Texto Alexandra Iarussi
Já faz alguns dias que a Liga Mundial do Surf – a WSL – anunciou mudanças para o formato e o calendário do Circuito Mundial que vão vigorar a partir de 2019.
Entre elas, uma reviravolta no calendário: O CT começa em fevereiro, no Havaí, e acaba em setembro, no Taiti. Depois haverá um evento especial, no qual os cinco ou seis melhores do ranking masculino e as três ou quatro melhores do ranking feminino disputarão uma finalíssima pelo título mundial. Esse evento será, em princípio, na Indonésia. Depois do término do Circuito Mundial, os últimos meses do ano serão dedicados ao WQS.
HARDCORE foi saber o que pensam dois especialistas: o jornalista Alexandre Guaraná (que foi editor da Revista Fluir e hoje publica no Surf100Comentários) e Reinaldo “Dragão” Andraus, um dos caras que mais entende de história do surf no Brasil. Aliás, vale lembrar, em 2018 Dragão lança o livro “A Grande História do Surf Brasileiro”; você também pode conferir as postagens do pesquisador em seu blog “Histórias do Surf”.
Algumas concordâncias, outras, nem tanto. O texto está grande, leitor cibernético; não por isso, menos interessante. É que o assunto “Liga Mundial do Surf” sempre rende muito pano para manga – e vai seguir rendendo.
Confira:
“Achei legal começar o Circuito no Hawaii, pois em fevereiro a bancada de Pipe já não tem areia e geralmente quebram ótimas ondas. Na maioria das vezes, melhores que em dezembro. Quanto a terminar no Tahiti, é indiferente, pois a Europa já há algum tempo não proporciona ondas boas em outubro,” pontua Alex.
“Em relação a um evento final com apenas um grupo de surfistas, para decidir o título, é uma idéia de girico, um retrocesso enorme. Se é para fazer um evento mais compacto para a TV (só isso me faz pensar nesta idéia), mudem o formato para menos competidores e dias de evento. Tirem a repescagem e coloquem apenas 16 ou 24 surfistas disputando o Tour. Agora pegar um cara que talvez esteja 15.000 pontos atrás do líder e, de repente, por ter um bom dia, poder sagrar-se campeão mundial, acaba com qualquer justiça esportiva. Ou seja, enquanto todos os esportes individuais tendem a caminhar para um ranking definindo seu nº 1, o surf faz o inverso… É ou não é uma idiotice?,” questiona Guaraná.
Dragão foi sintético. E trouxe à luz a comparação com o tênis:
“O surf sempre se baseou em outros esportes, na verdade, fez um cocktail de características, para definir seu formato competitivo. Esta mudança lembra um pouco o Master Series do tênis, com os melhores do ranking participando de um torneio decisivo, que muda de sede anualmente. Levar os melhores surfistas de cada temporada para um surf-off na Indonésia é uma ideia interessante. Podemos achar esquisito a princípio, mas devemos nos acostumar e será um evento bastante aguardado anualmente. Não acho que seja a forma mais justa, mas a WSL tem a faca e o queijo na mão para criar suas regras. Regras regem os esportes, os atletas se adaptam e os de maior competência angariam títulos mundiais. De qualquer forma, será interessante acompanhar.”
A troca de mensagens com Alex veio e voltou. No meio disso, pergunto: “Mas e aí, você não acha válido praticar alguma mudança? Que a WSL funcione mais como um laboratório, então…”
As réplicas chegaram:
“É isso que a WSL tem que combater: a chatice,” reforça Guaraná
“O julgamento e o formato de competição são coisas distintas. Acho válido fazer laboratórios, mas não quando você lida com a vida da atletas que são pagos para isso. Existe toda uma estrutura por trás de cada Top. O surf só evolui porque os atletas e os shapers se tornaram mais profissionais. Querem mudar o critério de julgamento, ótimo. O problema é que nenhum head judge ou juiz tem critério. Eles mesmos não seguem o que está escrito no livro de regras. Até para julgar um evento de freesurf, você precisa de critério. O julgamento é subjetivo porque não se segue 100% o critério,” prossegue Alex.
Para ele, o que mata na WSL é o atual formato, que existe há décadas e precisa ser modernizado.
“Não cabe repescagem. Você não vê isso no tênis ou golfe. Existem uns 30% dos Tops que fazem figuracão. Tem que cortar, deixar o nível ainda mais elevado. O número de baterias chatas está enorme. E também não dá para colocar masculino e feminino junto. Tem que dividir os Circuitos. Acho que fica melhor. São dois produtos distintos que atualmente são feitos juntos por causa do custo. Se não tem competência para vender o feminino, então, não faz o Circuito. Não existe lugar no mundo com seis dias seguidos de ondas perfeitas. Sempre tem uma fase que o mar está horrível e com caras abaixo da média. Fica sonolento assistir uma bateria. É isso que a WSL tem que combater: a chatice. A emoção vem com disputas acirradas de alto nível. Talvez com a entrada das piscinas algo fique mais atrativo. Mas por enquanto são fases entediantes e sem graça.”
Quanto ao formato, segundo Alex, mostra o quanto a WSL está perdida na busca para achar a fórmula do sucesso.
“Foi investido dezenas de milhões de dólares ao longo desse ano e o retorno simplesmente não veio. Duvido que a Samsung ou a Corona ou a Go Pro paguem muito para estar no Circuito. Como jornalista, sei que as cifras atraem a mídia. Você já viu algum grande negócio não mostrar os valores envolvidos? Quanto mais dinheiro, mais atenção. Em compensação, você já viu um mau negócio divulgar suas cifras? Nunca!”
O QUE FALTA PARA A WSL?
“Uma cabeça mais jovem, mas do esporte, com ideias criativas e geniais. Hoje, as pessoas que estão lá são as mesmas de 20 anos atrás. Não adianta pegar um executivo de outro esporte (que se fosse bom mesmo estaria na NBA, NFL, MLB ou o que for) e achar que ele vai resolver o problema de divulgação do produto.”
Para encerrar, um paralelo inevitável: surf x skate.
“O surf não conseguiu o mesmo espaço que o skate. Isso é fato. As marcas de surf diminuíram porque cresceram muito, sem estrutura financeira, e quase quebraram com a crise. E os brasileiros vencendo tudo foi a gota d’água para que o americano e australiano perdessem o tesão no Circuito Mundial. O surf tem visibilidade no Brasil porque o Medina ultrapassou a linha entre vencedor e ídolo. Mas isso gerou algum benefício para o esporte em si? Não. Estamos vivendo a mesma situação que o tênis viveu com o Guga. E o resultado disso já sabemos. Para terminar: porque não fazer cada etapa do Tour como o evento de Big Surf? Apenas um dia, baterias de quatro… Dinâmico, bacana e justo.”
E você, leitor, o que acha?
HARDCORE também quer saber o que pensam os atletas, que afinal, vão sentir tudo na pele… Confira em breve nas próximas atualizações.