Peterson Crisanto surgiu para o surf nacional ainda adolescente. Embrenhado no tortuoso caminho do QS, conseguiu em 2019 uma vaga na elite que parecia estar esperando por ele. Confira nossa conversa com mais um estreante brasileiro do ano
Por Fernando Guimarães
Peterson Crisanto tem uma trajetória particular no surf. Garoto prodígio no início dos anos 2000, ganhou rapidamente os holofotes da cena nacional de grande promessa do surf brasileiro.
No meio do caminho, foi abalado pela perda do patrocinador principal, com quem tinha uma profunda relação de uma década de apoio, suporte e representação. De maneira quase paradoxal, em meio às conquistas arrebatadoras de Adriano de Souza e Gabriel Medina, o surf vivia uma crise dentro do país: marcas encolheram, enxugaram equipes, algumas quase deixaram de existir. Campeonatos minguaram…
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A história de Peterson a partir daí, como a de muitos brasileiros, é uma em que o talento e a perseverança venceram as dificuldades. Retornou ao circuito após dois anos praticamente sem competir e, apenas um ano depois e ainda sem um patrocinador principal, cravou seu nome na elite do surf mundial e conquistou um lugar que parecia estar ali, há muito tempo, apenas esperando-o.
O circuito mundial começa oficialmente no dia 3 de abril, na Gold Coast. Peterson já está em Noronha, onde disputará o Oi Hang Loose Pro, ao lado de nomes como Gabriel Medina, Italo Ferreira e Deivid Silva, seu compaheiro estreante. Aos 26 anos — e não mais o Petersinho –, ele ainda tem um espaço em branco no bico de sua prancha. A diferença é que agora usa isso como motivação.
“Graças à minha família, minha mulher, meus amigos… Eles nunca me deixaram desistir do meu sonho. Graças a eles eu estou aqui hoje, classificado para o CT 2019”
HC: Umas semanas atrás você anunciou o apoio da Mormaii. A gente até se confundiu, na HC, e achou que era de bico, e depois seu representante conversou com a gente e explicou que não era. Você ainda não tem patrocínio de bico pra essa temporada?
Peterson: No começo do ano foi o patrocínio de borda mesmo com a Mormaii. Por enquanto, pra essa temporada, não tenho nenhum patrocinador de bico. Mas isso não me desmotiva. Ao contrário, me motiva a dar o meu melhor para mostrar que eu mereço.
Há quanto tempo já você corria o QS na íntegra? Já tinha feito uma boa campanha, chegado perto antes?
Comecei a competir o QS com 17 anos, mas sem objetivo nenhum… Naquela época o objetivo era ser campeão mundial pro junior. Eu comecei a competir seriamente mesmo com 22 anos, mas nunca cheguei tão perto de me classificar. E acho que quando eu estava chegando perto, que eu estava evoluindo mais, conseguindo resultados mais expressivos, foi bem na época que eu perdi meu patrocínio. E aí fiquei dois anos praticamente sem competir, e perdi todo esse ritmo que eu estava. Mas durante os três anos seguintes eu fui evoluindo, buscando meus objetivos, até conseguir a classificação no ano passado.
Qual é a parte mais difícil em correr o QS?
A parte mais difícil do QS é que tem muita gente boa. Se contar o ranking inteiro são mais de mil competidores, e só se classificam dez. É muito seleto, são poucas oportunidades.
Teve alguma coisa em especial que você mudou nesse ano passado, pra conseguir a classificação?
Acho que o que eu ganhei nesses últimos anos, quando parei de competir e depois que eu voltei, que eu não tinha antes, foi mais experiência, maturidade de saber lidar com uma bateria… Tem mais consciência, ser mais concentrado. E ser mais pé no chão. Acho que foi isso que fez a diferença no ano passado durante o ano todo. E com certeza a minha confiança era outra. Eu estava feliz por ter retornado à divisão de acesso depois de dois anos sem competir, me esforçando para melhorar meus resultados. Com isso veio a classificação, graças a Deus deu tudo certo.
Quanto tempo você ficou sem competir? E como foi para essas tomar essas decisões, de parar e, depois, voltar?
Eu fiquei sem competir em 2015 e 2016. Foi quando eu perdi meu patrocinador principal.
E como foi para essas tomar essas decisões, de parar e, depois, voltar?
Eu fiquei bem triste com tudo isso. Querendo ou não, foram dez anos de parceria e eu sempre tive toda a estrutura necessária para competir, mas quando o Brasil entrou naquela crise a marca não conseguiu renovar o meu contrato. Fiquei bem chateado. Competi algumas etapas aqui no Brasil só. Não era nem do QS, era do circuito brasileiro profissional que teve na época. Fiquei bem desanimado, mas graças à minha família, minha mulher, meus amigos… Eles nunca me deixaram desistir do meu sonho. Graças a eles eu estou aqui hoje, classificado para o CT 2019. Foi um tempo difícil, mas eu aprendi muito durante esses dois anos. Aprendi a dar valor às coisas, a ter mais maturidade, a ganhar experiência com tudo que aconteceu. Talvez se eu tivesse entrado antes não ia estar tão preparado quanto estou agora. Acho que Deus sabe tudo que faz, então esses dois anos sem correr o QS foram difíceis mas ao mesmo tempo eu aprendi muito com tudo que aconteceu na minha vida. Agora estou classificado, feliz, confiante, amarradão. Espero fazer uma grande temporada.
Vi na sua entrevista pra WSL que o único pico que você do circuito que você nunca surfou é o Surf Ranch. Você assistiu o campeonato do ano passado lá? O que achou?
Assisti sim. Parece uma onda bem legal de surfar, bem divertida. Muita rápida, né? Estou bem ansioso para poder surfar, e ver logo como ela é, se é tudo que falam mesmo, se é difícil. Vou surfar lá antes do evento, fazer algumas sessões antes do campeonato, que a gente tem direito. Eu assisti lá o ano passado e foi legal, até… Mas acho que surfar mesmo lá vai ser bem melhor que assistir (risos).
E quais os picos que você tem mais expectativa de surfar, onde você acha que pode conseguir um resultado mais expressivo?
Sem sombra de dúvidas os primeiros, que são parecidos com o pico de Matinhos, onde eu comecei a surfar. Tô com muita vontade de surfar a primeira etapa, que é Snapper Rocks, uma direita bem parecida com a do pico… Na sequência tem Bells que é outra direita, depois tem Keramas, que também é uma direita irada, que eu já surfei demais, umas das minhas ondas preferidas em Bali. Daí vem Margaret River, que eu não tenho tanta experiência, mas eu já surfei lá, sei como é difícil. As ondas que acho que vão ser um desafio são Teahupoo, que é um lugar onde eu já surfei, e Pipe, onde eu não tenho muita experiência mesmo. Fora isso, eu conheço as outras, já surfei bastante em Supertubos, Hossegor, J-Bay… Nunca surfei elas competindo num nível tão alto como o do CT, mas vou me preparar bastante pra ter um bom desempenho.
Você não mora mais em Matinhos, né?
Não, eu sou de Matinhos mas faz um ano e dois meses que estou morando em Itajaí, litoral norte de Santa Catarina.
E quais são os picos que você tem surfado mais por aí?
Tem bastante opção de onda por aqui. Costumo surfar diariamente na Praia Brava, de Itajaí, mas também surfo bastante em Navegantes.
Pra finalizar. Quais são suas maiores inspirações no surf? Aqueles caras em quem você tenta se espelhar?
Com certeza o Andy Irons, pela maneira de surfar, pela atitude dentro da água. Também gosto muito do surf do Filipe Toledo, um surf inovador, progressivo. E o John John Florence. Acho que são essas três as pessoas em que eu me baseio sempre para estar tentando evoluir.
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