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Lesão de segundo colocado no Circuito Mundial reacende questões sobre Olimpíadas em Teahupoo

“A justificativa, fruto de uma preocupação pertinente, era de que as ondas no verão europeu costumam ser decepcionantes. Já a solução, para muita gente, é questionável”

Por Adrian Kojin

Será que Teahupoo, no Taiti, foi mesmo a escolha certa para as Olimpíadas Paris 2024? A séria lesão do australiano Ethan Ewing, segundo colocado no ranking da WSL, em uma sessão de treinos realizada no início da semana, reavivou um debate que já vinha sendo feito sobre a opção do Comitê Olímpico do Jogos de Paris 2024 em mover o palco do surf das praias francesas na Europa, para uma locação num território colonizado da Polinésia. A justificativa, fruto de uma preocupação pertinente, era de que as ondas no verão europeu costumam ser decepcionantes. Já a solução, para muita gente, é questionável.

Ethan Ewing fraturou as vértebras L3 e L4, e está fora do evento que tem início hoje, o Shiseido Tahiti Pro. Muito provavelmente também da grande final que irá determinar o campeão mundial de 2024, a ser realizada em Trestles e para a qual ele já estava pré-classificado. Assim como para as Olimpíadas. Mas até lá, espera-se, Ethan já deverá estar completamente recuperado.

Do ponto de vista do espetáculo, é inegável o potencial do temido pico taitiano em vir a proporcionar a bilhões de espectadores um dos momentos olímpicos mais emocionantes que se possa imaginar. Como referência, basta lembrar de todo o drama envolvido na final de 2014, na qual Gabriel Medina derrotou Kelly Slater por apenas 0,03 décimos de diferença, em ondas de 2,5 a 3,5 metros, ou 8 a 12 pés, tão irretocáveis quanto perigosas.

O placar foi de 18,96 (9,53 + 9,43) a 18,93 (9,63 + 9,30), com a nota da última onda de Kelly, que acabou sendo sua segunda melhor, saindo somente após o encerramento da bateria. Medina, com 20 anos de idade, era ainda apenas um tímido garotão brasileiro em busca de seu primeiro título mundial, que poucos acreditavam ser capaz de surfar ondas tão assustadoras como aquelas. Seu adversário ninguém menos que o rei do surf, o 11x campeão do mundo e mestre supremo de Teahupoo.

Na entrevista pós-bateria, realizada num barco ainda no canal de Teahupoo, o normalmente contido Medina não se conteve e deixou que as emoções aflorassem. Enxugando lágrimas, ele explicou que “essa é a melhor sensação de todas, as ondas estavam perfeitas e grandes, estou chorando pois amo o surf e surfar essas ondas foi inacreditável”.

Aquela realmente foi uma etapa de sonho, em que tudo deu certo para os organizadores, naquele tempo ainda a ASP. E muito provavelmente, o mundo irá mesmo assistir boquiaberto a uma disputa sensacional nas finais dos Jogos de Paris 2024 em Teahupoo. Talvez até mais épica, pois uma medalha de ouro olímpica estará em disputa. O questionamento que se pode fazer, a essa altura totalmente inócuo quanto à possiblidade de mudança de arena, mas ainda assim válido, é sobre o que poderá acontecer nas fases iniciais da competição, quando não estarão na água apenas surfistas do calibre daqueles que competem no Circuito Mundial.

Se o mar estiver como na final de 2014, apesar de toda perfeição, pode ser que competidores sem a experiência necessária simplesmente decidam por não surfar. Numa Olimpíada, ainda que o orgulho nacional esteja em jogo, ninguém pode ser obrigado a arriscar a vida. Não se trata de uma guerra, onde convocados são enviados ao campo de batalha queiram ou não. O que nos levaria a indagar, caso isso aconteça, se os candidatos a defender seus países não sabiam que a disputa se daria em Teahupoo.

A resposta aí é simples, enquanto desejo, pode ter certeza que todo surfista competidor sonha em um dia dropar uma onda da série num dia grande em Teahupoo e marcar um 10. Se for nas Olimpíadas, melhor ainda. O problema surge quando, dentro do mar, remando sobre sua prancha, ele se depara com a realidade. Aquele momento em que a série entra sugando quase toda a água da bancada, e cavando um buraco na base da onda que se projeta num tubo quadrado explodindo sobre corais afiados. É aí que o bicho pega, e o sonho se torna pesadelo.

É de conhecimento de todos que o primeiro brasileiro com vaga já garantida nas Olímpiadas, o atual campeão do mundo e líder do ranking da WSL, Filipe Toledo, tem dificuldade em surfar em Teahupoo justamente devido ao medo que a bancada desperta. Não tenha dúvida que ele quer muito dominar aquela onda. Talento para tanto Filipe tem de sobra, mas tudo indica que seu maior desafio é superar um bloqueio mais forte do que sua vontade.

Em recente entrevista ao podcast Surfe 360°, o presidente da CBSurf e ex-top do Circuito Mundial por muito anos, Teco Padaratz, foi enfático ao condenar a escolha de Teahupoo: “Tem dois lados, um positivo e um negativo. O positivo é que o nome de Teahupoo e do Taiti faz vender muito patrocínio, todo mundo quer assistir, a onda é muito impressionante. Só que as Olimpíadas, a gente sabe, por tradição, tem que olhar para o lado da integridade física de seus atletas. Eu acho extremamente perigoso… Eu me preocupo muito com atletas inexperientes naquela onda, acho de uma imprudência… Mas não sou do Comitê Olímpico e vamos rezar para que dê tudo certo”.

Teco relembrou que “já teve inúmeros acidentes com pessoas que treinam lá assiduamente… estou querendo pensar na segurança física daqueles surfistas que nunca lá estiveram… Se aquilo já é desafiante a vida inteira para quem está tentando chegar lá, imagina para quem nunca imaginou que ia chegar lá”. E foi mais adiante citando a sua experiência, e a do seu irmão Neco, na temida bancada: “Eu já entrei lá, eu sei o que é aquela onda, já tomei porrada, já fui parar nos corais, meu irmão quase morreu lá. E ele tem um nível casca grossa, tanto que depois de um trauma, a primeira onda foi um 10”. Na época, Neco chegou a escrever uma carta para a ASP se recusando a competir em Teahupoo devido ao pavor que a onda despertava nele.

Na mesma linha, em matéria para o site americana The Inertia, o renomado jornalista Sam George escreveu que se, até mesmo, para os competidores classificados pela WSL a coisa pode ficar feia num dia grande, imagina a situação daqueles que se qualificarem para as Olimpíadas pelos Jogos Mundiais de Surf da ISA ou Pan-Americano. Segundo George, “eles terão pela frente um desafio ainda maior, tendo pouca experiência em competir em condições remotamente parecidas com as da temível bancada de coral taitiana. Para os atletas, a consequência de uma falha pode ser uma lesão grave, mas para a transmissão olímpica, seria ver uma grande porcentagem dos competidores optando, em sã consciência, por nem mesmo remar”.

Discussões à parte, os Jogos Olímpicos de Paris 2024 já tem sua arena definida e isso não vai ser mudado. Daqui até lá ainda dá tempo para os surfistas classificados encaixarem algumas viagens ao pico para treinarem. Ninguém vai se tornar um expert numa onda tão exigente com apenas algumas sessões no pico. Até mesmo por não ser tão simples assim, só chegar lá e ir pegando a onda que quiser, pois está treinando para as Olimpíadas. Tem que respeitar os locais, a fila e a bancada acima de tudo. Mas uma coisa é certa, cada onda surfada vai contribuir para aumentar a segurança e afastar o maior dos vexames, que seria amarelar em plena Olimpíada.

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