“Dirk, existe um negócio chamado surf de ondas grandes que chama a atenção de qualquer um, do netinho à vovó, e fica lindo e atraente em qualquer tela”
Por Adrian Kojin
No vermelho. Há mais de uma década comandando o surf profissional mundialmente, a WSL (World Surf League) ainda não deu um centavo de lucro para seu dono, o bilionário norte americano Dirk Ziff. Durante esse período, foram três CEOs e um tiroteio desenfreado para tudo quanto é lado na busca de um modelo de negócio lucrativo. Sem resultado.
No momento, após a sumária e ainda mal explicada demissão do controverso CEO Erik “Elo” Logan, a entidade se encontra órfã de um líder e mais criticada do que nunca pela base de fãs do surf de competição, formada primariamente por surfistas praticantes. Já para o grande público em âmbito internacional, de onde são angariados os ditos simpatizantes do esporte, a organização segue praticamente desconhecida, não fazendo nem cosquinha nas demais ligas esportivas, suas pretensas concorrentes.
No Brasil, especificamente, a situação é um pouco diferente. Aqui, o braço local da WSL vem fazendo um excelente trabalho em passar uma imagem ao público leigo de que a entidade vai a mil maravilhas, contando para isso com o enorme sucesso financeiro do evento de Saquarema. Nesse sentido, é claro que o salto em popularidade registrado pelo esporte em território nacional, na esteira da avassaladora sequência de seis títulos mundiais conquistados pelos brasileiros Gabriel Medina, com três, Adriano de Souza, ítalo Ferreira e Filipe Toledo, não esquecendo também a brilhante medalha de ouro olímpica de Ítalo, ajuda muito.
Mas quem acompanha o surf profissional realmente de perto, sabe que, para além das fronteiras brasileiras, a liga passa por um de seus momentos mais cruciais. Não ajudando em nada a longa demora para a apresentação de um novo CEO, o que inclusive reforça a boataria de que sua venda possa estar sendo negociada nesse exato momento. Tem até gente falando que os árabes estariam interessados, mas nada ficou comprovado e pode muito bem ser que isso não passe de mera especulação.
Fato é que, em novembro de 2022, conforme noticiado no Wall Street Journal, a WSL sentou à mesa com a gigante do streaming Netflix, que chegou a fazer uma proposta de compra, a qual não foi aceita. Pode até ser que Dirk não estivesse pensando em vender, e quisesse apenas satisfazer sua curiosidade sobre qual seria o valor ofertado. Mas tudo indica que esse não foi o caso. A impressão corrente é de que a WSL se tornou uma batata quente para o bilionário, que não está sabendo como fazer para continuar segurando o problema sem queimar ainda mais as mãos.
Não é novidade nenhum que, como bem ensina a sabedoria popular, se conselho fosse bom, não se dava, se vendia. Mas há quem discorde, e cobre alto para dar palpite. Como Dirk não tem a mínima ideia da minha existência, fica muito difícil tentar vender qualquer coisa a ele. Então aqui vai, de graça mesmo: “Dirk, existe um negócio chamado surf de ondas grandes que chama a atenção de qualquer um, do netinho à vovó, e fica lindo e atraente em qualquer tela. Seus funcionários praticamente destruíram o que já havia sido construído nesse fascinante universo, talvez com medo de que o produto principal pudesse vir a ser ofuscado, mas ainda dá tempo”.
Continuando: “Esqueça realities shows em piscinas de ondas e eventos que decidem o campeão mundial em picos que não passam de dois metros, nem oferecem tubos. Nada é mais dramático do que a possibilidade da morte a cada drop, nada é mais fácil de entender do que uma massa d’água gigante explodindo em direção a costa, enquanto um pequenino surfista, sobre sua insignificante prancha, tenta achar o caminho para escapar são e salvo das garras de uma força tão descomunal”.
Mais um pouquinho só: “Dirk, o surf de ondas grandes não compete com o chamado surf de alta performance, na verdade as duas modalidades se complementam. Mas é indiscutível que o surf de ondas grandes tem uma capacidade muito maior de atrair o público que não entende nada das mil e uma nuances envolvidas no julgamento de um campeonato do Championship Tour”.
“Para esse público, bastam as imagens de ondas gigantes, elas dizem tudo. Não só essas imagens valem muito mais que um milhão de palavras, mas muitos milhões de dólares. Pense numa série no estilo ”Make or Break” acompanhando o Circuito Mundial de Ondas Grandes da WSL. Não é à toa que a HBO acabou de anunciar que a terceira temporada da série “100 Foot Wave” está confirmada, sendo que a primeira ganhou um Emmy por cinematografia e a segunda está concorrendo a outros seis. O que, aliás, é impossível que você não saiba, certo, Dirk?”.
Ainda que Dirk pareça não estar nem aí para o que eu e milhões de surfistas achamos, torço muito para que essa percepção seja falsa. De qualquer maneira, estou com minha consciência limpa, o recado está dado. Agora uma breve explicação do que me levou a tocar nesse assunto.
Dia desses, dando aquele giro rotineiro na internet, dei de cara com o lendário Mad Dog Danilo Couto no podcast Let’s Surf, do jornalista Guilherme Dorini. A entrevista inteira, gravada em fevereiro desse ano, vale muito ser conferida, e só fez minha admiração pelo Danilo aumentar ainda mais. Em 2011, na cerimônia de premiação do XXL, em Anaheim, na Califórnia, tive a honra de estar ao lado dele quando foi anunciado que sua onda em Jaws, uma monumental direita que mudou a história do surf na remada, foi escolhida como a vencedora.
O evento me marcou, primeiro, é claro, pela conquista de Danilo, mas muito também pela vibração contagiante que tomava conta do anfiteatro, e que me deixou convencido de que tudo aquilo que eu estava presenciando poderia ser ainda muito maior. Os assuntos abordados pelo big rider baiano no podcast foram vários, inclusive os detalhes de como ele visualizou que um dia iria surfar a onda que lhe rendeu 50 mil dólares. Já quase no final, Danilo dá sua opinião sobre a atual situação do surf de ondas grandes dentro da WSL. Transcrevo abaixo, encerrando esse texto, parte do que ele falou a respeito.
“A WSL não trata bem o surf de ondas grandes. Não sei se é incompetência ou se é algo planejado, porque as vezes parece. Eram circuitos separados, já existia um circuito de ondas grandes que vinha crescendo. Então, quando a WSL comprou e disse, agora é comigo, o circuito e o XXL, e hoje regrediu e basicamente sumiu tudo isso… Parece até que compraram o esporte para botar debaixo do tapete, para não concorrer com o circuito tradicional. Então erraram, erraram mesmo”.