Pela primeira vez nos anos recentes, veio à tona uma história de abuso sexual envolvendo atletas e treinadores no surf. O relato foi feito por Adam Replogle, ex-top do WCT de 46 anos, durante uma conversa para o podcast de Kyle Thiermann.
“Fui molestado quando tinha 12 anos pelo técnico de uma equipe de surf em San Diego”, contou. Adam tinha viajado a San Diego para participar de um campeonato. Ele estava hospedado na casa do treinador, e dividiria uma cama com ele – prática normal em surftrips. Adam relata que o treinador, um ex-profissional de Imperial Beach, também na região de San Diego, deu algumas cervejas para ele e o fez assistir a filmes pornô.
“Quando nos deitamos, ele começou a me tocar. Meu coração estava acelerado. Inventei que precisava ligar para minha mãe, e assim que ele abriu a porta do quarto, eu saí correndo”, continua. Adam foi até uma loja, onde de fato ligou para sua mãe e informou o que estava acontecendo. Logo depois, chamou a polícia. Com o envolvimento policial, a notícia se espalhou e o abusador acabou banido pela indústria envolvida com os circuitos locais de surf. Ele foi levado à corte, mas Adam não soube precisar o resultado do julgamento. Ele teria mudado para o México nos anos seguintes.
Adam chegou a encontrar o sujeito novamente, durante uma trip para Baja California, e conta que seu amigos pretendiam matá-lo, mas ele deixou a cidade primeiro.
O caso relatado aconteceu em 1983. Adam nasceu em Santa Cruz, Califórnia, e conquistou ali seu resultado mais expressivo, a vitória no O’Neill Cold Water Classic. Ele integrou os top 45 do WCT no ano de 1998, e competiu regularmente no WQS durante quase toda a carreira. Ele diz que a decisão de falar sobre o abuso que sofreu – que não era o tema da conversa com Thiermann -, tantos anos depois, foi fruto de visitas a um terapeuta. Atualmente, Adam leva uma vida saudável, dividindo seu tempo entre o trabalho, como funcionário da Billabong, e o surf (como você pode ver no vídeo acima).
No podcast, Adam afirma que a questão é recorrente, inclusive atualmente. “Agora mesmo essa merda está acontecendo de novo”, diz. “Grupos enormes de jovens surfistas indo pra lá e pra cá com gente mais velha. Eu te garanto que isso está acontecendo”.
#MeToo e histórico no esporte
Se no mundo do surf o relato de Adam é uma novidade, em um contexto mais amplo ele é apenas mais um caso de um amplo histórico de abusos sexuais de jovens no âmbito esportivo.
Em 2016, o ex-jogador de futebol inglês Andy Woodward revelou ter sido abusado por um treinador durante sua infância. Assim que seu relato veio à tona, dezenas de outros jogadores resolveram contar suas histórias, todas envolvendo casos semelhantes de abusos – algumas com o mesmo abusador, inclusive -, levantando o véu de um assunto polêmico na Premier League, o campeonato nacional de futebol mais valioso do mundo.
Mais recentemente, o ginasta Andrew Fuller revelou ter sido abusado pelo ex-diretor da Confederação de Ginástica dos Estados Unidos. Poucos dias antes, o médico Larry Nassar, da mesma confederação, havia sido condenado a 175 anos de prisão por ter comprovadamente abusado de mais de 40 atletas – uma das vítimas de Larry foi Maggie Nichols, ginasta que chegou a ganhar medalha de ouro no mundial da modalidade em 2015, em Glasgow.
As denúncias das ginastas também acontecem na esteira do movimento #metoo, despertado no ano passado após uma série de revelações de abusos sexuais envolvendo dirigentes em cargos importantes do meio artístico norte-americano e mundial.
Tabu também no esporte nacional
No Brasil, apesar das centenas de relatos que circulam em off sobre o tema, principalmente nas categorias de base do futebol, o abuso sexual segue sendo um tabu. O ex-jogador Alê Montrimas, goleiro com trajetória discreta no futebol nacional, resolveu dar holofotes ao assunto, dedicando um capítulo de seu livro Futebol: sonho ou ilusão? ao constantes episódios de abuso que viveu e testemunhou ao longo da carreira.
“Crianças e adolescentes muitas vezes sequer tomam consciência de que são abusados, não sabem que são vítimas de um crime abominável”, diz Alê, em entrevista ao El Pais. “As poucas denúncias que vêm à tona acontecem depois de o garoto comentar sobre o abuso com um adulto alheio à rotina do clube ou alguém da família. Os abusadores se aproveitam do sonho dos meninos para fazer com que se calem e, acima de tudo, entendam o assédio ou o abuso como uma precondição para vingarem na carreira”, complementa.
Alê envolveu-se em uma campanha, junto com o Sindicato dos Jogadores de Futebol, em que promove palestras para jovens atletas, alertando-os sobre os perigos a que eventualmente estarão expostos. Para ele, é fundamental que o assunto seja abordado constantemente, e deixe de ser um tabu, para que assim todos estejam mais alertas e os abusos se tornem cada vez mais raros.
“No dia em que um atleta de peso, um ídolo de gerações, tocar nesse assunto, podemos ter a revelação de milhares de jogadores e ex-jogadores que já sofreram com essa prática”, diz. “Não podemos jogar a sujeira para baixo do tapete”.
Crédito imagem de capa: Nic Hdez / Reprodução Instagram