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sexta-feira, 26 abril, 2024
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O que aprendi (tarde demais) com Andy

Por Zé Augusto de Aguiar Sem hipocrisias, não gostava dele. Meu erro, e de muitos, porém, foi não perceber, ou não querer perceber, como o cara tinha mudado. Tinha na mente apenas o Andy agressivo de seu passado de Kauai boy a intimidar os não-havaianos no seu Hawaii, e do cara meio desbocado e arrogante no trato com a mídia. Hoje, depois de ler algumas belas homenagens ao ex-tricampeão já mito, descobri por que não gostava dele. E aprendi, paradoxalmente, a gostar demais do bad boy que se tornou um tremendo boa praça. Descobri que não gostava dele talvez pela mesma razão de muitos amantes das ondas: Andy Irons era o lado negro da força a ameaçar o super-herói de todos nós, Kelly “Luke Skywalker” Slater. A ameaçar só, não, a vencer muitas vezes e destronar o preferido de 9 em cada 10 surfistas. O problema é que o “lado negro”, mesmo com a arrogância, grosserias e jeito selvagem de viver fora da água do Andy do passado, era talvez um exagero. Mas boa parte da mídia alimentava isso, e nós também. Nós e a Mídia ambos torcendo descaradamente pela pureza e jeito boa praça, de irmão que queríamos ter, de Slater. Não era à toa que Irons odiava a mídia e sua imparcialidade, como ele mesmo declarou algumas vezes. Só que Andy Irons não era nem sombra de Darth Vader. E, permitam-me a quase blasfêmia, talvez houvesse (e há) um lado mais escuro em uma característica do “anjo” Slater do que no selvagem havaiano de outrora: nos últimos anos, mesmo admirando cada vez mais as façanhas de Kelly, confesso um desconforto crescente à medida que vão sendo reveladas as terríveis e intimidadoras estratégias mentais de Slater especialmente antes das baterias. São mind games brutais, atitudes, gestos e palavras verdadeiramente bizarros que Slater proferiu ao longo dos anos na cara de seus rivais mais duros antes de baterias decisivas. Sim, faz parte do jogo, é estratégia de vencedor, mas quisera eu que nosso herói preferido não tivesse cometido tantas atrocidades mentais ao longo dos anos. Sim, meus caros, Slater fez coisas terríveis “dentro das regras do jogo”, mas fora das condutas dos heróis puros que temos, por exemplo, quando garotos. Uma delas foi, antes de uma bateria que colocava o título mundial em jogo, em Pipeline. No auge da rivalidade com Irons, quando as faíscas entre os dois eram visíveis, antes de duelarem na arena máxima do surf, no Coliseu das ondas mundiais, Slater olhou fundo Irons, se aproximou e sussurrou em seu ouvido: “eu amo você”. O mais frio dos surfistas ficaria completamente desestabilizado. Irons, 7 anos mais novo, que tivera, claro, Slater como ídolo quando garoto, deu uma balançada, mas foi lá fora e venceu o maior de todos. Fácil descobrir onde estava o lado negro da força neste episódio… Sim, sombras e claridade são elementos, sentimentos, valores e condutas muito mais complexas que isso, e numa análise mais ampla e profunda, Slater foi, sim, um herói e ser humano belo, de grande coração e nobres gestos fora da competição. Até sua fragilidade-azar no amor fazia com que simpatizássemos mais com ele. O problema é que não víamos, ou não queríamos saber, nós, os fanáticos por Kelly, o maior de todos, como o suposto anti-herói havaiano estava mudando nos últimos anos. De Andy Irons só queríamos saber na hora de secá-lo em uma bateria, para o caminho ficar livre para Slater. Ignorei a mudança até quando um grande amigo, Matias Gabriel, e admirador de heróis puros elogiou Irons há alguns meses em seu blog (Deslizando nas ondas) e ainda disse que ele havia mudado e se tornado o típico sangue bom. Pior, pensei que o amigo estava viajando: “quer dizer que o bad boy agora é bonzinho?”. É. Infelizmente, era. Diferente dos que morrem e viram santos, com todos seus erros do passado desaparecendo, Andy Irons parece exatamente o contrário. Com sua morte que percebi como o cara era ou tinha se tornado legal. Como não era legal um cara que descobri ser amigo do peito do sujeito mais bacana de todo o surf mundial, Occy? Como não era gente fina um cara que também era parceiraço de outro surfista gente boa demais, Joel Parkinson, um cara que praticamente desistiu de ser campeão mundial numa temporada de anos atrás, para ficar ao lado da esposa que daria a luz? Sim, Joel fez isso, perdeu duas etapas do Tour numa fase decisiva, alguns anos atrás, para ficar junto da mulher. Pois foi exatamente o que Andy estava fazendo agora. Mesmo doente ele só pensava em voltar pra junto da esposa grávida de 8 meses. Por isso é duro demais aceitar sua partida agora. Ainda mais depois de ler sobre como ele se transformava nas entrevistas ao falar da expectativa de ter seu primeiro filho. O Miguel Bordalo (Blog Ondas) mostrou bem como Irons repetia a palavra “maravilha” ao falar sobre a futura cria e como até deu um soco no ar dizendo essa palavra, “o último maravilha sai-lhe de punhos cerrados, com uma pica (tesão, alegria) que nem 20 títulos mundiais ganhos naquele segundo lhe dariam. Porque há coisas que interessam e depois há coisas que são realmente importantes”, escreveu o Miguel. Há coisas que são realmente importantes: coisas como agora ter certeza, tarde demais, que Andy Irons era um cara legal demais e merecia criar uma família com sua amada Lyndie. Justo a Lyndie sobre a qual o renomado jornalista Nick Carroll recordou um depoimento de Irons sobre o papel dela em sua vida. “She talks me off the cliff. Off the bridge. Off everything. Without her it would fall apart, the wheels, everything. I’d fly off the tracks.” Sem ela, Irons revelou que teria saído definitivamente dos trilhos. Desculpe-me então, Campeão, desculpe por não ter percebido antes que você era muito mais que a sua arte formidável de surfar com uma fúria tão grande como a beleza de suas linhas nas ondas. Desculpe por não ter percebido que sua agressividade era apenas uma forma de libertar seus demônios internos. Desculpe por não ter valorizado o que realmente importava: que, como apontou Nick Carroll, ninguém igualava a presença física que você mostrava em cada onda. “Presença física”, só mesmo o grande Nick para perceber seu real valor. Imaginei, na hora em que li essa expressão, seus papos e abraços com Occy enquanto um e outro falavam sobre a vida e como lutaram para superar seus demônios e dois anjos do surf. Sim, por que se você enfrentou Slater, Occy teve que lidar com Tom Curren… Sinto muito por minha cegueira e de muitos, Campeão. Obrigado por nos deixar a sua arte, espetacular, uma das mais belas e intensas – física, do coração – da história do esporte. E obrigado por nos mostrar o mais importante da vida: que precisamos conhecer de verdade o outro antes de julgá-lo. Veja o vídeo da homenagem que os prós fizeram para Andy Irons em Porto Rico. Fonte Australian Surfing Life. Clique aqui. Zé Augusto de Aguiar também é autor do blog Pão na Chapa.

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