Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) em tramitação no Congresso Nacional está gerando comoção entre ambientalistas e comunidades costeiras, além de despertar debate público nas redes sociais. A PEC 03/2022 quer transferir terrenos de marinha, que hoje pertencem à União, para ocupantes diretos, estados ou municípios, abrindo caminho para privatizar praias brasileiras.
Conhecida também como a “PEC da Cancún brasileira”, o projeto já passou na Câmara dos Deputados e está sendo discutido no Senado nesta segunda-feira (27). Se aprovada, a PEC pode causar danos ambientais e sociais, além de abrir espaço para transformar praias públicas em privadas, o que poderia restringir o acesso da população a esses locais.
A PEC propõe a extinção dos chamados terrenos de marinha, que são áreas situadas na costa marítima, margens de rios e lagoas, em faixa de trinta e três metros a partir da posição da maré cheia. Essas áreas, apesar de não pertencerem à Marinha, são propriedades da União conforme determina a Constituição Federal.
No parecer apresentado, argumenta-se que a atual regulamentação dos terrenos de marinha gera inseguranças jurídicas, principalmente no que se refere à propriedade de edificações. Segundo o documento, muitas pessoas que adquiriram imóveis nessas áreas enfrentam contestações da União após longos processos demarcatórios.
Por outro lado, especialistas explicam que a proposta é a porta de entrada para a privatização. “A proposta não privatiza a praia. Ela permite que prefeitos e governadores regularizem a participação da iniciativa privada. Logo ela é a porta para a privatização”, disse o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ao portal Congresso em Foco.
Com forte resistência da sociedade civil, até o momento da publicação desta matéria, a PEC acumula mais de 46 mil votos contrários e apenas 743 a favor. O jogador de futebol Neymar, por sua vez, se declarou favorável à proposta, gerando ainda mais críticas por parte de ambientalistas e especialistas.
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Outros projetos de lei
No atual cenário legislativo, estão em discussão no Congresso Nacional 25 projetos de lei e três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que podem ter sérias implicações para o meio ambiente e o acesso público às praias. Entre elas, o biólogo lembrou do Projeto de Lei (PL) 4.444/21, que estabelece, entre outras coisas, a cessão de 10% de toda a área costeira de cada município para a iniciativa privada. “É uma PEC da grilagem, que permite que se regulamente que a iniciativa privada possa fazer algo”, disse.
A oposição da PEC “da Cancún Brasileira” também ressalta a importância das áreas costeiras na mitigação das mudanças climáticas, destacando que o desenvolvimento imobiliário nessas regiões pode resultar na degradação dos ecossistemas marinhos costeiros e na perda de biodiversidade. Isso porque, a zona costeira desempenha um papel fundamental como barreira natural contra os impactos climáticos, e sua degradação representa um risco significativo de desastres.
Cientistas e especialistas alertam que, com as mudanças climáticas, é urgente adaptar as cidades e preservar a vegetação natural perto de rios, costas e mares. A preservação é crucial para aumentar a permeabilidade do solo.
A tramitação dessas leis levanta questões sobre a coerência das políticas ambientais e a prioridade dada à conservação dos ecossistemas. Com a crescente pressão sobre os recursos naturais e o aumento das ameaças às áreas protegidas, é fundamental que o Congresso Nacional adote medidas que fortaleçam a proteção ambiental e garantam o acesso público a esses espaços.
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Organizações pedem apoio da população civil
Organizações como a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) emitiram uma nota de repúdio à PEC 03/2022.
As entidades ressaltam que os terrenos de marinha desempenham uma importante função socioambiental na proteção da diversidade e no sustento de comunidades tradicionais, especialmente as comunidades pesqueiras. A nota destaca ainda que a privatização dos terrenos de marinha ameaçaria os territórios de povos tradicionais, aumentando os conflitos fundiários e ameaçando culturas e modos de vida dessas populações.
Por sua vez, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) também se manifestou contra o projeto, expressando preocupação com as possíveis consequências ambientais, econômicas e sociais da proposta. O IBDU também destaca os riscos de desalojamento forçado de comunidades que dependem dos terrenos de marinha para sua subsistência, além de levantar questionamentos sobre os interesses do setor hoteleiro e de jogos de azar associados à proposta.
Diante disso, tanto a ANP, o CPP e o MPP quanto o IBDU conclamam a sociedade a se opor à aprovação da PEC 03/2022, pressionando os senadores e conscientizando a população sobre os riscos envolvidos na privatização dos terrenos de marinha. Em um momento em que a sociedade busca o desenvolvimento sustentável e a justiça social, é crucial garantir que as decisões tomadas estejam alinhadas com esses princípios.
A população pode participar ativamente do debate sobre a PEC 03/2022 enviando e-mail aos senadores, além de votar através do portal e-Cidadania do Senado Federal. Clique aqui para votar.