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Representatividade no surfe: aonde isso me levou?

* Por Lucas D’Assumpção

Ser surfista negro em qualquer parte do mundo é uma tarefa complicada, apesar dos relatos apontarem que, no século XVII, o surfe já ser uma cultura forte na costa da África. Eu, por exemplo, comecei a surfar aos 8 anos e nunca fui o mais habilidoso nas ondas.

Sempre curti a vibe do cutback, uma batida e vida que segue. Competi em alguns eventos pequenos, campeonatos municipais e de bairro e, sinceramente, nunca me senti incluído em nada. Até porque eu era sempre um dos poucos negros competindo.

Apesar dessa falta de representatividade, tenho orgulho em dizer que o cara que me ensinou tudo sobre o surfe é negro, o professor Marquinho, que é o meu maior espelho do esporte. Mas a minha zona de conforto era ali, na bolha com ele e outros moleques como eu. No mundo das competições era difícil, com a maioria de brancos. Eu não tinha referências de campeões negros.

Representatividade no surfe
Lucas, ainda garoto, brincando numa marolinha em Cabo Frio: “No mundo das competições eu não tinha referências de campeões negros”. Foto: Arquivo Pessoal

Alguns anos depois, aos 13, comecei a estudar sobre o surfe. Revistas de surfe como a Hardcore eram minhas maiores paixões à época. Em 2006 chegou o canal Woohoo, com um programa que mostrava as biografias dos surfistas. Eu lembro que um episódio foi com o Jojó de Olivença e eu fiquei encantado. Um surfista profissional negro, campeão e com marcas grandes no bico! Até hoje Jojó é o meu surfista preferido, por toda representatividade que ele passou.

Tudo isso contribuiu para que eu quisesse fazer parte do universo do surfe como jornalista, como um estudioso do esporte. Nesse período, no fim dos anos 2000, me afastei do surfe por conta dos estudos e entrei na faculdade com o intuito de ser jornalista de esportes de ação.

Veja também:

+ Otelo Burning – Filme retratou o surf na África do Sul durante o apartheid

Na universidade me deparei com um mundo completamente diferente do idealizado, fui estagiar com diferentes áreas e nicho da comunicação. Política, futebol, cotidiano, assessoria de imprensa. Mas nada de surfe. Me formei em 2016 já sem muita esperança de entrar no jornalismo de surfe. Comecei a trabalhar com política novamente e fiquei ali por três anos.

Representatividade no surfe
Lucas em um dia clássico no Peró. Foto: Flávio Sardou

Por ironia do destino, no fim de 2018, tive um problema nas costas e o médico me perguntou:

– Você faz algum esporte na água? – perguntou o médico.
– Surfei mais quando era moleque, hoje só de vez em quando. – respondi.
– Volte imediatamente. – receitou o médico.

A partir daí voltei firme e aquela vontade de trabalhar com a comunicação de surfe voltou. Saí do meio do jornalismo político e no meio de 2019 criei o meu próprio blog – Blog Cutback -, com o intuito de falar sobre o cenário do interior do Rio de Janeiro, notícias e coberturas do esporte local. A Região dos Lagos nunca havia tido nenhum veículo que falasse exclusivamente sobre surfe, mesmo tendo o ídolo Victor Ribas como o seu filho mais famoso.

Foi assim que o jornalismo de surfe entrou na minha vida de forma definitiva. E a comunicação de esportes de ação me levou mais longe do que eu poderia imaginar. Conheci o saudoso Leo Neves, tenho o Victor Ribas na minha agenda pessoal, entrevistei Tom Curren, tenho um programa na TV aberta falando de surfe, dentre outros projetos.

Representatividade no surfe
Lucas D’Assumpção. Foto: Julianna Pereira

Nesse novo cenário vejo a importância de ver atletas negros surfando no tour mundial, estaduais e em qualquer outro campeonato. Nomes como Jojó, Luis Neguinho, Tinguinha Lima, Tita Tavares, Silvana Lima, Yanca Costa, Victor Bernardo, Weslley Dantas, Wiggolly Dantas, Wesley Santos, Suelen Naraiza se destacam e inspiram jovens diariamente.

Mas como nem tudo são flores, mais uma vez me peguei sem referência negra na profissão e voltei para aquele mesmo sentimento do inicio no surfe. E para reparar isso foi preciso entender que a referência negra, na verdade, era eu. Hoje me vejo na TV e consigo alcançar meninas e meninos que tenham o mesmo sonho. Não é fácil. Infelizmente ainda preciso lidar com situações de preconceito e falta de credibilidade.

Mas agora eu posso bater no peito com orgulho e dizer que se não fosse o surf eu não chegaria tão longe.

Até!

 

 

 

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