“Para não deixar dúvida, Filipinho ganhou o título quatro vezes. Duas de acordo com o sistema antigo, que muitos querem ver restabelecido, e duas pelo novo formato, que tantos outros elogiam como uma grande sacada para tornar o surf mais atrativo como um produto de entretenimento”
Por Adrian Kojin
Filipe Toledo deveria ser considerado tetra campeão mundial. Sua supremacia em 2022 e 2023 foi indiscutível. Terminou dois anos seguidos no topo do ranking e venceu a Rip Curl WSL Final 5 nos mesmos dois anos. Ou seja, sob qualquer ângulo ou opinião foi o melhor. Não é culpa dele se a etapa que decide tudo é realizada na tão criticada onda de Trestles, e muito menos se o novo formato oferece espaço para eventuais injustiças.
O brasileiro teria sido o maior prejudicado caso seu conterrâneo Ítalo Ferreira, ano passado, ou o australiano Ethan Ewing, esse ano, o tivessem derrotado no controverso modelo pelo qual o título mundial vem sendo decidido já há três anos.
Para não deixar dúvida, Filipinho ganhou o título quatro vezes. Duas de acordo com o sistema antigo, que muitos querem ver restabelecido, e duas pelo novo formato, que tantos outros elogiam como uma grande sacada para tornar o surf mais atrativo como um produto de entretenimento.
Por isso, para Filipe Toledo, palmas e mais palmas são devidas. Ainda que seu medo em surfar Teahupoo e Pipeline seja um dos assuntos mais comentados no universo do surf, isso em nada altera o fato de que nos dois últimos anos ele foi o competidor dominante do Circuito Mundial. Seu objetivo era esse, e não fazer fama como surfista destemido em ondas tubulares quebrando sobre rasas bancadas de coral afiado. O que é muito bacana, conquista milhares de likes nas redes sociais e respeito geral, mas não garante título mundial para ninguém.
Agora, Filipe ser considerado tetra é apenas meu ponto de vista. Já a WSL ser sinônimo para treta é o resumo do que se viu num ano desastroso para a imagem da entidade, principalmente junto aos surfistas competidores, a mídia especializada e aos fãs mais ardorosos do esporte, aqueles que formam a base da audiência.
O que não faltou foram controvérsias e acusações contestando as determinações da liga. Além de uma aventada discriminação dos brasileiros, fruto de um desejo profundo de ter um campeão mundial americano ou australiano.
2023 ainda não acabou, mas após o término da etapa que encerrou o Circuito Mundial já é possível fazer um balanço da performance da WSL. E o resultado é decepcionante. Desde a falta de sorte total com as ondas, o que poderia ser atribuído exclusivamente ao acaso, mas para muitos é puro karma, até as polêmicas referentes à inconsistência, para não dizer simplesmente incompetência, do julgamento, foi um tropeço atrás do outro. Inclusive com a ocorrência da demissão sumária, até hoje não explicada, do seu fulgurante CEO Eric “Elo” Logan.
Quem acompanhou viu ganhar força nas redes sociais um movimento forte pedindo uma revisão geral de como a WSL vem conduzindo o Circuito Mundial. O descontentamento é notável de ponta a ponta. Do jeito que está não pode ficar, clama o consenso. Mas será que 2024 vai trazer mudanças?
Pouca gente notou, ele não apareceu na transmissão e não esteve presente no palanque durante a premiação dos campeões mundiais, mas Dirk Ziff, o bilionário americano dono da WSL esteve em Trestles. E se ele saiu de Nova York para vir até San Clemente não deve ter sido apenas para passear.
Devida a uma das características mais criticadas do modus operandi da empresa WSL, a falta de comunicação e transparência nas tomadas de decisões segue em voga mesmo após a queda do ditador Elo. Costumeiramente a entidade tem deixado de lado a opinião dos maiores responsáveis pelo espetáculo, os competidores. E da mesma maneira, vem desprezando o que a mídia e a base de fãs praticantes do esporte têm a dizer. No entanto, não se sabe se isso foi discutido nas eventuais reuniões conduzidas por Dirk em sua passagem pela Califórnia. Provavelmente, não.
É como se acreditassem ser possível criar uma conexão entre a liga e o grande público sem ter que considerar as vozes de um “bando de chatos que não entendem de nada além de surfar”. Enquanto isso não for resolvido a contento, as tretas irão continuar acontecendo, sabe-se lá com quais consequências para o esporte.
Fiquei contente demais com a vitória do Filipinho na Rip Curl WSL Finals. Achei sensacional a primeira bateria dele contra Ethan Ewing, com boas ondas e um nível de performance extraordinário. Mas foi praticamente só o que vi à altura do que deveria ser esperado de uma grande final. A segunda bateria, que decidiu o título, foi pra lá de lamentável. Se eu fosse o dono do Circuito Mundial me envergonharia de sagrar um campeão mundial naquelas condições. Zero clímax.
Em muitos momentos tive a impressão de estar assistindo a um evento de fundo de quintal. O público pífio, as ondas xoxas na maior parte do tempo, a estrutura capenga, o time de comentaristas sem brilho e parcial, a ridícula convocação ao estilo MMA dos lutadores para entrar no ringue, quer dizer, dos surfistas para entrar no mar, o prefeito do vilarejo conclamando do palanque o apoio ao talento local… Tudo me pareceu uma tremenda regressão para um esporte que almeja disputar a atenção com outras atividades bem mais profissionalizadas e muito melhor apresentadas.
Fiquei com saudades das finais em Pipeline. Quando o critério de julgamento não dava margem a discussões bestas de se a onda deve ser surfada na borda ou no ar, quando a resposta óbvia é que vai depender do que a onda pedir. Como em Pipeline a oferta da casa são os tubos mais famosos do planeta, basta ficar fundo, pelo maior tempo possível, na maior onda que conseguir dropar, para tirar a maior nota. Simples, fundamental, indiscutível. Entre rasgar ou dar aéreos, 99% dos surfistas vai concordar que a manobra preferida deles é o tubo. Por isso, acredito que Pipeline seria o palco ideal mesmo que se mantivesse o formato de playoffs. Qual espetáculo no surf poderia atrair mais audiência? Pipeline é o ápice, tem história, tradição, glória. É o palco perfeito. Mas poderia ser também em Cloudbreak, Teahupoo, G-Land… Só não mais em Trestles. Senão é treta!!!