As Faroe Islands (Ilhas Faroé) certamente estão entre os destinos de surf mais remotos do mundo.
Localizadas no Atlântico Norte, entre a Islândia e a Noruega, as ilhas integram um arquipélago que faz parte do território da Dinamarca, com cerca de 50 mil habitantes. O acesso se dá por avião, do aeroporto de Copenhage, ou pelo mar (recomendado aos mais dispostos).
O cenário é extraordinário e quando o poderoso swell do Atlântico atinge as bancadas em torno das 18 ilhas, ondas de qualidade internacional são geradas.
A vila de Tjørnuvík, na ilha Streymoy, é o melhor pico do arquipélago. A onda é relativamente conhecida e já estrelou alguns filmes, como o premiado Finding Faroes, além de centenas de clipes disponíveis a um clique na internet.
A fúria do Mar do Norte gera ondas o ano inteiro e os locais garantem que é possível surfar até mesmo nos meses de inverno, pois a proximidade com a Corrente do Golfo faz com que as águas não fiquem abaixo dos sete graus celsius (sim, pra quem surfa no Brasil, é ‘congelante’, mas nada que não possa ser contornado por uma boa roupa de borracha, bota, luva e gorro).
Posição geográfica de Tjørnuvík favorece o predomínio do vento terral e o pico, mesmo nos melhores dias, nunca fica crowdeado. Reza a lenda que só existem dois locais assíduos e que recebem a todos os surfistas de fora de braços abertos.
Numa era em que praticamente não existem mais ondas com tanta qualidade quebrando vazias, você provavelmente está considerando em incluir esse destino a lista de surf trips.
Porém, como diz a frase eternizada pelo grande dramaturgo inglês Shakespeare, na obra Hamlet, “existe algo de podre no reino da Dinamarca”.
Mar de sangue
Ainda que as ondas de Tjørnuvík sejam um belo cartão de visita, as Faroe Islands são realmente conhecidas por um motivo bem menos agradável: a matança anual de baleias-piloto.
Todos os anos, a partir dos meses de maio, centenas desses animais são mortos de forma brutal. As cenas sempre chocantes, de praias tingidas pelo sangue dos cetáceos, causam revolta e perplexidade a quem não está ambientado com essa tradição.
Apesar das ondas de protesto e ações de ONGS e ambientalistas, que lutam contra a carnificina, os habitantes das Faroe Islands resistem em banir a prática de seu território, por se tratar de uma atividade realizada há quase mil anos na qual a carne e a gordura dos animais são totalmente aproveitadas, além disso, o governo da Dinamarca alega que existe uma regulação que a torna “sustentável”.
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Contudo, imagine você viajar em busca de ondas perfeitas e vazias e se deparar, literalmente, com um mar coberto de sangue? Foi mais ou menos o que aconteceu no início de julho, quando um navio de cruzeiro lotado de turistas fez uma parada nas ilhas bem na hora em que 78 baleias-piloto foram mortas.
Durante a caçada, barcos cercam e conduzem um grupo de baleias-piloto até a praia mais próxima, onde os caçadores as esperam na beira da água. Encurralados, os animais são mortos a golpes de facões e ganchos. Em seguida, os corpos das baleias são encaminhados para o porto para serem cortados, e a carne é distribuída entre os moradores presentes.
Essa cena foi presenciada por todos os turistas que estavam a bordo e ficaram horrorizados por testemunharem o banho de sangue.
1. Ambassador can confirm that the arrival of Ambition in Torshavn in the Faroe Islands today coincided with the culmination of a hunt of 40+pilot whales in the port area. We were incredibly disappointed that this hunt occurred at the time that our ship was in port.
— ambassadorcruiseline (@ambassadorcruis) July 10, 2023
A linha de cruzeiros Ambassador rapidamente emitiu uma declaração condenando a prática. “Ficamos incrivelmente decepcionados por essa caçada ter sido realizada enquanto nosso navio estava no porto“, tuitou a linha de cruzeiros. “Somos totalmente contra essa prática ultrapassada e trabalhamos em parceria com nosso parceiro ORCA, uma organização dedicada ao estudo e proteção de baleias, golfinhos e botos nas águas do Reino Unido e Europa, para incentivar mudanças desde 2021.”
Contudo, tanto o governo das Faroe Islands, quanto governo dinamarquês, mantém o posicionamento irredutível quanto à matança, por se tradar de uma atividade cultural e, em seu entendimento, “sustentável”.
Mais um exemplo da importância de se pesquisar bem sobre o histórico e práticas culturais de lugares que se pretende visitar.