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Quebrão do meu coração

O jornalista Julio Adler, vulgo Marreco – continue o texto e entenderá, com riqueza de detalhes, a origem do apelido – faz aniversário nesse 10 de agosto.

Para celebrar mais um ano de vida do colunista da HARDCORE (com “Sopa de Tamanco”) e colaborador do #HCOLLAB, compartilhamos sua coluna publicada na edição de agosto da revista (mais aqui).

 

por Julio Adler

Assisti outro dia imagens da entrega de prêmios de um campeonato na Barra (campeonato do Pureza), início da década de 80, possivelmente o primeiro ou segundo que me inscrevi.

Só na segunda vez consegui encontrar o Marreco ali, logo na frente, debruçado naquele palanque meio improvisado, esperando pela minha camisa da Flake, depois do Marcos Conde ter avisado – uma camiseta pro Marreco…

Eu era o Marreco, magrelo, desajeitado, falante.

Quem colocou o apelido foi o Bodora, lixador do Alzair Russo, local do Quebra Mar, frasista excepcional.

A oficina do Russo era ali mesmo, primeira casa na frente do pico, Alzair shapeava, Felix encapava, Bodora lixava. Acho que era assim, nessa ordem.

Pra quem tinha começado a surfar ontem, as pranchas do Russo não eram sequer um sonho.

Eu vivia de pedir prancha emprestada porque tinha um pouco de vergonha da minha São Conrado remendada, biquilha, resina pura.

Um amigo tinha vendido aquela aberração.

Tentando descrever, aquilo foi um pranchão, serrado em três partes, bico, meio e rabeta.

Alguém achou por bem se livrar do meio, que não servia pra nada, e colar bico e rabeta com dois pedaços de cabo de vassoura e meter quilos de resina que faziam montinhos desnivelados pelo fundo e deck daquele treco que eu chamava de prancha.

Na extremidade final, quadrada como as mini Simmons com as quais os barbudinhos surfam hoje, duas quilhas pequeninas, que mal tocavam a água com tanta resina no meio da prancha.

Eu passava tardes aborrecendo os caras na oficina, fazendo perguntas, vendo as fotografias penduradas nas paredes e imaginando se, quem sabe um dia, eu surfaria uma daquelas ondas verdes e enormes, com uma das pranchas que o Russo faria entre um cigarro e outro.

Minha escola de surfe era uma onda carinhosamente chamada de Lava-bunda, nem tão desprezada assim pelos adultos.

Todos os grandes surfistas dali passaram pelo Lava-bunda, o canal que sai entre o costão e o molhe de pedras que empresta o nome ao Quebra Mar.

Quando o mar ficava grande, as espumas entravam pelo canal e formavam ondinhas fáceis de surfar, sem a mesma violência do lado direito das pedras.

Num bom dia, maré vazia, banco de areia certinho, dava pra ir desde a boca do canal até quase debaixo do viaduto – contavam lendas de ressacas ainda na década de 70, nas quais até os mais corajosos surfaram ali.

O nome vinha do hábito que quase todo mundo tinha de chegar cedinho e largar um barro nas pedras do Quebrão antes de ir surfar.

Era de lei.

Enquanto você não tivesse o seu lugarzinho nas pedras devidamente assinado, não podia se considerar um local de verdade.

Tinha algo de pertencimento no ato de se enfiar no meio das pedras, deixar o pudor de lado, se equilibrar em duas pedras para, em seguida, se jogar no mar.

Havia muitos códigos.

Minhas referências eram a turma da Gávea, Parrá, Zulu, Ivon e meu futuro cunhado, Ronald.

Quase todo mundo ainda morava na Zona Sul e, se não me engano, o único que já estava desde sempre na Barra era o Betinho, Beto Meleca, primeiro surfista a dar um cutback na região, diziam os mais velhos.

Brasas e Marcelão moravam no Tropical, tinham vindo de Ipanema. O resto vinha da Tijuca, Russinho, Tinho, Tado, Ferrugem, Carlinhos irmão do Heitor.

Ninguém mais usava monoquilhas, exceto o Piu Goiaba, o Larry e o Murilo, que só apareciam quando o mar estava grande e clássico.

Lembro-me do dia em que o Bodora colocou meu apelido. Eu, tagarela que só, ao lado da turma depois que queimaram uma morra com Pelé.

Bodora vira-se pra mim e diz com voz engraçada:

“Caramba, tu não para de falar um minuto, parece um marreco!”

Houve uma explosão de gargalhadas, causada tanto pela piada quanto pelo bagulho.

A partir daquele dia eu era o Marreco.

Vendo o Inácio, Abapa e o 22 entregando os prêmios naquele videozinho que o Muga postou, fiquei com a nostalgia que volta e meia nos socorre e abre a janela do tempo.

De repente estava ali o Seu Sérgio, sempre de sunga, bem-humorado, cheio de energia, andando de um lado pro outro, como eu o conheci e lembro até hoje.

Acho que todas as minhas mémorias daqueles dias são sem camisa, descalço, calção Silze e pão com molho na Dona Augusta.

Não sei se tenho saudades desse tempo ou se sinto falta do Marreco que vi na imagem.

De qualquer maneira, foi bom reencontrá-lo.

 ontourVALE

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