Se eu falar que não estava temeroso, seria mentira. Havia passado a semana ansioso, ligado nas notícias sobre a situação em Tijuana e Ensenada, onde uma escalada de violência entre cartéis de traficantes rivais e forças policiais mexicanas, como não se via há dez anos, haviam provocado 11 mortes e mais de 30 carros queimados. Além de estradas bloqueadas e pânico na população local.
texto e fotos por Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE
O tweet do governo americano para seus funcionários na área era enfático, “procurem abrigo”. E eu devia iniciar minha jornada rumo ao Brasil justamente por ali, cruzando logo de cara uma zona de guerra.
Para aumentar minha tensão, além de minha partida já estar com o cronograma atrasado, meu visto americano expirava no domingo dia 21 de agosto. Era ir ou ir. Fui.
E logo de cara quebrei uma das regras que havia me proposto seguir para garantir a segurança da viagem no geral, e nessa situação de perigo iminente ainda mais, a de não dirigir de noite. Durante o dia, entre fazer caber e ter certeza que não deixei nada pra trás, foi-se um bom tempo.
Depois ainda teve a última pilotada, de quase três horas, em solo americano. Cheguei na fronteira um tanto tarde e os trâmites burocráticos, para visto de entrada e autorização para minha van rodar em território mexicano, duraram mais do que esperado.
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Finalmente, já do outro lado, logo após a primeira troca de dólares numa casa de câmbio, fiquei entalado num congestionamento enorme. Quando me toquei, o breu já havia baixado e ainda faltava uma hora para chegar a Ensenada. Não só isso, mas meu aplicativo, programado para evitar pedágios em rotas na Califórnia, me tirou da estrada paga, mais segura, e me direcionou pela secundária. Mais tenebrosa impossível.
Abri os olhos bem abertos e prossegui, só parando já no interior do estacionamento da praia de San Miguel, na entrada da cidade, onde havia planejado passar a noite. Vazio, sem uma viva alma para dar uma opção a possíveis atacantes, que seguramente viriam em minha direção. O amplo estacionamento costuma sempre ter um bom número de surfistas americanos acampando ali. Deserto, era um convite à paranoia. Não foi das melhores noites, mas sobrevivi. Viagem começada.
No dia seguinte, perguntei a meu amigo peruano Gino Passalacqua, residente em Ensenada, e que passara o domingo me aguardando, a razão de não ter encontrado ninguém em minha primeira noite em San Miguel. Ele explicou que a situação conturbada era uma possível justificativa, mas que a falta de ondas sim era uma certeza. Realmente, nos dois dias seguintes o mar mexeu pouco, só reagindo no dia em que peguei a estrada novamente.
Saí de Ensenada na condição de embaixador da Save The Waves Coalition, uma organização sem fins lucrativos dedicada a proteger ecossistemas ao redor do Planeta. Baseada na Califórnia, tem Gino, que é oceanógrafo e assessor científico da organização, como um dos seus mais ativos colaboradores.
Uma das minhas intenções com a viagem é levantar a bandeira da proteção do meio ambiente, fazendo observações sobre as mudanças ocorridas nos últimos 35 anos, desde que percorri essa mesma rota pela primeira vez.
Gino enxergou a oportunidade para que eu leve a mensagem da proteção das ondas e me ofereceu a oportunidade de, durante o percurso da Pan-American Soul 2022, ser um embaixador da causa. Ele foi meu guia numa expedição à mítica onda de Bayovar, no Perú, em 1999.
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Naquela época Gino ainda era estudante de engenharia pesqueira. Hoje é um cientista renomado. E surfista fissurado. Sabe tudo sobre as ondas da Baja California e foi com seu auxílio que planejei onde ir encontrar as duas ondulações que estão no radar para as duas próximas semanas.
Tudo indica que viverei momentos intensos logo mais novamente, mas dessa vez sem nenhuma relação com disputa entre cartéis e violência nas ruas. Tá tudo calmo, hoje passo pelo vale dos cactos gigantes e depois pego uma estradinha rumo à felicidade.
Acompanhe a rota pelo @panamericansoul2022.
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