Com três viradas consecutivas, Jadson André passa por Gabriel Medina, Cam Richards e Yago Dora, na final, e vence o Oi Hang Loose Pro em Fernando de Noronha
Por Fernando Guimarães
“Essa vitória é pra todos os nativos aqui de Noronha!” Jadson André já tinha dedicado a vaga na final aos seus amigos locais após passar pelo norte-americano Cam Richards, na semi. A segunda semi ainda estava na água e ele não sabia quem seria o adversário na decisão, Italo Ferreira ou Yago Dora. Nem se sairia com a vitória — talvez por isso tenha antecipado a homenagem. Mas não precisava.
O dia começou com Jadson enfrentando a maior pedreira possível. Dono de metade das notas excelentes do evento, Gabriel Medina vinha demonstrando sintonia com as ondas da Cacimba do Padre e seriedade na hora de encarar as baterias — e o evento como um todo. Nada de pré-temporada. Gabriel estava ali para vencer.
“Se eu pensasse nisso [que ele é o bicampeão mundial] ele ia fazer comigo o que ele geralmente faz com outros atletas”, resumiu Jadson. “Ele esmaga”.
Mas topou com um quase-local em dia inspiradíssimo. O surfista de Maresias abriu com duas boas notas. Mas, diferente de suas outras baterias, não conseguiu aumentar a diferença. Enquanto tentava administrar a vantagem, viu Jadson achar uma esquerda e mandar sua manobra marca-registrada, o aéreo de frontside chutando a rabeta. Jadson ainda finalizou e tirou o primeiro high-score do dia, 8,40. Depois disso, Noronha ajudou o seu favorito, e as ondas não entraram mais.
“Procurei manter a calma e usar a experiência de bateria que já tive contra ele, e é isso. No mar são trinta minutos, mesma chance pra todo mundo. Se eu pensasse nisso [que ele é o bicampeão mundial] ele ia fazer comigo o que ele geralmente faz com outros atletas”, resumiu Jadson. “Ele esmaga”.
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Cam Richards derrotou Adin Masencamp no único duelo entre estrangeiros das quartas-final, e foi punido ao sair da água. Era a quinta bateria que ele vencia no campeonato, e pela quinta vez ouviu na entrevista todos os nomes de surfistas da costa oeste dos Estados Unidos que seu entrevistador conseguia lembrar. Sim, conheço eles etc etc.
Yago Dora passou fácil por Reo Inaba, fazendo qualquer aéreo para a esquerda parecer uma manobra fácil e natural. A diferença de pouco mais de três pontos no placar final não demonstra o passeio que foi essa bateria.
Italo fez algo parecido com Aritz Aranburu. A diferença é que enquanto Yago tem um estilo leve, à la Rob Machado, Italo é pura agressão. O potiguar fez uma apresentação sensacional, emplacando aéreo atrás de aéreo, completando giros em uma velocidade que poucos, ou nenhum outro surfista no mundo consegue. Massacrou o único surfista restante no evento que já havia vencido em Noronha e credenciou-se a uma semifinal que prometia muito.
Semifinal só com pé direito na frente
O duelo entre Jadson e Richards viu os juízes demarcarem uma diferença importante no julgamento. O brasileiro pegou um tubo bem decente para a esquerda. Errou na finalização: 5,33. O americano pegou outro tubo, melhor ainda. Saiu seco e mandou na lata na junção: 6,00. Logo depois, Richards pegou outra onda quase idêntica. Esqueceu do tubo e deu na lata na primeira manobra. Conseguiu combinar com mais uma na junção. Nota 6,47 e recado dado.
Ele e Jadson trocaram a liderança algumas vezes, mas era Richards quem liderava na reta final. Então o brasileiro pegou a que seria a maior onda da bateria. O ângulo da transmissão deu a nítida sensação de que ela ofereceu um tubo largo e seco, onde dava pra ter entrado e saído de pé. Jadson ignorou essa possibilidade, alongou a cavada e, logo no olho dessa sessão ainda crítica, decolou para seu aéreo reverse chutado. Completou o giro com aterrissagem perfeita e abriu os braços em comemoração. Ele ainda voltou para o outside com prioridade e não passaria nenhum perigo.
A segunda semi começou com Italo quebrando sua prancha ao errar a volta de um aéreo. Talvez tenha sido um fator de desconcentração. Se Italo tinha um seeding mais alto (candidato ao título e maior vencedor de etapas do CT no ano passado), nas condições da Cacimba deste domingo, o duelo entre ele e Yago era equilibrado.
Praticamente só as esquerdas eram exploradas. Quando bem escolhidas, ofereciam boas rampas. Italo Ferreira é um dos melhores surfistas do mundo e dizer que apesar do seeding alto faria um duelo equilibrado com Yago não é de maneira alguma uma crítica a qualquer aspecto de seu surf; é unicamente um tremendo elogio à atual forma do catarinense. O CT é um campo de amostrar difícil onde qualquer bateria é muito difícil. Mas passado um ano de adaptação — coroado com a conquista da permanência sob pressão em Pipeline –, podemos esperar um Yago Dora pronto para brigar pelos lugares mais altos do ranking.
E foi Yago quem conseguiu o melhor aéreo da bateria, nove pontos por um reverse muito alto, projetado para frente da espuma. A nota foi decisiva para ele terminar na frente no show de surf que protagonizou ao lado de Italo.
Eram esses mesmos aéreos que faziam Yago levar o título do campeonato com menos de dois minutos para o fim da bateria. Jadson, que havia chegado até ali com seu aéreo-estrela, como bem revelou o melhor comentarista do campeonato o local e legend do surf noronhense Iaponã, mudou a estratégia.
Os quatro semifinalistas eram goofies. Porque, já há alguns dias, as esquerdas estavam bem melhores. Yago tinha sete pontos por um bom tubo e havia acabado de completar um bom aéreo, todos para a esquerda. Mas Jadson já tinha conseguido um bom score na final em uma direita. E voltou a apostar no backside na que seria sua última chance. Destruiu uma direita com bom tamanho com três manobras críticas. Para os juízes, o massacre de backside nas direitas, com sua agressividade, velocidade e fluidez, foi superior ao arsenal apresentado pelo catarinense.
O troféu fica em Noronha!
Jadson revelou a inspiração para mas essa virada, a mais emocionante de todas as suas quatro, consecutivas, no evento.
“Lembrei, por incrível que pareça, do Neco [Padaratz], que contou, há muitos anos atrás de um campeonato em que ele ficou sonhando todos os dias com uma direita. E na final, quando ele tava precisando, essa direita veio e ele foi campeão”.
Jadson ainda revelou que vem sofrendo com lesões, que desde o final da sua temporada havaiana, com a participação em Sunset, até o início do evento em Noronha — quase três meses — havia surfado apenas cinco vezes. Estava considerando abrir mão da perna australiana.
“Agora, com esse troféu aqui, como é que eu não vou pra Austrália?”
Com o título do Oi Hang Loose Pro, Jadson também assume a liderança do ranking do QS e ganha um boa base para o caso de precisar recorrer ao circuito de acesso para se manter na elite. O que, esperamos, não será necessário.
Resultados do Oi Hang Loose Pro em Fernando de Noronha:
Final
Jadson André 16,46 x 16,10 Yago Dora
Semifinal
Jadson André 15,90 x 12,47 Cam Richards
Yago Dora 16,50 x 16,17 Italo Ferreira
Quartas de final
Jadson André 14,73 x 13,50 Gabriel Medina
Cam Richards 15,17 x 11,10 Adin Masencamp
Yago Dora 13,50 x 10,16 Reo Inaba
Italo Ferreira 18,20 x 9,93 Aritz Aranburu