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Invista na História, com Matt Warshaw

Por Kevin Damasio
HC #330, julho/17

Aos leitores da HARDCORE, Matt Warshaw está oferecendo um código para acessar a Encyclopedia of Surfing. De graça, válido por um mês. Basta enviar um e-mail para matt@encyclopediaofsurfing.com.

Imagine a História do mundo sem Eric Hobsbawm? Ou a do Brasil sem Darcy Ribeiro? E a do nosso cosmos, o surf, sem Matt Warshaw? O que eles possuem em comum é a aptidão para pesquisar, apurar e contar a História de maneira simples, sem a robustez acadêmica. Os três são de épocas distintas.

Warshaw, de 57 anos, tem uma oportunidade peculiar proporcionada pelo século 21: incorpora ao seu trabalho às novidades digitais – e a História do surf é ainda melhor contada de forma multimídia.

Após publicar o livro History of Surfing (2010), Warshaw transformou em website seu primeiro livro, Encyclopedia of Surfing, publicado em 2003.

Mais tarde, os capítulos de History of Surfing ganharam o dinamismo do digital, com um website próprio. Em seguida, Warshaw lançou um terceiro, Above the Roar, com entrevistas e reportagens que ele guarda em seu gigante arquivo, de autoria dele ou de outros contadores de histórias que embarcaram no projeto.

Para manter o trabalho vivo e em expansão, Warshaw criou uma assinatura para os três websites. Por US$ 3 mensais (R$ 10), o leitor tem acesso a todo o conteúdo – uma volta ao mundo do surf, através de histórias e estórias contadas com precisão acadêmica e criatividade literária.

É um valor pequeno, se levarmos em conta que o livro impresso de History of Surfing, na Amazon, custa US$ 50 (R$ 165), sem o valor do frete dos EUA ao Brasil.

Conforme mais assinantes aderirem, o objetivo de Warshaw é traduzir todo o conteúdo para idiomas além do inglês. Segundo o californiano, o português brasileiro é prioridade.

Warshaw nasceu em Los Angeles, em 1960, e ainda garoto mudou-se com a família para a praia. Na vizinhança californiana, aprendeu a surfar aos 8 anos, acompanhado pelo amigo Jay Adams – a lenda que vivia entre as ondas e o skate na geração de Dogtown & Z-Boys. Desde então, o californiano viveu seus anos no outside com grande intensidade.

Ainda jovem, Warshaw teve roubada uma prancha feita e assinada por Jeff Ho. Sem dinheiro para comprar uma nova daquele nível, foi para a surf shop, sentou e chorou pela perda. Ho ofereceu o shape de uma linha nova.

Warshaw, claro, aceitou, mas em um primeiro momento ficou decepcionado por, naquela prancha, não ter a inscrição “Jeff Ho”. Mais tarde, ele se tocou sobre a importância da sua aquisição: Warshaw era dono da primeira prancha da lendária Zephyr Surfboards – equipe da qual fez parte.

Matt Warshaw, 1981. Foto: Steve Sakamoto

O lazer virou profissão, e Warshaw testemunhou momentos importantes em sua curta carreira de surfista competidor. Imerso naquela cultura que despontava naquela época, disputou em Huntington Beach o primeiro OP Pro, em 1982; encarou baterias contra Cheyne Horan e Tom Curren. Acompanhou de perto lendas como Miki Dora.

Warshaw viveu a construção da História do surf desde os anos 1970, e com o passar do tempo percebeu que seria mais interessante e produtivo para ele deixar as competições de lado.

No início de 1984, voltou do Hawaii com uma reportagem sobre sua primeira temporada no North Shore. Publicou na revista de surf Breakout, e lá conseguiu seu primeiro trabalho em redações. Em 1985, o mesmo texto chamou a atenção da Surfer. Foi contratado pela “revista sagrada” do surf, e lá cresceu do cargo editorial mais baixo ao alto escalão dos editores.

“Eu amava estar na Surfer e amava viver na Surfer”, conta Warshaw, em seu escritório na casa de Seattle, onde vive desde 2011 com a esposa e o filho.

O californiano deixou a revista em 1990. Resolveu diminuir a intensidade com que vivia o surf para finalmente fazer faculdade. Dois anos depois, formava-se em História.

Então, Matt Warshaw estava graduado aos 32, e desempregado. Com isso, dedicou-se a escrever livros. Aliou o conhecimento acadêmico em história à técnica literária que desenvolveu em longas reportagens sobre surf publicadas para o grande público, no The New York Times, Outside, Esquire, The Wall Street Journal, entre outros, e seu conhecimento de causa.

Escreveu grandes obras, as já mencionadas Encyclopedia of Surfing e History of Surfing. Em 2012, compartilhou suas obras no digital, ampliou-as e, diariamente, em sua banda-de-um-homem-só, escreve, edita vídeos e administra as redes sociais. A seguir, confira os principais trechos da conversa com Matt Warshaw. 

Matt Warshaw, 2017.

Transição digital

“Tenho trabalhado com o online há cinco anos. É meio que onde vivo agora. Meu coração estará sempre com o impresso. Eu amo meus livros. Mas todo dia levanto e estou no computador, tocando meus websites e todas as mídias sociais. São 8, 10, 12 horas por dia. É assim que é. Uma coisa diferente.

Lembro de ler dez anos atrás: a Encyclopedia Britannica pararia de fazer versões impressas. Publicaria apenas online. E diziam que os livros de referência seriam as primeiras coisas a abandonarem o impresso, porque o digital é tão mais fácil e todo mundo está tão acostumado a ficar online para se informar.

Pensei: ‘É isso que vai acontecer com a minha Encyclopedia. É melhor transformar isso em online’. Assim que terminasse o History, começaria a trabalhar na Encyclopedia digital, para ganhar uma nova vida. Eu amo o livro, mas são apenas palavras, não parece tão bom quanto o surf é.

Era como se o projeto estivesse meio-pronto. ‘E agora que terminei as palavras, vamos trabalhar com as fotos e os vídeos.’ Pensei que seria um projeto fácil, de seis meses. Mas foi tão mais técnico e complicado para fazer do jeito que eu queria.

E então, quando a Encyclopedia nasceu, bonita, pensei: ‘Agora vou fazer o History’. É uma nova mídia, mas estou muito empolgado com isso. Já escrevi seis livros, centenas, milhares de matérias em revistas, mas o digital é algo novo.

Muitos caras na minha idade, a maioria, não fizeram essa transição. O digital deu uma nova vida. Cuidar das redes sociais, do online tem sido mais legal do que boa parte das coisas que já fiz. Amo esse trabalho.”

Parcerias

“Todos os fotógrafos, filmmakers, escritores, todo mundo deixou eu usar suas coisas de graça – o que é inacreditável. Nunca aconteceu antes. Sou como uma organização sem fins lucrativos. E todo mundo gostou dos livros – The History e Encyclopedia. Venho fazendo isso por tanto tempo, desde 1985, que de alguma forma consegui que todo mundo colaborasse. Nenhum outro website tem tudo isso. Bruce Brown, Leroy Grannis, John Severson… Você pode contar em quase uma mão as pessoas que não toparam ser parte disso.”

Respirando estórias

“Não parecia nada demais enquanto eu estava no meio daquilo tudo. Ou até mesmo alguns anos depois. Quando estava na Surfer, nos anos 80, tudo que me importava era Tom Curren, Mark Occhilupo, o que acontecia no momento.

E quanto mais velho fico, olho para trás e penso: ‘Uau, aprendi a surfar em Venice com Jay Adams, e costumávamos a assistir Miki Dora.’ E descobrir mais tarde sobre quanta coisa aconteceu na praia de Malibu… Lá era simplesmente meu pico local, eu não pensava muito sobre isso.

E então você descobre: depois da Segunda Guerra Mundial, esse era o centro do mundo para o surf. Grandes pessoas, ótimas pranchas… Tive sorte de nascer em Los Angeles. Meus pais se mudaram para a praia quando eu tinha uns seis anos. Estava lá, e de perto conhecia todas essas coisas.”

História e Enciclopédia

“Na rotina do surfista ele não precisará ter toda hora, mas é bom que exista, que esteja lá. Tenho livros que não dou uma olhada há dois, três anos, mas estou feliz que estejam aqui, algum dia precisarei. É importante para quando precisarmos, quando surfistas do futuro precisarem.

Muito do trabalho é de banco de dados, de reunir informações, palavras-chave, escanear, para deixar tudo acessível. Muito da história é sobre preservação.

Então, acho que tenho a habilidade de ser o cara que não só escreveu o History e a Encyclopedia – que são as principais –, mas também que se pode checar diariamente, e vou postar algo que será legal de ler, interessante. Quero ser atrativo em níveis diferentes. Quero que seja algo que você se divirta, dê risada, e também pesquise.”

 

Esta matéria foi originalmente publicada na HARDCORE #330, de julho de 2017.

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