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De gota em gota

*No Dia Mundial do Oceano, assista o documentário “Uma Gota” e faça a sua parte para ajudar o planeta: umagota.com.br/bra/

Texto Kevin Damasio


Há seis anos, o catarinense Marcio Gerba decidiu retribuir em maior escala todas as alegrias que o mar lhe dava. Fundou o projeto Route, uma ação pioneira em Floripa, que conecta limpeza de praia e educação ambiental na ilha. Trabalha com ONGs, creches, orfanatos, escolas. Pouco tempo depois, encontrou no documentário uma forma de ampliar o alcance de sua mensagem para além das 50, 100 pessoas presentes em cada ação do Route. Em 2014, lançou na internet o curta-metragem Limites de uma Ilha, a respeito da proteção ambiental e do crescimento desenfreado que Floripa vive.

Em seguida, Marcio teve a ideia de produzir algo maior, além de sua terra natal. O projeto do filme foi recusado em dois editais de financiamento, mas isso o instigou ainda mais a tirá-lo do papel. Arrecadou R$ 13 mil em uma campanha de financiamento coletivo. Recrutou amigos voluntários. Readequou o orçamento com a pequena verba incrementada por doações de algumas empresas. E pegou a estrada.

Rodou o filme no Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. Na jornada, constatou que o lixo presente nas areias é muito mais do que um problema local. “Na verdade, limpar a praia é o remédio de uma doença, e essa doença é o consumo”, observa Marcio. “A grande questão abordada no documentário é que a gente pode resolver o problema de uma comunidade, só que esses materiais chegam através da corrente oceânica. Se não houver uma consciência global, o lixo continuará chegando”.

Uma Gota estreia em São Paulo na quinta-feira, 9 de março, na Surf & Sound, Vila Madalena – mais AQUI.

Enquanto editava o média-metragem, que mescla “a linha artística do surf, as expedições, com músicas impactantes, junto à problemática ambiental”, Marcio Gerba conversou com a HARDCORE sobre a missão de instigar a consciência ecológica, em prol da sobrevivência do oceano. Confira:

Durante o processo de montagem, o que você sentiu dessa investida?
Marcio Gerba: Eu não esperava a proporção que esse documentário tomaria. No evento mundial no Rio, entrevistei uma galera e fiz vários contatos que me deram muito mais vontade de correr atrás. No Brasil, tem muita gente fazendo um trabalho bacana, mas ainda não havia um filme desse porte. Foi muito legal sentir o calor das pessoas que querem ajudar, que o documentário fique pronto, para fomentar esse assunto, espalhar para o mundo. Não tenho nem palavras para agradecer todas elas. Pela quantidade de imagens e assuntos, terá entre 45 e 55 minutos.

Como foi a “perna brasileira” do documentário?
Passamos por Santa Catarina, litoral norte paulista (de Maresias a Ubatuba), Rio de Janeiro e Bahia. Fiz nesses estados por conta de ações que acontecem e da quantidade de lixo encontrada. Em Barra Velha (SC), o rio Itapocú passa por seis cidades e desemboca no mar. Como a corrente joga para a areia, traz lixo de tudo que é tipo: animal morto, resíduo sólido, material hospitalar. Cananeia, na Ilha Comprida (SP), é um lugar próximo ao porto, tem muito lixo internacional: encontrei resíduos de 16 países. No Rio de Janeiro, tem a temática da Rocinha e de São Conrado, com a poluição do Cantão. Na Bahia, tem alguns projetos bacanas. Lá, como o sol é muito forte e a salinidade da água também, a degradação dos produtos que ficam na areia acontece mais rápido. Cada lugar possui uma temática específica.

Em que ponto está a proteção e a consciência ambiental marinha no Brasil?
Hoje nós temos a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essa lei foi aprovada em 2015 e prevê multa para empresas cujos produtos forem encontrados na orla marítima. Só que isso nunca foi colocado em prática. Não existe fiscalização. Pneus, pilhas e baterias, lâmpadas fluorescentes, óleo de barco, de motor e suas embalagens, são alguns dos produtos que, se forem encontrados em qualquer lugar do meio ambiente, a empresa deveria ser multada. Deve haver uma preocupação com a logística reversa. Hoje, quem produz tem que se preocupar com o retorno do produto até a empresa. Mas olha o tamanho das empresas das quais falamos: Lubrax, da Petrobras, Pirelli… Quanto esses caras pagam de imposto para o governo? Será que convém jogar merda no ventilador? É um jogo de interesses.

O plástico é um problema maior do que você imaginava?
Em torno de 70% a 80% do lixo marinho é plástico. Uma das entrevistadas no documentário trabalha na ONG Exchange for Change, que está chegando ao Brasil. Eles tentam implantar nas empresas um design de embalagens que, após consumido, o produto se torne algo utilizável e não acabe no meio ambiente. Diferente do vidro, por exemplo, o plástico é leve, então qualquer chuva que der, a rede pluvial o leva até o oceano. Bituca de cigarro e plástico de garrafa PET são os principais contaminantes da praia. Sem falar dos agentes químicos presentes no plástico, fruto de óleo de embarcação, por exemplo. Quando volta à terra, contamina o solo. Peixes, tartarugas, crustáceos ingerem o plástico. Os químicos passam para o organismo do animal, e nós comemos esse peixe, camarão. De muitas doenças de hoje, como vários tipos de câncer, não sabemos qual é a causa, e pode ser que ocorram pelas substâncias que ingerimos nos animais marinhos.

Como era a situação nos outros países visitados?
O lixo sofre influência da corrente, e da ponta de baixo da América do Sul a maioria da corrente sobe para o centro e norte. O Chile é um pouco “atrasado” em relação a muita coisa. Agora está chegando muito material descartável para eles, um povo que sempre teve uma alimentação mais saudável, natural, a base de peixe, legumes e verduras, agora estão consumindo muitos descartáveis. Na América do Sul, o Brasil é um dos principais países poluidores, infelizmente. E podemos destacar as regiões portuárias: Itajaí, Barra Velha, São Francisco do Sul, Santos, Rio de Janeiro. Acompanhei a EcoBoat, uma empresa que faz a limpeza da Baía de Guanabara, um tipo de caminhão de aço tira, todo dia, mais de uma tonelada de lixo.

O Uruguai já tem uma consciência diferenciada. A criança desde pequena tem educação ambiental. Planta, colhe, trabalha com material reciclável, constrói parquinho com pneu. Por natureza, eles não são poluidores. Claro que consomem PET, descartável, mas não têm essa mentalidade do “eu não tô nem aí”.

Em nível global, podemos destacar China, Índia e Indonésia. O Bruno Zanin trouxe imagens da Indo. É um absurdo, dez vezes pior do que no Brasil. A China é a grande produtora do plástico industrial – e não está nem aí. Os três são responsáveis por 40% do lixo mundial que está no oceano. Imagina? É um impacto muito grande. Nesses países deveriam ser trabalhados projetos em nível governamental, porque lá as ONGs não fazem nem cócegas, enxugam gelo. Precisa haver leis severas para produção e descarte das indústrias.

O que mais espera com a divulgação desse filme?
O principal objetivo é que plante uma sementinha nas pessoas. Se na cidade, estado, país do espectador não houver movimento em prol do oceano, que o filme desperte o começo de um projeto. O nome desse documentário é Uma Gota porque eu sou uma gota. Só que o oceano é cheio de gotas, e precisamos de milhões delas para fazermos algo acontecer. Se quisermos continuar pegando onda, temos que nos preocupar. Um estudo do Banco Mundial diz que em 2050 vai ter mais plástico do que peixe no oceano. Todo surfista deveria se preocupar com isso.

Matéria publicada na HARDCORE #325. 

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