordou: “Vamo pra obra!”.

Eu coloquei uma camisa bonita e penteei o cabelo, e já tomei uma dura: “Por que você vai bonito assim? Você vai trabalhar na obra, precisa saber tudo que acontece na construção desde as fundações até a entrega das chaves, só assim vai ser um bom profissional”. Comecei de ajudante, fazendo massa.Descarregava caminhão de bloco, lajota, minha mão sangrava. Obra, obra, obra, trabalho digno. Daí passei para guincheiro, depois virei chefe dos ajudantes, depois virei pedreiro. Isso durante quatro anos. E em 1995 meu pai morreu. Só que a consultora era dele e o do meu tio. Minha mãe, que era dona de casa, teve que trabalhar na empresa. E eu tive que assumir o lugar dele na empresa. Foi quando eu fui pro escritório. Meu pai faleceu e deixou um seguro de vida para nós, hoje tipo uns 60 mil reais (pra efeito nos dias de hoje) para cada filho, e pra mim meio lote de um terreno. Peguei essa grana, dei um pouco de sorte e levantei minha primeira casa. E assim começou a minha história para valer na construção civil.

Rodrigo Pacheco, Praia do Forte, PG (SP).

E quando você inaugurou a Nosso Lar?

Lancei independente uns predinhos no Caiçara e precisava montar uma construtora. A Nosso Lar nasceu em 2004, depois de uma viagem que fiz para o Sul do Brasil. Foi também quando saí do Caiçara e arrisquei nesse mercado mais caro que é aqui no Canto do Forte. Minha vida foi lá no Caiçara, mas o meu sonho sempre foi fazer imóvel de alto padrão. E alto padrão você só pode fazer em local top. Depois de muitas conquistas e empreendimentos lançados, estamos começando um megaempreendimento que é o Canto Nobre, que são 180 unidades. E detalhe, tudo na raça.

E conta um pouco da história do teu pai. Você já me falou sobre ele, era uma figura popular da Praia Grande, foi político e morreu assassinado?

Meu pai já foi tudo que você pode imaginar na Praia Grande. Eu costumo falar que meu pai era um cara visionário, excepcional, empreendedor. Entrou na padaria como padeiro, virou gerente. Mas dava pouco, aí começou a tirar foto na praia. Naquela época, com os farofeiros, tirar foto na Praia Grande dava uma fortuna. Aí em seis meses ele já tinha dez caras tirando foto na praia pra ele. Porque ele comprava a câmera e cobrava uma comissão dos caras. Esses eram primo, tio, irmão. Aí com esse dinheiro da praia que ele começou a construir. Ele era um cara muito popular, sou suspeito pra falar. Ele tinha o apelido de Tatico e nem sabia por quê. Na primeira eleição para vereador ele foi o mais votado da cidade. Na segunda, mais votado de novo. Aí que houve a fatalidade. Foi assaltado em Santos, reagiu…. Eu tinha 17 pra 18 anos. A Praia Grande parou. Foi um acidente, que acabou comigo. Meu pai era meu espelho, meu pilar. Foi muito difícil, mas eu tive que crescer na marra. Deus nos ensina muitas coisas.

“Eu costumo falar para os meus atletas. Eu sonho em ver um Bombril na prancha, transportadora, sei lá o que na prancha do cara. Porque o atleta vai ser viabilizado. Vai receber uma quantia para ele ter um conforto, para dar uma assessoria para família dele, para correr o circuito com a cabeça fria”

E como começou essa tua relação com os surfistas da brazilian storm, a patrocinar os surfistas profissionais?

Como eu vivi um pouco dessa vida de competição, também sofri por falta de patrocínio, incentivo até de pai e mãe. Não tinha condição de comer bem em campeonato. Patrocínio naquela época era difícil. Se bem que hoje está voltando àquela época, tá difícil pro atleta descolar um patrocínio. Lembro que cheguei a vir da Praia do Pernambuco para o Caiçara andando a pé. Eu saí de lá 11 horas da manhã e cheguei em casa já passava da meia-noite. Eu sou palmeirense doente, adoro futebol. Mas o surf é meu primeiro esporte. Eu amo o surf. E eu tenho aquela frustração de não ter sido um surfista profissional, de sair nas revistas. Aí há pouco tempo atrás eu comecei nessa situação de patrocinar, de ajudar o surf. Em 2015, início de 2016, tinha barco, Lamborghini, Bentley, andava de avião, helicóptero a toda hora. Tava pra comprar um helicóptero. Mas sem demagogia. Tem uma hora que isso não te satisfaz. Andar com relógio de 100 paus, 200 paus. Aí eu comecei a dar mais atenção para o surf. Eu tenho uma gastrite crônica. Tomo remédio todo dia há mais de 20 anos. Falei pra mim mesmo: “Cara, o que eu mais gosto de fazer, fora a minha família, é o surf”. Vendi tudo e decidi entrar no surf. A coisa que eu mais gosto é de sentar na areia durante um campeonato e ficar assistindo bateria, torcendo para um atleta brasileiro. Eu não gosto de Ferrari, eu gosto de surf, é isso que eu gosto.

Rodrigo Pacheco (esq) ao lado do surfista Alex Ribeiro (dir).

“A coisa que eu mais gosto é de sentar na areia durante um campeonato e ficar assistindo bateria, torcendo para um atleta brasileiro. Eu não gosto de Ferrari, eu gosto de surf, é isso que eu gosto”

 

Muitos surfistas já vieram te procurar?

Diariamente. Se eu pudesse ajudava cinquenta. Se eu fosse atender todos os pedidos, estaria ajudando uns quinhentos. Hoje a Nosso Lar comporta quinze atletas, acredito que a maior equipe do Brasil. E o mais legal: eu contratei a dedo.. Aí vem gente e fala: “Pô, Rodrigo, você patrocina esse que não te dá resultado”. E eu falo: “Eu não quero resultado”. Eu não estou no surf por resultado. A última coisa que eu cobro deles é resultado. Eu to no surf para tentar ajudar um cara que vai servir de exemplo para as crianças que eles são ídolos. Ajudar a respeitar esses fãs, a mostrar para essas crianças o que é ter disciplina, foco, educação. Eu ajudo cidadãos que são espelhos, que são ídolos de crianças. É criar um cidadão de bem. Hoje eu tenho quatro atletas abaixo de oito anos de idade. E a única coisa que eu cobro deles. “Como que está a escola? Tá treinando? Tá se dedicando? Como que estão as notas?” Eu não pergunto em nenhum momento como que foi no campeonato. Por mim pode ficar em primeiro, em segundo, pode perder. Sendo um ser humano do bem, tá ótimo. Porque se ele tiver tudo isso que eu falei, o resultado é consequência. Porque se ele sempre tratar o fã bem, ele sempre vai estar na mídia. Estando sempre na mídia, interessa mais a um patrocinador. Se ele for um cidadão de bem, aquela criança que está se espelhando nele, a chance de ele desviar para um caminho errado é muito pequena. Não tenho alegria maior do que ver um atleta meu disputando um campeonato, treinando e se esforçando pra atingir o resultado, ser um cara focado, simples, humilde. Perdi um pai assassinado pelo crime, quero tirar as crianças do crime.

Você sempre fala que a Nosso Lar não é um patrocínio de bico. Não tem essa intenção. Como você vê o posicionamento da nosso lar na prancha do surfista?

Deixo claro pra todos os atletas. Eu não quero ser bico. Eu to aqui pra ajudar, mas sou coadjuvante. O adesivo na prancha é mais para o que? Para o empresário que não tem nada a ver com o surf se perguntar: “O que que tem a ver construção civil com o surf?”.

Eu costumo falar para os meus atletas. Eu sonho em ver um Bombril na prancha, transportadora, sei lá o que na prancha do cara. Porque o atleta vai ser viabilizado. Vai receber uma quantia para ele ter um conforto, para dar uma assessoria para família dele, para ele correr o circuito com a cabeça fria. O Brasil hoje mudou um pouco a cabeça. O americano e o europeu já são assim faz tempo. Você vai no mercado, você tem duas margarinas. Essa apoia o esporte. Essa não. O brasileiro não era assim, mas eu compro produtos responsáveis com o meio-ambiente. A gente está num momento crítico no mundo hoje. Se a gente não cuidar do nosso planeta, num futuro próximo os nossos netos, bisnetos, vão ter o que? E o surfista é o porta-voz da natureza.

 

Visualizar esta foto no Instagram.

 

Orgulho fazer parte dessa família @nosso_lar_construtora #borntobuild

Uma publicação compartilhada por Alex Ribeiro (@alexribeiro89) em

E você acha que influenciou outros empresários ou mesmo compartilhou dessa iniciativa? E também, você diz que é muito barato investir no surf.

Eu sou muito fã da Dani e do Murilo, donos da Vult Cosméticos, que não têm nada a ver com o esporte, com o surf, vendem batom, maquiagem. Eu sou muito fã da Mini Calzoni, que vende açaí, lanche. Eu sou fã da DiColore, que é uma marca de cosméticos também. Eu me espelho em todos eles, que trabalham como um grupo de empresários amigos. E investir no surf é muito barato. Isso é uma coisa que precisa ser escrita, precisa estar na HARDCORE. Eu entendo os empresários. Nessa onda, podem pensar que os surfistas ganhando milhões, mas não estão. Realmente, hoje nós temos o Adriano, que tem bastante patrocínios porque é um campeão mundial; Filipe Toledo, que é um cara que vai ser campeão mundial; e o Gabriel Medina. Hoje no circuito mundial nós temos onze atletas. Mas só esses três ganham bem. E no mundo, se você colocar 10 que ganham bem é muito. Você vê que surfista não tem luxo. Muitos empresários têm essa visão, que investir no atleta profissional é muito caro. Pelo contrário, é barato. O surf hoje é um esporte olímpico. É o terceiro ou quarto esporte mais praticado do planeta. No Brasil, hoje, a nossa alegria, qual é o esporte? Se você pegar hoje um atleta amador e der 1,5 mil reais por mês, ele consegue se tornar profissional. Se você colocar um complemento na prancha de um atleta do QS, você der 2 mil reais pra ele, você vai estar ajudando muito.

Rodrigo Pacheco, Praia Grande ao fundo.

E a sua relação com a Praia Grande? O surf da PG?

Ah, aqui é minha vida. E eu tenho um carinho especial. Gosto muito do Alex Ribeiro, do Nakagima. Mas na equipe todos são iguais. Não é demagogia, é do fundo do coração. Costumo falar que eu tenho 18 filhos. Três que nasceram do meu sangue e quinze que eu adotei. Eu me preocupo com o ser humano. É uma família, a família Nosso Lar.

 

E como você vê o mercado direto, o segmento do surf?

O surf ainda é um pouco amador, mas está cada dia melhor. A questão da estrutura dos campeonatos, a questão de transmissão, a questão de segurança para os atletas, o profissionalismo dos atletas de alto nível, de alta performance. O que precisa em muito é melhorar a estrutura dos atletas, Aliás, essa também é a função do empresário, porque não da para esperar nada do setor público, que está muito saturado. “Sabe aquele cara que você deixou de ajudar lá atrás; pode ser o cara que vai pegar uma arma e vai dar um tiro na cabeça do teu filho.” O empresário no Brasil joga a responsabilidade no poder público. “Ah eu pago imposto…” “Tá, então você vai esperar acabar o país e esperar o poder público?” Vamos cobrar o poder público sim, nós temos esse direito enquanto cidadãos. Mas não podemos virar as costas.

Rodrigo, já tem um bom tempo que convidei você para realizar essa entrevista, e na época do primeiro convite você comentou duas coisas. Uma era que você não precisava aparecer. A outra foi que, quando acontecesse a entrevista, você tinha uma mensagem para registrar na história da HARDCORE. Sinta-se à vontade.

Esse era o maior intuito da minha entrevista. Vou fazer um apelo aos empresários: ajudem o esporte. Ajude o surf, que no momento está precisando bastante. Ponha a mão no fogo por um atleta, que são exemplos de dedicação, dignidade, caráter, humildade. O futuro do Brasil depende de nós, faça a sua parte.

 

 

Receba nossas Notícias no seu Email

Últimas Notícias