* Foto acima de Celso Pereira Jr., publicada na matéria “Regência – Onda Indonésia no Espírito Santo”, da HARDCORE #312, edição de novembro, já nas bancas.
Olhe bem para a imagem acima. Regência, a “Indonésia brasileira”, em seus dias clássicos, tubular e perfeita. Água limpa. Cristalina. A alegria dos surfistas. Fonte de renda para milhares de pescadores da região de Linhares. Pois bem: essa Regência da foto não existe mais. Assim como não existe mais o rio Doce.
Desde que duas barragens da mineradora Samarco (da Vale do Rio Doce e da anglo-australiana BHP) se romperam na cidade de Mariana (MG), no dia 5/11, caracterizando o maior crime ambiental da história do Brasil, uma sucessão de desastres ecológicos irrompeu-se em um incessante efeito cascata sem data para ter fim.
A lama tóxica – leia-se, repleta de metais pesados – praticamente soterrou subdistritos de Mariana e matou o rio Doce, fonte de sustento de milhões de pessoas entre Minas Geras e Espírito Santo.
Abaixo, retrato da triste realidade:

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Os rejeitos tóxicos percorreram 650 quilômetros do rio Doce (ele tem 853 km no total) rumo sua foz, localizada na vila de Regência, na cidade capixaba de Linhares. No dia 21/11, a água barrenta chegou no Oceano Atlântico, provocando morte de centenas de peixes e colocando em cheque um dos melhores picos de surf do Brasil.

A foto acima mostra o protesto feito pelos moradores de Regência no dia 20/11. As informações são do site Regenciasurf.com.br: “O espaço foi aberto e o microfone também, todos os presentes puderam falar e compartilhar seus sentimentos, e também reivindicar mais respeito por parte da Empresa Samarco, que tem direcionado suas ações sendo orientada por lideranças Comunitárias que representam apenas alguns segmentos existentes na Comunidade, excluindo assim o direito que é de TODOS os moradores locais sem distinção, não passando a informação correta do que está acontecendo e ignorando que antes da lama chegar, o problema sócio econômico gerado já tinha se instalado em Regência”.
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A prefeitura de Linhares interditou as praias de Regência e Povoação e espalhou placas avisando que os locais estão impróprios para banho. Além disso, tartarugas marinhas protegidas pelo Projeto Tamar em Regência também estão ameaçadas.
Até agora, a lama oriunda do rompimento da barragem adentrou cerca de 15 km para o Norte do mar do Espírito Santo, segundo informou o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), na última terça-feira (24). Ao leste, mar adentro, a extensão é de 5 km e para o Sul são 7 km. O Ibama informou que, desde que a lama chegou ao estuário, mais de 700 peixes foram recolhidos mortos.
SURFISTAS INDIGNADOS
Nas redes sociais, vários surfistas manifestaram sua revolta. O local de Ubatuba Wiggolly Dantas desabafou com o depoimento abaixo:
“O lucro é para poucos, mas, o prejuízo é de todos. É do pescador, do lavrador, do engenheiro e da dona de casa. É das crianças e dos idosos. É da natureza que chora lágrimas embotadas de uma lama tóxica, fruto da ganância acima de tudo e de todos. E desde sábado é, também, do surf. Os danos para o meio ambiente são incalculáveis. Estamos diante de um evento sem precedentes na história brasileira e seus efeitos serão sentidos por várias gerações. A lama tóxica atingiu a Reserva Biológica de Comboios, no litoral capixaba. Área de desova de tartarugas-marinhas, especialmente da tartaruga-de-couro, já ameaçada de extinção. O sentimento geral é de revolta, medo e tristeza. Parafraseando o grande Aldir Blanc, ‘chora a nossa Pátria mãe gentil, choram Marias e Clarisses no solo do Brasil-. Deixo aqui meu registro indignado, desde Mariana até Regência!”
O paulista Caio Ibelli lamentou pelos surfistas e pescadores e foi além: “Muito triste de ver o tamanho desse desastre, não só para nós surfistas e pescadores e sim para todos amantes da natureza e do oceano”.
O local de Ubatuba Filipe Toledo, atual segundo colocado no ranking do WT, não escondeu sua revolta: “Isso é triste demais, quem já teve a oportunidade de desfrutar desse pico alucinante (que na minha opinião está entre as ondas mais tubulares e perfeitas do litoral brasileiro) sabe bem a indignação que nós surfistas e seres humanos estamos sentindo. Sem dizer a população local. Acabaram com toda a riqueza desse lugar; pescadores que viveram toda sua vida desfrutando do Rio Doce, tribos indígenas que ali mantém suas tradições passando de pai para filho seus costumes. O Rio era como uma mãe para eles; ali usufruíam da água para matar a sede, dos peixes para se alimentar, nadar, lavar etc… Todo ecossistema dessa perfeita obra de Deus foi destruída em minutos e, pior, pela ganância do homem!”
Abaixo, a imagem que o fotógrafo baseado em Vitória (ES) Celso Pereira Jr. – autor das fotos da matéria “Regência – Onda Indonésia no Espírito Santo”, publicada na HARDCORE #312, edição de novembro – fez do rio Doce pouco antes da chegada do “mar de lama” em Regência e compartilhou em suas redes sociais.
Andamos em alguns círculos até retornar para o começo deste texto. Olhe bem para a foto no topo desta matéria. Regência, magnânima e perfeita. Viu? A gente torce para que algum dia – não fazemos a menor ideia de quando (ou se de fato isso ocorrerá) – esta cena volte a se repetir diante de nossas retinas.
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